sábado, 20 de dezembro de 2008

É Natal


Ano após ano repetem-se os mesmos votos, os mesmos desejos, e assim, os mesmos clichés. Com que sinceridade o faremos? Até que ponto o infortúnio dos mais desprotegidos nos toca? Qual o nosso grau de entrega por causas como o combate à fome, à doença ou à pobreza? Sem dúvida que estas questões nos dão que pensar! Por outro lado, isto levar-nos-ia a repensar, entre outras coisas, o conceito e o papel da cidadania.
Apesar de efémero, o Natal é naturalmente um momento de alegria, mas apenas para aqueles que são capazes de sonhar e de materializar alguns dos sonhos. Não vou aqui fazer o discurso da lamúria ou da resignação, até porque eventualmente acabaria por tomar emprestado alguns dos ditos clichés.
Derivada do latim ‘natalis’, a palavra Natal significa nascimento. Deixando de parte, com o devido respeito, a história do menino Jesus, gostaria apenas de desenvolver uma curta reflexão sobre a associação deste conceito ao de ‘felicidade’.
Logo que tomamos consciência da nossa existência, e à medida que vamos amadurecendo e aprendendo com as contingências da vida, vamos construindo o nosso conceito de felicidade. O que nos faz feliz varia de sujeito para sujeito. O objecto de desejo é, enfim, o móbil para conseguirmos a felicidade. Por qualquer estímulo, e por diferentes origens, algo nasce e cresce dentro de nós, necessitando de ser saciado. Todos os dias nascemos e sujeitamo-nos ao imprevisto. Independentemente de qualquer precaução que tomemos, nada impedirá que possamos ser surpreendidos por um qualquer facto inimaginável que surja, e que poderá mudar o rumo de um futuro que julgávamos certo… quiçá para um destino melhor!
Escalar uma montanha, passear, contemplar uma obra de arte, ler um bom livro, pintar um quadro ou ter uma conversa interessante com uma pessoa interessante são, para mim, momentos de felicidade. O somatório destas e de outras experiências dão corpo a um reportório que vamos construindo, que nos enriquece, alimenta e tempera a nossa vida. Partilhá-lo faz de nós pessoas mais sociáveis, desejadas ou amadas, e por isso mais felizes.
Desprendemo-nos das futilidades do nosso quotidiano rotineiro, vivamos um dia de cada vez e façamos deste curto momento, que é a vida, uma experiência única, válida e gratificante.

Bom Natal

domingo, 23 de novembro de 2008

Avaliação de Professores

Tenho que agradecer ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa pela inspiração que me suscitou para escrever este artigo, através da sua mais recente eucaristia dominical. Tão ilustre comentador, à semelhança de tantos outros, continua a manifestar profunda ignorância acerca desta problemática da avaliação de professores, que tem merecido destaque nos media.
Pergunto: como é possível que quer entrevistadores, quer entrevistados continuem a abordar este tema, sem terem o cuidado e o bom senso de fazer uma análise pormenorizada do novo Estatuto da Carreira Docente dos professores do ensino básico e secundário, e/ou de descerem das suas tribunas resguardadas para virem à escola, para falarem com professores ou conselhos executivos? Certamente que evitaríamos que se ouvissem barbaridades, tais como: “os professores nunca foram avaliados”; “os professores não querem ser avaliados”; “os professores são os responsáveis pelo laxismo ou insucesso escolar que reina nas nossas escolas”; “os professores representam uma corporação de interesses instalados”, etc., etc., etc.
Gostaria de ver a mesma dedicação com que alguns jornalistas se debruçam sobre outros temas da actualidade social, por vezes com uma saciedade desmedida, direccionada também para a questão da avaliação de professores. Gostaria de ver os jornalistas e outros intervenientes da praça pública darem a conhecer a verdade, enfim, aquilo que na realidade está aqui em causa. Pois saiba-se que se trata tão-somente de medidas economicistas que o governo do Eng. Sócrates (e à semelhança de outros governos) pretende impor, não só no sector da educação, mas também na função pública em geral. Falo de medidas adoptadas pelas políticas neoliberais, que continuam a sua grande cruzada insaciável pela privatização do sector público e pelo desmantelamento do estado social. A voracidade dos falcões é tal, que nenhum governo resiste à tentação de entregar de bandeja o sector público a grandes grupos/lóbis económicos que, sabemos, patrocinam as suas campanhas eleitorais ou que prometem, para um futuro mais ou menos próximo, cargos muito bem remunerados. Assim, a receita é simples: reduz-se a autonomia das instituições; reduz-se o investimento nos recursos humanos e financeiros; apresentam-se estatísticas que culpabilizem as instituições e seus agentes pelos resultados obtidos (frequentemente advindas de estudos com critérios de análise duvidosos, ou realizadas em contextos distintos, e por isso sem aplicabilidade no contexto português); acusam-se as administrações de má gestão e de buracos orçamentais, e eis, por último, que surge a entrega ao sector privado ou àquilo que se designa de parcerias público-privadas, e que, confesso, continuam, para mim, envoltas de muita nebulosidade.
Mas voltemos ao nosso Prof. Marcelo, para dizer que este é um caso notório de dois pesos e duas medidas nas análises que desenvolve. Se por um lado não se tem cansado de criticar a ministra da educação pela sua postura arrogante, bem como o modelo de avaliação que a mesma pretende impor, sem testagem e sem diálogo, por outro não deixa de acusar os sindicatos de professores de extremismo. Acusa a ministra de intransigência, mas não deixa de criticar as suas cedências. Mas o mais hilariante surge quando o ilustre orador pretende insinuar que os sindicatos, qual orquestrada máquina político-ideológica (à boa semelhança dos regimes totalitários), controlam as pobres mentes dos docentes deste país. Se não fossem as suas eternas pretensões políticas, acredito que o nosso comentador não hesitaria em comparar publicamente as duas grandes manifestações de professores, ocorridas na capital, a um rebanho de carneiros que se limitou a seguir o pastor, diga-se, a plataforma sindical.
Posto isto, e uma vez que parece evidente que não será através da imprensa que veremos surgir os esclarecimentos necessários à opinião pública sobre o tema em debate, nem que brotará uma solução a partir das propostas desajustas, extemporâneas ou comprometidas de alguns dos partidos da oposição, só resta aos professores unirem-se e prosseguirem a sua luta pelo respeito e justiça que lhes são devidos e, claro está, pela defesa de uma escola pública de qualidade.

