A revisão da lei de estrangeiros levou, sem surpresa, a que o PSD se rendesse à agenda populista e demagógica do Chega, cedendo aos princípios da cartilha da extrema-direita, ancorada na promoção da desconfiança e ódio sobre o outro, sobre o imigrante. Com esta iniciativa, o governo procurou, durante longo tempo, desviar as atenções dos principais problemas do país, em especial na saúde e na habitação. Estes sim, com grande peso nas vidas dos portugueses.
Das várias medidas controversas tomadas, destaco a questão do reagrupamento familiar. Já lá irei. Começo pela falsidade do alegado aumento exponencial de pedidos de nacionalidade, que o governo tem cavalgado e usado para levar a cabo as alterações legislativas pretendidas. Ora o que o Instituto dos Registos e do Notariado revelou recentemente é que a média mensal desceu 12,5% de 2024 para 2025. Sobre a questão da insegurança e criminalidade, outro dos temas de que o governo se apropriou do Chega, a mentira continua a infectar o espaço público. O Relatório do Observatório de Segurança e Defesa 2025, da SEDES, recentemente divulgado, alerta para um desalinhamento persistente entre a criminalidade participada e a percepção pública da insegurança. O estudo revela que entre 2000 e 2024, o número de crimes registados pelas autoridades diminuiu 1,3%, mas as referências a crimes nas primeiras páginas dos principais jornais aumentaram 130%, acrescentando que esta discrepância contribui para a erosão da confiança nas instituições. Mas a generalidade dos cidadãos estará realmente interessada em conhecer a verdade? O que continua a valer são as patranhas das redes sociais, os megafones subversivos e os vídeos do TikTok de Rita Matias, André Ventura e outros piedosos cristãos.
Agora sobre a questão do reagrupamento familiar, ainda há cerca de oito meses Montenegro defendia que se devia “privilegiar uma imigração de famílias inteiras”, e que essa era uma estratégia que permitia uma “integração plena” através do emprego estável e da aprendizagem dos mais novos. Aliás, uma posição semelhante à do ministro da Educação, Fernando Alexandre, uma voz isolada que merece uma palavra de felicitação, por ainda manter a lucidez e um espírito humanista. O que mudou entretanto no pensamento de Montenegro? A avidez (inglória) de conquistar votos ao Chega. Puro tacticismo político.
Como é que querem que se dê uma integração bem-sucedida dos imigrantes no nosso país, quando bloqueiam um pilar essencial da mesma, que é a estabilidade emocional que uma família pode proporcionar a um pai ou mãe que nos procura para trabalhar, para lutar por uma vida digna? À excepção de Lisboa e, em menor grau, Porto ou alguns concelhos do Algarve, onde se concentra maior número de imigrantes, o país tem realmente um problema com a imigração? Veja-se a experiência de Vila Velha de Ródão, como lembrava Daniel Oliveira (Expresso, 11/07/2025), que, com imigração e migração interna, investiu em políticas de acolhimento, contribuindo assim para que o concelho mais envelhecido do país assistisse a um rejuvenescimento demográfico, económico e cultural. Para tal, bastou o município apostar em políticas sociais, como por exemplo, a abertura de escolas e creches. O mesmo poderia dizer do Fundão, outro exemplo de integração bem-sucedida, e que muito tem contribuído para o seu desenvolvimento e no combate à desertificação do interior. Já nem sequer falo nos preciosos contributos fiscais e para a Segurança Social dos imigrantes, bem como para o aumento da natalidade.
Raro é o dia em que não vemos empresários da restauração, hotelaria, construção civil e agricultura a reclamarem a falta de mão-de-obra para estes sectores, que ameaça bloquear a economia. Nada tenho contra a regulação da imigração. Pelo contrário. Mas não podemos ignorar as necessidades do país em matéria de trabalhadores, sejam mais ou menos qualificados. O que não é admissível é a duplicidade de critérios revelada pelo governo: via verde a imigrantes de primeira (vistos gold ou profissionais altamente qualificados) e portas trancadas a imigrantes de segunda (os menos qualificados).
Os entendimentos do governo com o Chega em políticas que atentam contra direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estão a fazer o seu caminho. Afinal o não é sim! Esta deriva levou mesmo uma ex-deputada do PSD, Rubina Berardo, a desfiliar-se do partido, por entender que o mesmo está cada vez mais distanciado da sua matriz social-democrata, fundadora do então PPD. Isso mesmo expressou num artigo publicado no Público (5/07/2025). Não tardaram os ataques e insultos nas redes sociais, incluindo da parte de colegas de partido. Eis o preço de quem não abdica de um pensamento lúcido e independente.
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