sexta-feira, 3 de maio de 2013

Um lugar garantido na História


Independentemente da roda livre em que se encontra o governo, com saídas e entradas de ministros e secretários de Estado, fazendo lembrar a natural azáfama que resulta da limpeza apressada de uma casa que se quer asseada para receber convidados especiais (!), não posso deixar de reconhecer, como manda o bom senso, que o actual elenco governativo tem, como todos os anteriores, ministros de idoneidade inquestionável. Todavia, os poucos que se aproveitam, apesar das suas boas intenções, da sua visão estratégica, espírito de iniciativa, capacidade de trabalho e honestidade, certo é que estão fortemente condicionados na sua acção por quem realmente manda: o ministro das Finanças/troika. Mas há um deles que rola em contra-círculo, que se destaca precisamente pelo seu incansável voluntarismo para aplicar medidas de austeridade, pois a coberto delas encontra mais uma oportunidade para continuar a pôr em prática a sua tão desejada agenda ideológica. Refiro-me, precisamente, ao ministro da Educação. Nuno Crato, munido de toda a sua “artilharia pesada”, tudo tem feito e tudo continuará a fazer para prosseguir, de forma entusiástica, a sua grande ofensiva contra o Estado social, na parte que lhe toca. Entenda-se, contra a Educação e a escola pública.
Ora passemos em revista, e de forma telegráfica, as grandes medidas revolucionárias no sistema educativo português levadas a cabo pelo visionário ministro da Educação: aumento do número de alunos por turma; descaracterização curricular, na qual se inclui a eliminação de disciplinas imprescindíveis; alargamento dos exames para os 4º e 6º anos de escolaridade (contrariando o que se verifica na generalidade dos países da UE); redução progressiva da autonomia das escolas; diminuição contínua de verbas para projectos e para a investigação; desmantelamento da escola inclusiva; cortes orçamentais e desinvestimento em Educação; congelamento da carreira docente e salários desvalorizados; aumento efectivo da carga lectiva docente; criação dos descaracterizados e pedagogicamente ingeríveis mega-agrupamentos; despedimentos em massa de professores; desinvestimento na educação de adultos…
Mais recentemente, em mais um dos seus experimentalismos irreflectidos, o ministro da Educação revogou o programa de matemática em vigor para o Ensino Básico. Para Lurdes Figueiral, presidente da Associação dos Professores de Matemática, esta decisão “é um tremendo erro e um desperdício de investimento de meios económicos e de trabalho desenvolvido pelos professores”, bem como, “um retrocesso na aprendizagem dos alunos e um desrespeito pelo trabalho dos professores”. A associação defende o actual programa de matemática porque, diz a sua representante, “baseia-se em princípios defendidos pela investigação internacional e tem pontos em comum com países como a Finlândia e Singapura, que têm as notas mais elevadas”.
Na calha está a imposição precoce de vias de ensino profissional e vocacional, o tal “ensino dual” defendido por Nuno Crato, seguido apenas em três países europeus (Alemanha, Áustria e cantão alemão da Suiça). Na Alemanha este modelo ainda não foi abolido nos estados que ainda o seguem, devido a uma forte resistência por parte de uma maioria conservadora, tal como o afirma Barbara Geier. Esta professora e sindicalista alemã, apontando os defeitos e as consequências negativas deste modelo, defende as virtudes de uma escola unificada.
Por todas estas medidas e políticas ultraliberais e neoconservadoras tomadas, mais as que se perspectivam, e independentemente do seu tempo de permanência no governo, não restarão dúvidas de que Nuno Crato terá já garantido um lugar na História do Portugal democrático, como o pior ministro da Educação.
O mais recente relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE), intitulado “Estado da Educação 2012”, dá conta de algumas das preocupações deste órgão consultivo face a algumas das políticas educativas que têm sido implementadas por este governo. Os cortes orçamentais e o desinvestimento na Educação levam o CNE a recear um retrocesso no sector, o que, segundo a sua presidente, isso seria “catastrófico”. Nas suas recomendações, o CNE chama a atenção para que, “Num quadro de escassez de recursos, é fundamental a percepção política de que partimos de um patamar de escolarização da população muito inferior ao dos nossos parceiros europeus e que, tendo iniciado uma recuperação significativa dos níveis de qualificação de jovens e adultos, rapidamente regrediremos”. Naturalmente que este relatório, tal como os anteriores, terá um destino certo para o ministro da Educação, ou seja, a gaveta! Basta ver a forma como se apressa a contrariar, com todo o desplante, cinismo e com um deficiente conhecimento empírico, as conclusões de uma equipa de trabalho que, ao contrário dele, é composta por verdadeiros profissionais da educação, entenda-se, professores e investigadores com uma larga experiência nos mais diversos níveis e graus de ensino, e na investigação em Educação, e que por isso conhecem bem a realidade educativa do nosso país. Para estes, tal como muitos outros que não se deixam levar pelo “canto das sereias”, as raras intervenções públicas do ministro da Educação têm tanto de confrangedor como de gritante, por não deixarem de revelar não só a sua ignorância relativa a uma série de matérias sobre educação, como também o seu “ódio de estimação” pela Pedagogia, apesar da sua tentativa em dissimulá-lo, através da sua habitual e trabalhada voz cândida e do seu sorriso leve.
Quem conhece bem Nuno Crato, sabe bem das suas ideias primitivas, retrógradas e reaccionárias, desajustadas no tempo e no espaço, marcadas por uma série de preconceitos quanto à profissão docente, ao saber pedagógico e às Ciências da Educação, sendo defensor de um paradigma que censura a escola inclusiva, democrática e participativa.
Quem não anda de olhos vendados, ou quem não olha apenas para a sua “despensa”, sabe bem das perigosas intenções de Nuno Crato, sendo a mais preocupante de todas, a preparação do terreno para a privatização da escola pública. Também sabe que o pensamento “cratiano” vai beber às teorias especulativas e mercantilistas da economia (sua formação de base!), que têm como grandes “pedagogos” nomes como, por exemplo, os de Adam Smith, Friedrich Hayek ou Benjamin Constant, figuras defensoras do mercado livre, capaz de se auto-regular, e do Estado mínimo. Então não foi Nuno Crato que disse publicamente, num passado muito recente, ainda não era ele ministro, que por ele implodia o ministério da Educação? Pois é!