domingo, 12 de outubro de 2008

Educar para a cidadania*

Se por um lado a evolução da sociedade se caracteriza por alguns progressos a nível científico, tecnológico e social, por outro não deixa de revelar problemas e carências que afectam milhões de pessoas em todo planeta. À semelhança do que ocorre com outras organizações internacionais (tais como a OMS, a ONU ou a UNESCO), os sucessivos relatórios do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) têm dado a conhecer a pobreza e as inúmeras desigualdades sociais e económicas que se verificam no nosso planeta.[1] A fome, as doenças, o analfabetismo, a desigualdade entre sexos, a escassez de recursos naturais, entre outros, representam factores que têm contribuído para o agravamento do fosso entre ricos e pobres, situações que atentam contra a dignidade e sobrevivência do ser humano. Constata-se que o modelo económico dominante não tem dado resposta às necessidades mais básicas de muitas populações.
Ninguém de bom senso pode ficar indiferente perante este quadro. Não podemos continuar a achar que pouco ou nada se poderá fazer para inverter, ou pelo menos atenuar este cenário. Falamos de uma responsabilidade que é de todos. Aquilo que efectivamente a humanidade necessitará será, como sublinha Ricardo Petrella (2005), “de quem seja capaz de construir uma forma de vida em conjunto, graças a um contrato social mundial fundado na aspiração de todas as pessoas e povos à dignidade, à justiça, à liberdade e à paz”.
[2]
Como conceber uma sociedade democrática, livre, solidária e coesa se continuamos a pensar que os problemas mais prementes que a sociedade atravessa não são da nossa estrita responsabilidade, ou que estamos perante um fatalismo, algo de irreversível? Como conceber uma cidadania nacional, europeia ou global assente num projecto comum e na coesão social, se o que verificamos é uma sociedade materialista e individualista (particularmente as sociedades ocidentais e outras igualmente desenvolvidas)? Como preparar as crianças, jovens e adultos para uma cidadania democrática, crítica e participativa, quando o modelo económico dominante tem contribuído, de forma mais directa ou indirecta, para o consumismo desenfreado, para a desestruturação das instituições de educação tradicionais, para a competição, para o desmembramento do estado social, para uma rotura entre povos e culturas, para o aumento do racismo ou xenofobia, para o “choque de civilizações” de que nos fala Samuel Huntington (1999), para tantos e outros problemas que suscitam a nossa maior apreensão? [3]
Algumas questões nos parecem claras: há que repensar e redefinir conceitos como o de cidadania ou de democracia; há que reinventar as práticas de participação cívica em diferentes contextos sociais; há que erigir uma educação para a cidadania suportada na defesa e promoção dos direitos humanos e nas liberdades de expressão e manifestação; há todo um trabalho a desenvolver para que despontem cidadãos críticos, activos, participativos, autónomos, solidários e conscientes de que o progresso social terá que ser sustentado pela coesão social e pela defesa do interesse público.
Esta é, sem dúvida, uma obra de tão grande responsabilidade e de uma enorme envergadura. A história das civilizações está recheada de grandes projectos sociais, alguns megalómanos, outros assentes em utopias. Mas também ela tem revelado que quando um aglomerado de pessoas, com maior ou menor dimensão, decide levar a cabo um projecto que vise essencialmente a promoção e o garante de direitos e de melhores condições de vida, as obras acontecem, surpreendendo, por vezes, os mais cépticos. Já dizia Fernando Pesoa, “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”. Reestruturar o tecido social será certamente um dos imperativos mais imediatos para devolver à sociedade, em geral, a esperança num mundo mais humano e mais solidário.
O conceito de educação para a cidadania é de tal modo abrangente que se torna difícil atribuir-lhe uma definição mais ou menos consensual. A educação para a cidadania desenvolve-se ou abrange diferentes áreas de formação, tais como: a Educação Ambiental, a Educação Patrimonial; a Educação para os Direitos Humanos, a Educação Democrática; a Educação Intercultural, entre outras. Contudo, e de modo a simplificar e sistematizar o nosso raciocínio, propomo-nos desenvolver e clarificar alguns pontos que nos parecem essenciais à concepção e construção de uma sociedade mais justa.
Devemos começar por reflectir sobre um conjunto de situações e preocupações que perturbam a sociedade e que certamente limitam ou condicionam a acção do indivíduo. A este respeito, evocamos as palavras de Michael Apple (1999): “Aspectos como a negação dos direitos humanos básicos, a destruição do meio ambiente, as condições desumanas em que sobrevivem as pessoas, a ausência de um futuro com sentido para milhares de crianças […] não constituem unicamente, nem tão-pouco primordialmente, um “texto” a ser decifrado nos nossos volumes académicos sobre diversos temas pós-modernos”. Trata-se, diz o autor, de uma realidade experimentada diariamente por milhares de pessoas. Assim, acrescenta o mesmo, “o trabalho educativo que não se encontre profundamente relacionado com a compreensão sólida desta realidade – e esta compreensão não pode ignorar uma análise séria da economia política e das relações de classe, pois perde grande parte da sua força – corre o risco de perder a sua alma”.
[4]
Uma educação para a cidadania como projecto emancipatório passará necessariamente pela criação de requisitos para que o educando desenvolva uma consciência autónoma e crítica, que lhe permita desconstruir e detectar no discurso político ou ideológico eventuais armadilhas, denunciar situações de violação de direitos humanos ou de desrespeito por liberdades fundamentais e empreender acções cívicas mobilizadoras, para defesa do interesse colectivo. Educar para a cidadania trata-se, como sublinha Maria Praia (1999) de “um processo contrário à rotina, que exige da escola uma prática consequente e desmistificadora do que é a política, do que é governar, do significado dos opacos invólucros dos tabus ideológicos, das suas intenções ambíguas ou distorcidas”.
[5] Uma acção consciente e reflexiva sobre os factos que nos rodeiam é condição primeira para que o cidadão possa desempenhar, na sua plenitude, uma intervenção cívica tendente a melhorar as suas condições de vida e as dos outros.
Quando já acreditávamos que, com as lições retiradas da Segunda Guerra Mundial, e com a esperança que ficou depositada na Declaração Universal do Direitos Humanos e na criação dos Estados-Providência, estaríamos em condições de perspectivar uma vida melhor, o que na realidade acabaríamos por assistir, infelizmente, foi às mais variadas situações atentatórias da condição humana, através dos múltiplos conflitos (territoriais, políticos, religiosos, económicos, entre outros) que se verificam em vários pontos do globo. A insegurança que destes decorre por vezes cega-nos ou inibe-nos de levar a cabo uma acção empreendedora, com o sentido de mobilizar consciências em torno de um objectivo comum, sustentado nos diferentes parâmetros que temos vindo a apontar: liberdade, democracia, igualdade de oportunidades, inclusividade, interculturalidade, solidariedade, diálogo, paz, etc.
Como se ainda não bastasse, assistimos ainda a algumas tentativas de reescrever a história, numa clara tentativa de branquear factos que muito poderiam contribuir para comprometer individualidades, grupos organizados ou Estados. Escusamo-nos a apontar nomes ou entidades responsáveis pela violação de direitos humanos, e que continuam impunemente a escapar à justiça dos homens. É precisamente sobre esta questão que Ignacio Ramonet (2005) se insurge, apontando o dedo acusador aos grandes media, “que não têm o rigor dos historiadores” e que, por isso, “reconstroem, segundo modas, um passado muitas vezes determinado, corrigido e rectificado pelo presente”.
[6] Para Ramonet, “há poucas diferenças entre esta nova «história oficial» e a censura de Estado que vigora nos países não democráticos. Em ambos os casos, é este passado revisto que as jovens gerações são levadas a conhecer. É pois uma tal distorção da história que devemos insurgir-nos”.[7] O conhecimento da verdade e da realidade dos factos são elementos imprescindíveis à construção de uma cidadania consubstanciada na justiça, na democracia e na pluralidade.
Entrámos num novo século, e com ele novos desígnios se colocam ou se desejam reforçados. As transformações que se registam, sejam a nível social, político ou económico, vêm redefinir o conceito de cidadania. Da cidadania nacional transpusemo-nos para uma “cidadania europeia” (naturalmente no contexto europeu) ou para uma “cidadania global”. A Globalização – e com ela a sociedade de informação e o conhecimento de outras realidades, outras culturas, em outros continentes – contribuiu para a redefinição do conceito de cidadania. Para Manuela Santos (2005), “a Globalização está a dar à cidadania novos significados emergentes e novas configurações sociais e culturais”. Logo, acrescenta a autora, “a cidadania traduz cada vez mais o valor da qualidade de vida, do respeito do Outro, do respeito por si próprio e pela natureza”.
[8] Dar-se-á, deste modo, a devida relevância e introdução à abordagem dos direitos humanos em contexto educativo, não de uma forma abstracta, descontextualizada, mas sim pela sua promoção e defesa em actividades partilhadas e efectivas, em contexto social.
Atendendo que é na defesa dos direitos humanos que se depositam as esperanças num mundo melhor, cabe aos Estados e às instituições educativas criar condições e desenvolver meios para assegurar que todos os indivíduos, sem excepção, possam crescer e desenvolver competências de cidadania democrática. Em síntese, e tal como destaca Roberto Carneiro (1997), está em causa “uma cidadania estruturalmente alicerçada no património dos direitos humanos e de liberdades fundamentais que sustentam o pensamento democrático. Uma cidadania onde se reconhece a centralidade do valor inalienável da pessoa humana e da sua dignidade”.
[9]
Uma educação para a cidadania exige um amplo consenso e determinação, quer nas políticas educativas a definir, quer nas práticas a exercer em contexto educativo. A cidadania democrática participativa só será possível se for assumida pelo sujeito como um compromisso social efectivo, como um vínculo que se constrói com um determinado público em qualquer espaço comunitário. A escola é, por isso, um espaço propício à aprendizagem de valores que sustentam a cidadania. Esse compromisso desenvolve-se quer pela reclamação de direitos, quer pela assumpção de responsabilidades individuais e colectivas. O Projecto Educativo de Escola (PEE) – e os projectos curriculares a ele agregados – constitui um instrumento definidor e impulsionador de práticas educativas e pedagógicas que poderão ser orientadas precisamente para uma educação para a cidadania. A educação para a cidadania constitui, pois, uma componente do PEE, efectivando-se quer na relação escola-meio, quer na dinâmica da organização escolar e das áreas curriculares.
As experiências decorrentes das práticas cidadãs podem e devem ultrapassar o espaço-escola, para que possam consolidar-se noutros contextos (sociais e culturais) da sociedade em geral. Aludimos à cidade educadora e à pedagogia urbana de que nos fala Roberto Carneiro (1997) para salientar o devir da cidadania, quer dizer, o processo ou processos necessários para a sua aprendizagem e exercício. Considera-se, pois, a polis como o espaço por excelência para que o educando aprenda e cresça, na relação com os outros, tornando-se num ser criador, mobilizador, transformador, vigilante e regulador de uma sociedade mais justa. De forma insigne e peremptória, Roberto Carneiro sintetiza as potencialidades da cidade educadora nos seguinte termos: “No drama social quotidiano educa-se para a justiça e para a solidariedade. Na contextura política da cidade e nas suas contradições de poder aprofunda-se o apego à liberdade e à democracia como valores perenes. No confronto com a diversidade educa-se para a descoberta do diferente e para o respeito com o outro. Na voracidade do consumo, forma-se para discernir entre o necessário e o supérfluo. Perante a multiplicação da violência, conquistam-se corações para a paz”.
[10]


