sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O parente pobre e os pobres de espírito

1. A crise dos refugiados tem sido, de forma alarve, aproveitada para favorecer o recrudescimento de nacionalismos e da xenofobia habitualmente a eles associados, fazendo daqueles desafortunados o bode expiatório dos problemas sociais e económicos que a Europa tem vivido. Os atentados vieram ainda piorar o clima. Todavia, esta não passa de uma cortina de fumo utilizada para tentar dissimular as más políticas que vêm sendo implementadas em vários países da União Europeia. A austeridade, ditada pelo Tratado Orçamental e ao sabor das diabruras da finança e dos mercados, continua bem vincada e cegamente implementada por um grupo de autocratas, comprometendo cada vez mais aquela Europa que foi idealizada pelos seus fundadores e que, lembremos, assentava em valores de respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de Direito e direitos Humanos. 
Figuras como Nigel Farage, Viktor Orbán, Marine Le Pen, Norbert Hofer, Geert Wilders ou Beppe Grillo, medram um pouco por todo o lado, à boleia do populismo e da demagogia. E a primeira grande conquista, por sinal icónica e catalisadora, aconteceu no outro lado do Atlântico, com Donald Trump!
Há quem defenda que o surgimento e/ou ascensão destes actores no espaço político se deve a um desencanto dos cidadãos para com aqueles que nas últimas décadas os têm governado. No geral, por partidos que por cá vulgarmente designamos de “centrão”. Denunciam a falência da social-democracia e da democracia cristã, que se rendeu ao neoliberalismo, levando à debilitação do Estado Social.
Então o que leva as pessoas a deixarem-se seduzir por um qualquer “ilusionista”, que por vezes, e uma vez no poder, acaba por se revelar um autêntico déspota? Para mim, este e outros tipos de fenómenos similares acabam sempre por atracar no cais da consciência deficitária e da iliteracia cívica. Sim, porque nem todos (por sinal uma minoria) se deixam iludir pelos artífices do discurso fácil e embusteiro.
Fixando-me no público eleitor, é então aí que chego à importância da educação e formação de adultos, um parente pobre da Educação em vários sistemas educativos, tão mal tratada ou esquecida por governos. Não me refiro a uma educação centrada apenas em cursos de formação que visam a certificação escolar ou profissional, mas também, e acima de tudo, no desenvolvimento pessoal, na promoção de conhecimentos, na construção de uma consciência cívica, que resulte numa cidadania crítica, reflexiva e participativa, e no consequente aperfeiçoamento da democracia. Sem esquecer naturalmente do público mais jovem, assim como de outras iniciativas pedagógicas, enquanto os governos não tomarem consciência deste imperativo, seguramente que seguiremos tendo cidadãos alheios à coisa pública e ao interesse colectivo, desapegados da busca da verdade. Continuaremos a assistir ao domínio das audiências televisivas por parte de programas marcados pela futilidade ou grosseria. A ter espaços de fruição cultural com uma lotação aquém da sua capacidade. Ou então, a assistir a referendos que se tornam autênticos tiros nos pés de quem os promoveu, como aconteceu no Reino Unido, com o Brexit, estimulando a entrada em cena das ditas figuras.

2. As boas notícias são sempre agradáveis e por isso bem-vindas. Já os oportunismos, sobretudo quando bacocos, são perfeitamente dispensáveis. Vem isto a propósito dos resultados apresentados recentemente pelos relatórios do PISA e do TIMSS, que dão conta de uma melhoria significativa, a nível internacional, do desempenho dos alunos portugueses a nível das ciências, leitura e matemática.
Fazendo um interregno no seu merecido exílio, Nuno Crato logo se fez à estrada para reivindicar louros. Para além da presunção, o ex-ministro da Educação revelou, com total desfaçatez, o seu facciosismo, arrogância e reaccionarismo, que sempre o caracterizou. Seguiu-se Passos Coelho, alinhado com os comentadores a soldo (todos eles deixando bem claro que nem sequer visualizaram as capas dos relatórios), para vir defender as políticas educativas desastrosas que o seu governo preconizou.
Começo por esclarecer que, no seu conjunto, os estudos em causa destacam a evolução sentida ao longo de 20 anos, ou seja, de 1995 a 2015, e não apenas no período do anterior governo (2011-2015). Além disso, não estabelecem (nem podiam), de forma implícita ou explícita, qualquer correlação entre os resultados obtidos e as políticas “educativas” tomadas por Nuno Crato/Passos Coelho, de que tanto se gabam - os exames do 4º e 6º anos e as metas curriculares, e que foram unanimemente criticadas quer por aqueles que melhor conhecem a realidade educativa e pedagógica, os professores, quer por especialistas, pais, ex-ministros da Educação, associações de professores, Conselho Nacional de Educação, etc. Aliás, no caso do PISA, a direita não pode reclamar a exclusiva autoria destes resultados. Desde logo, porque os alunos de 15 anos, que agora foram avaliados, não foram (felizmente) abrangidos pelas alterações do seu Governo, ou seja, não fizeram os tais exames nem sofreram as mudanças de currículo e de programas! Depois, e pelo contrário, o relatório do PISA recomenda um conjunto de políticas maioritariamente contrárias às que foram incrementadas por Nuno Crato! Por fim, revela ainda que neste período de 15 ano, foi precisamente entre 2006 e 2009 que se registou o maior salto!
Curioso é ver que sobre o aumento da taxa de retenção ou a queda no domínio das Ciências no 4º ano, aqui sim, com responsabilidades do governo PSD/CDS, nada disseram! Pobres de espírito! 
E quanto a méritos, esses vão directa e inequivocamente para professores, alunos e para todos aqueles pais que apoiam os seus filhos no seu cotidiano escolar, seja com o governo A ou B. Vão para todos aqueles que defendem uma escola pública, inclusiva, multicultural e promotora da igualdade.