sexta-feira, 24 de novembro de 2017

No meu tempo é que era!

É uma expressão que se ouve de tempos a tempos, aqui e ali, normalmente dita por pessoas a partir, pelo menos, de meia-idade. No meio escolar, então, isso é o prato do dia! No capítulo dos valores e das atitudes dos alunos, com frequência se ouvem professores a aludir que no seu tempo é que era, ou seja, que aqueles eram respeitadores, empenhados, que faziam os trabalhos de casa, etc. O mais curioso é que a dita expressão atravessa gerações. São os quarentões, os cinquentões, os sessentões e por aí adiante a desabafar… “no meu tempo é que era!” Então em que é que ficamos? Melhor dizendo, em que tempo é que era? Entendamo-nos!
Concluí o ensino secundário em finais da década de 80 do milénio passado. Sim, acertaram, tenho a aparência de Gandalf! Durante esta, e ao longo dos agora designados 2º e 3º ciclo do ensino básico, vivi e presenciei uma série de acontecimentos muito semelhantes aos que agora se assiste. Desinteresse pelas aulas e pelo estudo, absentismo, indisciplina, ofensas a professores, faltas disciplinares, castigos, expulsões, etc. E atenção que não estou a falar de escolas que são notícia pelas piores razões, tal como para os lados do Monte da Caparica ou do Cerco, só para dar dois exemplos. Passei por duas, uma preparatória e uma secundária, relativamente pacatas, de uma cidade de média dimensão.
Sei que na década anterior, a de 70, registavam-se casos semelhantes. Então se falarmos dos meados dessa década, do 25 de Abril ou do PREC, então muito haveria a dizer acerca do comportamento dos alunos… e até de alguns professores! Se quisermos recuar ainda mais no tempo, entrando pelo período da ditadura, em especial na década de 60, num contexto político e social muito particular, onde vigorava a censura, a perseguição política, as prisões arbitrárias, o conluio, etc., também poderíamos relatar um sem número de casos (geralmente abafados) de insubordinação ou afronta à autoridade, pese embora o controlo e disciplina rigorosos da época. As consequências, nalguns casos, acabava no recrutamento forçado para a guerra nas ex-colónias. Neste caso estou naturalmente a falar de alunos universitários.
Enquanto professor, e a caminho de comemorar as bodas de prata do meu “matrimónio” com a Escola, passaram pelas minhas mãos mais de 2000 alunos, de pelo menos duas gerações. Se contar com a docência no ensino superior, então somam-se mais umas centenas, distribuídas por mais duas gerações. Tive um pouco de tudo. Uns mais interessados do que outros, uns mais empenhados do que outros, uns mais cumpridores do que outros, uns mais criativos do que outros, etc. Permiti, como continuo a permitir, momentos de descontracção (porque são necessários, e até recomendáveis), mas sem que nunca tal coloque a minha autoridade em causa. Daí que raramente ou quase nunca se ouçam da minha boca críticas sobre indisciplina relativamente aos meus alunos. Não significa isto que eu tenha sequer a veleidade de me considerar infalível ou inatacável, e muito menos que pretenda dar lições de pedagogia a quem quer que seja. Sabe muito bem quem melhor está por dentro da escola e do ensino, falo obviamente dos professores, que as questões do comportamento e do empenho do aluno dependem muito do “berço” onde ele nasce e dos pais/encarregados de educação que o acompanha. Aliás, o recente estudo publicado pela Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, sobre os resultados escolares dos alunos do 3º ciclo do ensino público no ano lectivo 2014-2015, aponta em certa medida nesse sentido. Por outro lado, penso que muitas vezes a questão tem mais a ver com aquele adágio que diz que “a ocasião faz o ladrão”. Se o terreno é fértil à errância, alguns alunos não perderão a oportunidade para se aproveitarem do momento. 
Com a mudança dos tempos, e de tudo aquilo que isso envolve ou acarreta, num ritmo cada vez mais acelerado, como é possível pensar-se que, no ensino, as práticas, as metodologias, as pedagogias, os currículos, e até o modelo de autonomia das escolas, se possam manter inalteráveis? Reflictamos, pois!