* Texto retirado e reajustado de DUARTE, Rui (2007). Educação Visual para a Cidadania: um estudo comparativo em contexto escolar. Braga: Universidade do Minho (tese de doutoramento – policopiado), pp 159-162.

[1] Cf. http://www.pnud.org.br/rdh/.
[2] PETRELLA, Ricardo (2005). “Para abolir a pobreza é possível mudar o mundo”. In Le Monde Diplomatique, nº 77, Ano 6, p.22.
[3] HUNTINGTON, Samuel (1999). O choque das civilizações e a mudança na ordem mundial. Lisboa: Gradiva Publicações.
[4] APPLE, Michael (1999). Políticas Culturais e Educação. Porto: Porto Editora, p. 31.
[5] PRAIA, Maria (1999). Educar para a cidadania: teorias e práticas. Porto: Edições Asa. p. 15.
[6] RAMONET, Ignacio (2005). Faces escondidas da Segunda Guerra Mundial. Lições de História. In Le Monde Diplomatique, nº 74, Ano 6, p.7.
[7] Cf. RAMONET, Ignacio (2005), p. 7.
[8] SANTOS, Mª Manuela (2005). A Formação Cívica no Ensino Básico. Contributos para uma análise da prática lectiva. Porto: Edições Asa, p. 24.
[9] CARNEIRO, Roberto (1997). “Educação para a cidadania e cidades educadoras”. In Brotéria, 144, pp. 397-398. p. 400.
[10] Cf. CARNEIRO, Roberto (1997), p. 411.

domingo, 28 de setembro de 2008

Leitura interior


Em inúmeras situações da nossa vida caímos na necessidade de desenvolver algumas cogitações sobre o caminho a tomar que consideramos mais acertado. Somos impelidos a reflectir sobre as nossas capacidades para atingir determinadas metas que traçamos. Nem sempre essa leitura resulta fácil, quer pelas condicionantes que se possam levantar, quer pelas consequências que poderão advir das decisões tomadas.
Certo parece ser que não nos devemos ficar por um mero exercício especulativo, pela presunção de que o nosso saber acumulado é, por si só, suficiente para atacar os desafios que nos afrontam. Tampouco deveremos confiar, de forma acrítica, em máximas, pois lembremos que estas se desenvolvem em determinados contextos sociais ou históricos, não sendo, por isso, passíveis de generalização abusiva. Estaríamos provavelmente a correr riscos se partíssemos do princípio que as mesmas garantiriam o sucesso dos nossos actos. Tal como metaforicamente sublinha F. Nietzsche (s/d), “Aquele que escreve com sangue e em máximas, não quer ser lido mas aprendido de cor. Nas montanhas o caminho mais curto vai de cume a cume; mas é preciso ter pernas altas. É necessário que as máximas sejam cumes e aqueles a quem as destinas sejam fortes e altos” [1]. Pois claro, a mera retórica pode-nos atraiçoar.
Impõe-se, claro está, uma leitura profunda do nosso interior, das profundezas do nosso ego. Este, tão complexo que é, deixa-nos, por vezes, num desassossego sem limites. Quem somos nós, o que queremos, para onde nos dirigimos são algumas das questões que nos colocamos. As respostas podem não chegar, ou então simplesmente tardar, e então aqui podemos cair no embaraço das opções a tomar. No entanto, este exercício filosófico não deverá inibir-nos de prosseguir o nosso caminho de problematização e de procura de soluções. A humildade, o bom senso e a determinação deverão aqui imperar. Reflictamos sobre a forma como germinaram os mais nobres feitos da humanidade!
Em jeito de conclusão, tomo emprestada uma reflexão, que considero sublime, de F. Nietzsche, que é bem ilustrativa da questão versada neste texto: “De onde vêm as montanhas mais altas? Perguntava-me eu, um dia. Aprendi que vêm do mar. O testemunho está escrito nas suas rochas e nas paredes dos seus cumes. O mais alto tem que atingir a sua altura a partir das suas profundezas”[2]. Saibamos, pois, aprender a conhecermo-nos.



[1] NIETZCHE, Friedrich (s/d). Assim falava Zaratustra. Colecção Grandes Génios da Literatura Universal. Amadora: Ediclube, p. 39.
[2] Op. cit., p. 137.

sábado, 16 de agosto de 2008

Balanço de uma estadia nos Hautes-Alpes

A primeira surpresa surge com a chegada a Briançon. Trata-se da mais alta vila da Europa, situada nos chamados Hautes-Alpes, a 1.326m de altitude. De uma arquitectura medieval, recheada de monumentos, muralhas e de ruas e casas típicas, esta vila, património mundial, está repleta de atractivos que convidam os seus visitantes a uma estadia agradável e convidativa para inúmeras aventuras ou descobertas. Estas poder-se-ão desenrolar ao nível do património, da cultura ou da natureza. A história de Briançon está marcada por invasões, batalhas, incêndios, reconstruções e outros acontecimentos que despertam a curiosidade a todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento das civilizações e pela cultura em geral.
Mas o que na verdade me traz cá são os momentos vividos nesta zona e que marcam um momento precioso nas minhas andanças pelas montanhas. O curso de alpinismo ministrado pela Escola Espanhola de Alta Montanha que viria a frequentar nesta zona situada a sudoeste dos Alpes franceses, para além dos conhecimentos preciosos que me proporcionou ao nível de práticas de técnicas alpinas, fez-me granjear alguns amigos que não esquecerei, alguns dos quais eu espero voltar a encontrar e partilhar projectos de montanha. Num grupo de catorze elementos (onze formandos e três formadores) contavam-se, para além de dois portugueses (eu e um companheiro de montanha), catalãs, valencianos, tenerifenhos, um basco, um navarro e dois galegos. Imaginem a mescla de culturas! Apesar de características particulares, contava-se algo de comum a toda esta equipa: a boa disposição e a paixão pela montanha. O período de formação, decorrido ao longo de uma semana, para além das práticas de aprendizagem, fica particularmente registado por episódios marcados pelo humor, por alguns momentos insólitos e pelo espírito de camaradagem sentido. Este último aspecto merece toda a consideração, pois quem vive na ou para a montanha sabe que ele é imprescindível para atingir as metas que são previamente traçadas quando pretendemos levar a cabo um projecto de ascensão de uma determinada montanha.
A alta montanha impressiona, faz-nos sentir pequenos e, por isso, mais cautelosos. O deslumbramento pela natureza envolvente não nos pode ofuscar a lucidez. Temos de aprender a ler os sinais que ela nos dá, muito embora nem sempre sejam evidentes. Aqui residem os riscos que, dentro do possível, devem ser calculados. A nossa determinação e prudência devem jogar-se de forma a encontrar o equilíbrio. Foi com esta máxima que, no final do curso, decidi atacar a mais alta montanha do sudoeste dos Alpes franceses, a Barre des Écrins (4.101 m), situada no denominado Parque National des Écrins.
De uma configuração e beleza ímpar, a Barre des Écrins é uma montanha que exige uma preparação e alguns conhecimentos técnicos que não se podem descurar. Quando ascendida pela face norte, tal como o fiz, esta termina com um recorrido de cerca de 1.000m de aresta rochosa, com alguns lanços de gelo e neve, que exige técnicas de escalada apuradas e cuidados redobrados pelos diversos perigos que se colocam ao alpinista. Refiro-me ao desprendimento de gelo (dos chamados Séracs), a caída de pedras e um precipício vertical de centenas de metros do lado sul da referida aresta.
A ascensão até à parede onde se inicia a parte de escalada e, de seguida, a aresta, fez-se com tranquilidade e na companhia do meu companheiro de cordada, Carlos Filipe. A partir daqui, e por dificuldades técnicas deste, segui em solitário, apesar do aumento da pressão psicológica. O primeiro sinal estava dado. A partir daqui os cuidados deveriam ser redobrados. Porque são únicos e íntimos não vou relatar os momentos que vivi, enfim, tudo aquilo que me passou pela cabeça, logo que me apercebi que a empresa iria exigir de mim muita prudência, frieza e calculismo. Uma escalada em solitário como a que empreendi, aos olhos de alguns poderá significar coragem, aos olhos de outros, loucura. Para mim nem uma coisa nem outra, apenas determinação e… “seja o que Deus quiser”. O cume chamava por mim, e, quando lá cheguei, agradeci com a humildade que se impõe, traduzida num momento de emoção que se apoderou de mim de uma forma desabrida. Emoções indescritíveis e uma grande lição de alpinismo e de vida …
A descida foi muita cansativa. Ao esforço e cansaço acumulado com a subida, juntava-se alguma desidratação e uma semana de muito desgaste físico, resultante do curso e das poucas horas de sono. Tínhamos pela frente uma marcha com um desnível de 2.227m até chegarmos ao parque onde tínhamos estacionado o automóvel. Apenas fizemos umas breves paragens, primeiro para recolhermos as nossas mochilas de expedição que tínhamos deixado logo no início da ascensão, para nos alimentarmos e tirar umas últimas fotografias.
Fica um sentimento de missão cumprida e, passado poucos dias… saudades.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Discursos em torno da Educação Artística


Muitos têm sido os discursos em torno da educação artística, sendo a tónica colocada no destaque que ela deveria merecer no sistema de ensino formal. No entanto, a realidade tem mostrado que a mesma tem sido votada ao ostracismo. No sistema de ensino português, a redução da carga horária ou a passagem à condição de opção a que as disciplinas de ensino artístico têm estado sujeitas são apenas dois exemplos que demonstram o menosprezo manifestado pelos nossos sucessivos governos.
Apesar do crescente trabalho de investigação produzido em arte-educação, do trabalho pedagógico desenvolvido pelos serviços educativos de museus e fundações, das iniciativas promovidas por associações culturais e recreativas e do incremento de acções de divulgação das artes e cultura, frequentemente veiculadas pelos media, continuamos a assistir a uma sociedade que dá preferência às novas tecnologias, em especial às da informação e comunicação. Bastará lembrar os discursos do nosso primeiro-ministro! Que se poderá esperar de governantes, de elencos executivos cujas as formações académicas são, regra geral, em direito, gestão, engenharia ou economia? Onde pulula a formação ou sensibilidade artística, estética ou cultural desses senhores? Mas o busílis não se encontra apenas neste facto.
Quer os políticos que nos governam, quer a própria sociedade portuguesa está imbuída de uma mentalidade e de uma cultura que desconsidera o valor das artes. Onde tal não acontece, assistimos, sim, a sociedades desenvolvidas, cultas e auspiciosas. Os exemplos são muitos. Em países do centro e norte da Europa verifica-se um verdadeiro investimento no ensino artístico e na educação artística, porque aí cedo perceberam que a arte desenvolve competências imprescindíveis à formação integral do sujeito, e daí para a sua emancipação nos planos social, cultural, científico, tecnológico ou económico, ingredientes indispensáveis ao progresso dos estados. Só em terras lusas é que esta clarividência parece estar eclipsada. Os resultados estão aí à vista de todos…
Não me vou debruçar sobre as mais-valias da aposta numa educação artística. Considero que os discursos sobre tal questão estão combalidos. Compreendo a preocupação daqueles que pretendem levar bem alto esta bandeira, mas façamos um balanço sobre os resultados. Qual foi o nosso logro até ao momento? Isto não significa, de modo algum, que estou resignado ou que devemos simplesmente deixar as águas seguirem o seu livre curso.
Embora partilhe das mesmas preocupações, de alguns dos fundamentos e até de certas iniciativas, julgo que o caminho a tomar, e não sendo nada de original ou de novo, passa pela sensibilização das nossas crianças e jovens para a importância das artes. Enquanto professor de disciplinas artísticas, quer no ensino básico ou na formação inicial e contínua de professores, tenho tido como principal preocupação fazer com que os meus alunos vivam o verdadeiro sentido da arte, que criem e que fruam a arte. Sinceramente, pouco ou nada espero dos políticos. Acredito, sim, nas gerações que se estão a formar. Acredito num trabalho que faça da arte e do ensino artístico um veículo de educação estética e cultural, mas também de educação para a cidadania.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Evasão


Com as férias à porta, e independentemente do período dedicado ao seu planeamento, certo é que a generalidade das pessoas começam a acertar alguns detalhes, tendo em linha de conta certos factores. Questões financeiras, familiares ou outras poderão pesar na hora de escolher destinos e modalidades.
Se no que respeita ao período de tempo que reservo para a praia não perco muito tempo a fazer planos, decidindo muitas vezes à última hora o destino, já no que concerne à montanha a coisa passa-se de outra maneira. Pouco a pouco vou concretizando projectos ao nível da escalada e do alpinismo, há já alguns anos pensados. Isto, só por si, já é ilustrativo de como eu encaro este desígnio.
Não me irei reter na minha paixão sobre a montanha; penso tê-la explanado suficientemente no meu último artigo. Interessa-me, em breves palavras, falar sobre as principais razões que me levam a ir ao seu encontro, quase como se de um voto se tratasse.
Vejo nas minhas férias passadas na montanha, acima de tudo, um momento de evasão. As razões confundem-se ou misturam-se. Necessidade de combater o stresse e o cansaço acumulados com um ano de trabalho por um lado, necessidade de isolamento, contemplação, conquista e meditação por outro. Mas julgo que o que mais me toma nesse momento, pelo menos no imediato, é a satisfação de que vou estar ausente da dita civilização. Romper com aquela rotina diária de lidar sempre com as mesmas pessoas, ainda que algumas delas sejam grandes amigas (e que logo muito prezo), com os mesmos espaços e partir para a aventura e descoberta é algo de assombroso para mim. Só de pensar na fauna, na flora, nas lagoas ou riachos, ou nas imponentes e diversas formas rochosas que vou encontrar, e algumas escalar, fico desde logo deliciado. Imaginem só quando lá me encontro…
Num próximo artigo dedicarei alguns parágrafos a relatar as experiências vividas e alguns dos episódios que habitualmente marcam este período de evasão, alguns deles autênticas lições de vida.

domingo, 25 de maio de 2008

A Escola da Alta Montanha


Encontrei nalgumas das reflexões produzidas por Friedrich Nietzche na sua obra “Assim falava Zaratustra”[1], o estímulo que procurava, há já algum tempo, para desenvolver uma breve reflexão sobre uma actividade pela qual sou aficionado, e que passo desde já a expor nos parágrafos que se seguem.
Enquanto praticante entusiasta das modalidades de escalada e alpinismo tenho vindo a acumular vivências e experiências que têm contribuído, de forma marcante e definitiva, para a maturação do meu ser. Na montanha tenho buscado, e não raras vezes encontrado, o tónico de que necessito não apenas para revigorar as minhas forças, a minha mente, e assim encarar com maior confiança as adversidades inerentes à minha actividade profissional ou social, mas também algumas respostas de ordem existencial, que me ajudam naturalmente a compreender melhor o meu mundo e o dos outros.
Um dos momentos que mais me aflui quando me encontro em plena montanha é o da consciência da minha insignificância, talvez pequenez, enfim, da percepção das inúmeras futilidades que povoam a vida dos mortais. Nietzche sintetiza-o da seguinte forma: “Aquele que escala as mais altas montanhas ri-se das cenas trágicas do palco como da gravidade trágica da vida”[2]. As agruras fingidas e sentidas adquirem, nesta perspectiva, um mesmo nível de significância, sobretudo para aquele que é capaz de avaliar com toda a lucidez cada uma destas situações, com a necessária distância e com uma percepção despida de preconceitos ou paternalismos, numa atitude ponderada e reflexiva. Eis alguns dos ingredientes que concebem a sabedoria. Mas para atingi-la, para alcançar o cume das altas montanhas, há que partir do nosso interior, há que escavar nas profundezas da nossa alma e tentar encontrar as razões da razão que nos impele a perseguir tal desígnio. Zaratustra, a figura criada por Nietzche na supra-referida obra, interrogando-se sobre a origem das montanhas mais altas, concluía que estas provinham do mar, pois segundo dizia, “O testemunho está escrito nas suas rochas e nas paredes dos seus cumes. O mais alto tem que atingir a sua altura a partir das suas profundezas”[3].
Ao sujeito pensante impõe-se-lhe a assumpção de uma dedicação permanente na busca do conhecimento; é-lhe exigido um temperamento peculiar, um conjunto de atributos. Segundo Nietzche, “A sabedoria quer-nos corajosos, despreocupados, trocistas, imperiosos; ela é mulher e apenas sabe amar um guerreiro”[4].
Confesso que não me é fácil descrever com exactidão o que sinto ou o que busco quando me encontro em plena montanha. Talvez por receio de cair em relativismos ou tornar o meu discurso demasiado lírico. No entanto, tenho a plena consciência do muito que ela exige. Desde logo a capacidade de nos abstrairmos do supérfluo, do mesquinho, e concentrarmo-nos na essência das coisas, para ver muito para além das aparências. Numa palavra, exige-nos abnegação. Como salienta Nietzche, “É preciso aprender a abstrair-se de si, para ver muito mais”, considerando que “esta droga é necessária a todos os alpinistas”[5].
Os desafios que se colocam ao alpinista são elevados. Talvez por isso sejam mais desejados. Sabe quem já o experimentou que a conquista do cume tem um sabor especial, sobretudo quando precedida da suplantação de um conjunto de obstáculos. E se a subida nos cobra muito do corpo e da mente, a descida não nos exige menos. O saber adquirido não é estanque; a humildade com que atingimos o cume, a sabedoria, terá que ser a mesma com que regressamos ao campo base, ao fundamento. A aprendizagem lograda nesse percurso ficará inscrita no nosso ego, com repercussões significativas no nosso amadurecimento e nas nossas relações interpessoais.
Digo com frequência que o alpinismo exige dos seus praticantes uma boa dose de determinação e outra de prudência, devendo estas ser geridas de forma equilibrada. A montanha não nos reclama medo, mas sim respeito. A determinação exige-nos coragem, e a prudência lucidez. E sobre coragem, Nietzche faz uma reflexão que julgo traduzir em parte aquilo que deverá ser o espírito do alpinista: “Coragem tem aquele que conhece o medo mas que o domina, aquele que vê o abismo mas que se orgulha disso”[6].



[1] NIETZCHE, Friedrich (s/d). Assim falava Zaratustra. Colecção Grandes Génios da Literatura Universal. Amadora: Ediclube.
[2] Op. cit., p. 39.
[3] Op. cit., p. 137.
[4] Op. cit., p. 39.
[5] Op. cit., p. 136.
[6] Op. cit., p. 252.

sexta-feira, 4 de abril de 2008


Vejam só os exemplos…!

Desde o malogrado episódio da aluna da Escola Carolina Michaelis que se tem dito e escrito um aglomerado de disparates e sofismas a propósito de indisciplina e violência nas escolas, como da educação em geral. Os programas e debates que se têm gerado, para não variar, têm ficado sempre aquém do esclarecimento que é devido e necessário. Não me surpreende, pois vivemos num país em que todos, e qualquer um, seguidos dos seus séquitos, opinam sobre tudo e mais alguma coisa. Acusam-se os pais, os professores, os media, a Al qaeda, as FARC, enfim, a sociedade em geral. A esta lista, justiça se faça ao juntar os políticos.
No passado dia 3, no programa Corredor do Poder, da RTP1, assistiu-se em directo (e sem recurso a vídeos amadores e furtivos) a um exemplo claro e confrangedor de indisciplina. Imaginem que, nem a propósito, este era um dos temas, no momento, em debate. Eis alguns dos exemplos prestados por alguns dos elementos do painel de comentadores, lembre-se, representantes de partidos com assento parlamentar, perante milhares de telespectadores: corte sistemático da palavra; elevação do tom de voz (nalguns casos a roçar a gritaria); troca de acusações de demagogia e mentira; conversas paralelas e sobrepostas; discursos agressivos e vociferados, entre outros. Tudo isto se passava sem que a professora, perdão, a moderadora, conseguisse impor respeito na aula, perdão, no estúdio. Faltou-lhe um “dêem-me a palavra, já!”.
Imaginem o que pensaria a jovem do caso do telemóvel (bem como outros) se tivesse assistido ao dito programa! Teria provavelmente visto no comportamento daqueles actores algumas razões que legitimariam o reprovável comportamento que teve para com a sua professora.

sábado, 22 de março de 2008

Da gestão democrática à gestão
tecnocrática e centralizada

A discussão que se tem produzido em torno da questão da avaliação dos professores tem feito esquecer uma bem mais importante e preocupante. Refiro-me ao modelo de autonomia e gestão dos estabelecimentos escolares do ensino público que o governo pretende implementar, e que dá pelo nome de Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário. Ufa! Só de citá-lo fiquei… ofegante!
Tal projecto de decreto-lei – curiosamente aprovado pelo Conselho de Ministros em pleno período de férias de Natal, e colocado à discussão pública num reduzido espaço de tempo[1] –, se para os mais vigilantes levanta algumas dúvidas, já para os especialistas em gestão e administração escolar revela várias certezas.
Não me irei debruçar em pormenor sobre o documento em causa, porque alguém bem mais habilitado do que eu já o fez, e com toda a seriedade[2]. A altercação que pretendo levantar tem como principal propósito, convidar o leitor a reflectir sobre algumas ambiguidades e suspeitas que o documento em causa suscita.
No preâmbulo do referido decreto-lei, o governo justifica a revisão do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão das escolas com três objectivos: (i) “reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino”; (ii) “criar condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças fortes”, e (iii) reforçar a autonomia das escolas. Uma consulta ao diploma em vigor, o Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, permite-nos, desde logo, duvidar da premência de um novo diploma. Como faz notar João Barroso (2008) no seu parecer, as alterações positivas referenciadas «podiam ser introduzidas como revisão do diploma em vigor sem justificar a sua total substituição»[3].
Comecemos pelo primeiro objectivo. Conhecida que é a tradição, no nosso país, em matéria de participação das famílias e da comunidade na dinâmica escolar, bem como as razões a ela inerentes, é caso para manter algumas reservas quanto ao estímulo que o novo diploma diz pretender acalentar. Por outro lado, está ainda por provar que o aumento da representação destes agentes no designado Conselho Geral se venha a traduzir num maior e mais eficaz envolvimento nas responsabilidades educativas. A este respeito, João Barroso (2008) lembra que «mesmo em países onde os direitos de intervenção das famílias na gestão das escolas são superiores, a participação é persistentemente deficitária e os seus efeitos reguladores ficam sempre aquém dos vaticínios do legislador»[4].
Relativamente ao segundo objectivo, não deixa de ser curioso que, apesar de uma recente avaliação externa preconizada pela Inspecção-Geral da Educação ter atribuído uma nota bastante positiva às escolas, quer ao nível da sua organização e gestão, quer ao nível da liderança[5], venham agora falar em lideranças fortes! Por outro lado, e no que respeita ao processo de recrutamento do órgão de gestão e administração (recaída na figura do Director), não se percebe a razão que leva o governo a apostar num “novo” modelo, quando uma experiência anterior, resultante da aplicação do Decreto-Lei 172/91, de 10 de Maio, revelou inúmeras fragilidades. Virgínio Sá (2008) manifesta alguma estupefacção ao referir que «quer o processo de designação, quer a natureza unipessoal do órgão constituem uma ressurreição de uma “solução” que se julgava morta e enterrada após o “arquivamento” do insucedido Decreto-Lei 172/91, de 10 de Maio. Causa alguma estranheza que um processo de recrutamento que já foi experimentado, e objecto de uma “avaliação externa” por parte do Conselho de Acompanhamento e Avaliação criado para o efeito, e que mereceu do referido Conselho uma apreciação negativa, surja agora como um dos pilares para promover “boas lideranças e lideranças fortes”»[6].
Em causa está o abandono de uma liderança colegial para dar lugar a uma liderança individual. Para Licínio Lima (2008), o diploma em questão tem como objectivos «o reforço do controlo central sobre as escolas e a introdução de lógicas tecnocráticas de inspiração empresarial»[7]. Já o referido Conselho de Acompanhamento e Avaliação alertara para o condicionamento da autonomia das escolas (entendida aqui como a possibilidade de participação democrática dos actores escolares no governo da escola) sujeitas à gestão de um órgão unipessoal[8]. E aqui entramos no terceiro objectivo do novo Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão das escolas.
Como se pode falar em reforço da autonomia das escolas, quando o que se pretende é efectivar uma concentração de poderes numa só figura (o director), um tentáculo do poder político centralizado, e cercear a liberdade e o espaço de intervenção e participação dos docentes e de outros agentes educativos?
Eis o presente envenenado que o actual governo pretende oferecer à escola pública. Melhor dizendo, aos pais, professores e alunos.


[1] O referido Projecto de Decreto-Lei 771/2007-ME foi aprovado na generalidade em Conselho de Ministros a 20 de Dezembro de 2007, tendo sido anunciada a sua consulta pública até 31 de Janeiro de 2008. Este prazo viria a ser amavelmente prolongado por mais uma semana (!).
[2] Veja-se, por exemplo, o parecer de João Barroso ao Projecto de Decreto-Lei 771/2007-ME, encomendado pelo próprio Ministério da Educação.
[3] BARROSO, João (2008). Parecer ao Projecto de Decreto-Lei 771/2007-ME - Regime Jurídico de Autonomia, administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário. Texto policopiado, p. 10.
[4] Idem, p. 3.
[5] Cf. INSPECÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO/M.E. (2008). Avaliação Externa das Escolas – Relatório Nacional 2006-2007. Lisboa: Ministério da Educação, p. 14.
[6] SÁ, Virgínio (2008). O futuro ex-novo regime de autonomia, administração e gestão das escolas. Algumas notas soltas. In A Página da Educação, Ano XVII, nº 175, Fevereiro, p. 35.
[7] LIMA, Licínio (2008). A cada escola o seu rosto? Liderança e abertura à comunidade. In A Página da Educação, Ano XVII, nº 176, Março, p. 5.
[8] CONSELHO DE ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO/M.E. (1996). Avaliação do regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (Decreto-lei nº 172/91, de 10 de Maio). Lisboa: Ministério da Educação, p. 9.

domingo, 2 de março de 2008

Pais responsáveis procuram-se


A opinião pública em geral, em particular aquele público que acompanha os nossos órgãos de (des)informação, desconhece o esforço que os professores têm empreendido para garantir a formação, a educação e o sucesso dos seus alunos. Poderia aqui relatar um número indeterminado de acções que estes profissionais, e em particular aqueles que são directores de turma, têm encetado, desde sempre, para combater o abandono escolar, bem como a luta empreendida em prol da melhoria das aprendizagens dos seus alunos. Pouparei o leitor a essa maçada.
Sem olharem às horas de trabalho extraordinárias, não remuneradas (pois os professores não são mercenários, como alguns opinion makers e algumas figuras da praça pública têm tentado fazer passar através dos media), e por vezes em prejuízo da educação dos seus próprios filhos, os professores têm recorrido ao seu profissionalismo, ao seu altruísmo, enfim, a todas as estratégias e instrumentos de trabalho de que dispõem ou que laboriosamente vão construindo, para garantirem as melhores condições de aprendizagem e de bem-estar dos seus alunos. É por demais evidente que este empreendimento tem crescido na mesma medida em que prospera a desresponsabilização educativa por parte de pais e encarregados de educação. Estes (supostos) agentes educativos não apenas se vêm demitindo progressivamente das suas funções educativas, como ainda por cima têm o arrojo de acusarem os professores pelos males que grassam no nosso sistema educativo. Algumas das políticas ou reformas educativas avulsas, desconexas ou despropositadas, empreendidas pelos sucessivos governos da república, parecem merecer uma atenção residual por parte de alguns pais, quando comparadas com as críticas arbitrárias e generalizadas que têm dirigido ao trabalho docente.
A clarividência parece estar arredada do discurso e das práticas dos primeiros responsáveis pela educação das crianças e jovens. É só ver o que tem sido, por exemplo, o trabalho laborioso do seu mais alto representante, o presidente da Confap[1], o Sr. Albino Almeida, na sua cruzada contra os docentes, de braço dado com a actual responsável pela pasta da educação, a Dra. Mª de Lurdes Rodrigues. Uma aliança que oportunistamente se desfaz, quando se encontra junto dos professores ou dirigentes sindicais, como assistimos no programa da RTP1, “Prós e Contras”, no passado dia 25 de Fevereiro, subordinado aos actuais temas candentes da educação.
Tomemos como exemplo a chamada Escola a Tempo Inteiro[2], uma conquista reivindicada pela Confap, organização que ignora as consequências perniciosas que decorrem do consequente alargamento do ensino formal no 1º ciclo do Ensino Básico. Tivesse o Sr. Albino Almeida, os seus partidários, bem como determinados pais e encarregados de educação, que arcarem, por exemplo, com uma turma de alunos dos 6 ou 7 anos a bocejar e a deitar a cabeça na mesa para um momento (merecido) de descanso, talvez aí reflectissem sobre a hiper-escolarização a que estas crianças têm sido sujeitas. Um pai ou um encarregado de educação que realmente deseja o melhor para o seu educando, pensaria duas vezes antes de apoiar ou fazer propostas avulsas e anti-pedagógicas, e se conhecesse, portanto, o real nível de capacidade de concentração, logo, a disponibilidade para a aprendizagem formal que estas crianças manifestam na parte final da tarde. As actividades de enriquecimento curricular, ou como preferem outros, de prolongamento escolar, têm evidenciado a sobrecarga lectiva e de trabalho a que as nossas crianças têm sido sujeitas.
Talvez um modelo como o proposto por Ariana Cosme e Rui Trindade (2007)[3], os Centros Locais de Educação Básica, seria uma alternativa (entre outras possíveis) ao da Escola a Tempo Inteiro, e daria condições para que se criasse verdadeiramente um espaço cultural, um espaço de animação de tempos livres, um tempo educativo ao invés de um tempo escolar, cumprindo assim uma função sócio-educativa, ao invés do alargamento do espaço de educação formal, como de facto se verifica[4]. Qual a opinião da Confap e do seu presidente a este respeito? É esta a Escola a Tempo Inteiro que os pais e encarregados de educação desejam efectivamente para os seus educandos? Pelo bem das nossas crianças, nós por cá dizemos: não, obrigado.
Então com a notória e inegável demissão das responsabilidades educativas pela generalidade de pais e encarregados de educação, do défice de participação das famílias[5] na vida escolar, ao qual acrescentamos a disposição desregrada do presidente da Confap para acossar os professores, poderemos confiar numa maior intervenção dos primeiros nos destinos da administração e gestão das escolas, tal como alguns pais o desejam? Livra!
A Confap, pela voz do seu presidente, mais não tem feito senão contribuir para criar um clima de desconfiança e um distanciamento entre pais e professores, que em nada abona a favor de uma parceria sustentada na co-responsabilização. O trabalho cooperativo entre estes dois grupos de agentes educativos (diga-se, em abono da verdade, reivindicado pelos professores) que se vinha reforçando, vê-se, actualmente, debilitado com os ataques sucessivos e infundados levados a cabo pelo presidente da Confap e pelos seus fiéis seguidores aos docentes.
Alguém duvida de que os professores trabalham no sentido de garantir o melhor para os seus alunos? Alguém duvida de que estes profissionais mais não querem senão que as crianças e jovens se tornem cidadãos críticos, activos e criativos; que labutam no sentido de formar agentes de mudança, capazes de dar um contributo decisivo na busca de uma sociedade mais justa? Pelos vistos o Sr. Albino Almeida não parece acreditar nestas desígnios! Prefere enclausurar-se nos seus sofismas, contribuir para denegrir a imagem dos professores e para o estabelecimento de um clima de suspeição entre estes e os pais e a sociedade em geral, um comportamento que, no fim, em nada abona a favor do bem dos alunos, como aliás tem hábito de apregoar com a sua habitual petulância.

[1] Confederação Nacional das Associações de Pais. Diga-se, uma organização existente graças ao alto patrocínio do Ministério da Educação, não surpreendendo, por isso, as habituais colagens aos governos, e bem assim, à subscrição da generalidade das suas propostas e medidas.
[2] Criada através do Despacho nº 12591/2006, de 16 de Junho.
[3] Cf. COSME, Ariana & TRINDADE, Rui (2007). Escola a tempo inteiro. Escola para que te quero? Porto: Profedições.
[4] Os Centros Locais de Educação Básica representam, para Cosme e Trindade, um modelo em que as intenções educativas dependem, sobretudo, dos actores (professores, educadores ou animadores) directamente implicados nas acções e projectos educativos, o que não acontece com o projecto da Escola a Tempo Inteiro, que “depende de programas de estudo ou a uma organização e gestão escolar e dos dispositivos de avaliação que se perfilham”. Cf. op. cit., p. 25. Os autores defendem que as actividades de natureza extra-escolar deveriam funcionar em torno de duas áreas maiores: a área de Educação Física e a área de Animação Sócio-Cultural. A segunda englobaria domínios variados, como por exemplo: as expressões artísticas, a educação ambiental, a educação científica, a educação patrimonial, entre outras. Cf. op. cit., p. 44.
[5] Esta é, aliás, uma questão levantada por João Barroso (2008) no seu Parecer ao Projecto de Decreto-Lei 771/2007-ME - «Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário». Este investigador manifesta algumas reservas quanto à possibilidade de um simples alteração legislativa vir a inverter esta realidade, ou seja, o défice de intervenção das famílias nas dinâmicas escolares.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Estar em Babia

Recentemente frequentei um curso de alpinismo ministrado pela Escola de Alta Montanha da Federação Galega de Montanhismo, numa zona montanhosa chamada de Babia. Para quem não sabe, trata-se de uma comarca pertencente à província de Leão, comunidade autónoma de Castela e Leão, no norte de Espanha.
Babia é uma região conhecida pelo seu património e beleza natural. O reconhecimento do valor dos seus ecossistemas e elementos culturais levou a UNESCO a considera-la Reserva da Biosfera, a 29 de Outubro de 2004. Este território integra, por sua vez, a chamada Grande Reserva Cantábrica.
Na realidade, podemos encontrar aqui uma variedade de atractivos que nos irão certamente deliciar. Falamos de montanhas, rios, lagoas, pastagens, igrejas, castelos e aldeias típicas, para além de uma diversidade ao nível da fauna e da flora.
Mas, na realidade, o que me motivou a escrever estas breves linhas foi uma expressão popular que tem origem na Idade Média e que se prolongou até aos nossos dias. Tudo começou com uma conversa informal, de viagem, com um amigo galego, Alfredo Gomez, quando nos dirigíamos para o curso de alpinismo, e que se aprofundaria, posteriormente, com algumas pesquisas que empreendi[1].
Reza a história que durante aquela época Babia era a região de eleição dos reis de Leão, não só pelo descanso e pela tranquilidade proporcionados, mas também pela caça que aí abundava. Esse lugar aprazível e de repouso permitia ao rei afastar-se, por alguns tempos, dos problemas da corte. Estas ausências (mais ou menos prolongadas) do rei provocavam com frequência a inquietação dos seus súbditos e, quando confrontados com a pergunta sobre o paradeiro do seu soberano, respondiam, de forma evasiva, que o mesmo se encontrava em Babia. A expressão de que “o rei está em Babia” passou a significar que Sua Alteza se alheava ao que se passava na corte, ou seja, que não se preocupava em averiguar o que por ali se sucedia.
“Estar em Babia” tornou-se, desde então, e segundo esta versão mais popular, sinónimo de um estado de espírito situado entre o dolce far niente e o “não quero saber de nada”. “Estar na lua” ou “pensar na morte da bezerra”, são outras expressões que acabam por ter a mesma conotação.

Por vezes, e à semelhança dos reis de Leão, para me afastar ou tentar esquecer alguns dos problemas que me apoquentam, ou para ignorar algumas pessoas inconvenientes, que bem que dá jeito viajar para Babia!


[1] DIÉZ, Luís Mateo (1991). Relato de Babia. Madrid: Editorial Espasa Calpe.
http://www.babia.net/
http://encina.pntic.mec.es/
http://www.notesinspanish.com/

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A mediatização da educação

A forma como os media têm abordado a educação em Portugal merece toda a atenção e preocupação daqueles que efectivamente a pensam e vivem, quer a nível profissional (professores, educadores, investigadores, entre outros), quer a nível social (pais, encarregados de educação, agentes de desenvolvimento local, etc.), quer a nível político (em particular, os governantes).
Na realidade, e salvo raras excepções, o que os media têm tornado público, mais não tem sido do que alguns episódios avulsos, que retratam, preferencialmente, casos que criam algum impacto visual ou algum murmúrio, e cuja à cabeça surgem os episódios de indisciplina ou violência escolar. Para além das generalizações abusivas, o mais gravoso encontra-se no facto de, por vezes, se pretender atribuir à abordagem destes e outros acontecimentos da mesma estirpe, um carácter empírico, que em nada corresponde à verdade dos factos, neste caso particular, à realidade educativa.
Alguns dos mais incautos opinantes, quando confrontados com questões de natureza educacional, recorrem (por vezes convenientemente) a curiosas figuras da praça pública para suportarem as suas teses. Estas figuras, ou falando em bom português, estes “pseudopedagogos” ou “pseudoespecialistas”, por vezes muito convenientes a certos decisores políticos, edificam o seus discursos com base no senso comum ou na demagogia. O conhecimento empírico produzido ao nível das ciências da educação parece-lhes obra de um conjunto de pensadores desafogados, que mais não têm feito senão promover aquilo que designam de laxismo ou incompetência no sistema de ensino. O fácil acesso aos media de que gozam permite-lhes produzir as reflexões mais despropositadas e infundadas, logo, sem qualquer conhecimento de causa.
Não fosse a mais recente sondagem realizada pela Gallup Organization[1] para o Fórum Económico Mundial, que coloca os professores na figura em que os cidadãos mais confiam, quer a nível mundial, quer no nosso país, facilmente se convenceria a opinião pública de que na educação e no ensino tudo é uma desgraça, ou que vai de mal para pior.
É verdade que muito há ainda a fazer para melhorar a qualidade do nosso ensino. Uma mudança de cultura escolar impõe-se, quanto mais não seja pelos avanços científicos e tecnológicos que se vão registando, enfim, pela própria evolução das sociedades. Mas duvido que tal se faça através de algumas políticas que vêm sendo implementadas, em especial aquelas medidas que apenas têm contribuído para desacreditar os docentes e a própria escola. Urge uma reflexão profunda sobre as reformas precipitadas, infundadas e avulsas como aquelas que se têm operado no nosso sistema de ensino. Os efeitos já se começam a fazer sentir: sobrecarga do trabalho dos alunos, redução do tempo disponível para a necessária socialização destes, limitação da autonomia dos professores e das escolas e atribuição de tarefas e responsabilidades que vão para além das suas competências, tentativa de forçar o branqueamento das taxas de insucesso e abandonar escolar, em detrimento da qualidade de ensino, através de legislação coerciva sobre os professores e a escola, etc. É sobre a abordagem destas e outras questões que gostaria de ver os media debruçarem-se, chamando à responsabilidade o poder político e a própria comunidade. Assim, sim, estariam a dar um contributo significativo para a melhoria da qualidade da educação. Estariam, deste modo, a prestar um efectivo serviço público.

Sejamos lúcidos e sérios. Se queremos realmente ter um conhecimento esclarecido sobre a problemática da educação e do ensino, sobre temas tão variados, como os da organização e administração educacional, do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, da investigação em educação, das competências e responsabilidades dos diferentes agentes educativos, da intervenção da escola na comunidade, das políticas educativas, da reformas curriculares, entre outros; se queremos efectivamente dar um contributo para a melhoria da qualidade da educação e do ensino, para a formação de cidadãos críticos e interventivos, deveremos, sim, recorrer e confiar nos mais distintos canais de informação especializados em educação. Falamos, por exemplo, da própria voz dos profissionais da educação, em particular, os professor e educadores, da literatura científica produzida, de alguns sítios da Internet, de seminários, congressos, fóruns, entre outros. Tais canais não têm como propósito contribuir para as audiências televisivas, mas sim para o desenvolvimento integral do sujeito.


[1] A Gallup Organization desenvolve estudos sobre a natureza e o comportamento humanos há mais de 70 anos. Fá-lo com base em pesquisas, ferramentas de medição, programas de desenvolvimento e serviços de aconselhamento estratégico, com o objectivo de ajudar as organizações e os indivíduos a potenciar o seu desempenho. Cf. http://www.gallup.com/.