segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Educação sexual: as pedras que persistem no caminho

O tema da educação sexual continua envolto em controvérsias, boa parte das vezes sem qualquer fundamento, fruto da ignorância, de tabus ou de más políticas.
Presente na 16ª conferência da Associação Europeia de Sociologia, subordinada ao tema “Tension, Trust, and Transformation”, decorrida no Porto entre os dias 27 e 30 de Agosto, esteve Pam Aldred, que participou com uma palestra intitulada “What Can We Say About the Sexuality of the Posthuman?”. Para a socióloga, professora e investigadora britânica, cujo trabalho científico se tem centrado nos domínios da educação, dos estudos de género e da sexualidade, apesar de hoje em dia ser mais fácil falar sobre sexualidade e educação sexual, e de toda uma variedade de temas relacionados de enorme relevância, assiste-se, todavia, nos dias que correm, a um retrocesso, fruto de um discurso populista, enviesado, cínico, que começa por colocar em causa direitos humanos. Partidos mais conservadores ou de extrema-direita, assim como alguns fundamentalistas religiosos, não hesitam no uso da demagogia, da desinformação ou de ideias retrógradas para condicionar políticas educativas que visem dar garantias, para todos, de uma educação sexual abrangente e esclarecedora das crianças e jovens, nos diferentes níveis de ensino. Para isso, esses grupos contam frequentemente com a benesse do espaço mediático e das redes sociais, estas sim, um antro de demagogia e reaccionarismo. Veja-se o caso de “dois pesos e duas medidas” que por vezes é utilizado na cobertura televisiva de determinados eventos. Nos jogos de futebol profissional, em particular nas competições internacionais, já assistimos ao corte das imagens televisivas, quando ocorre uma invasão de campo por parte de algum adepto. Já o mesmo não acontece quando um radical fundamentalista interrompe a apresentação pública de um livro infantil educativo. Foi o que já aconteceu, por mais do que uma vez, da parte do ex-juiz Rui Castro (expulso da magistratura), presidente da associação de extrema-direita Habeas Corpus, feito de uma forma violenta, só porque os livros em causa abordavam questões ligadas à educação sexual.
Face a este ambiente social lamacento, a tarefa da educação sexual nas escolas torna-se difícil. Obriga os professores a tratarem com pinças os diferentes temas da saúde em geral, e da saúde sexual em particular, imprescindíveis ao desenvolvimento afectivo, cognitivo, psicológico e social das crianças e jovens. Enfim, de um crescimento saudável e informado. Mais ainda quando do outro lado, da parte dos pais, encontra-se, por vezes, um entrave para se conseguir esse desiderato. Pam Aldred defende que “os pais podem considerar que é seu papel falar de valores e da sua cultura familiar, seja o que for”, acrescentando, no entanto, que “a escola também deve falar dos aspectos técnicos, legais e, provavelmente, dos elementos sexuais mais explícitos da educação sexual, quando chegarmos ao ensino secundário”[1]. A investigadora entende mesmo que não deveria haver qualquer conflito a esse respeito. Infelizmente nem sempre é assim. A título de exemplo, lembro o caso dos irmãos alunos de uma escola de Vila Nova de Famalicão, impedidos pelos progenitores de frequentarem as aulas da disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento, só por nelas se abordarem temas como a igualdade de género ou a educação sexual. Hoje em dia, não é qualquer professor que está disposto a arriscar o tratamento deste e de outros assuntos que a educação sexual abarca, com todo o prejuízo que isso acarreta na educação e formação das crianças e jovens, dada a postura de alguns progenitores, muitas vezes marcada pela agressividade, prepotência e desrespeito pela autoridade e competências do professor. Muito ao estilo do que grassa na cloaca das redes sociais.
No âmbito das políticas educativas, e neste caso particular da educação sexual, os governos têm andado em contramão. Veja-se o anúncio de Luís Montenegro no recente congresso do PSD, em que promete uma nova revisão de programas no ensino básico e no secundário (mais uma!), e que irá libertar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento “das amarras a projectos ideológicos ou de facção”, provavelmente sem se dar conta da marca ideológica desta afirmação! Ao dizê-lo, o Primeiro-Ministro acabou por revelar um profundo desconhecimento acerca do programa da disciplina, cujos assuntos, nela tratados, têm assentamento na Constituição. Ignora igualmente que as linhas orientadoras da disciplina entraram em vigor durante o Governo PSD/CDS, liderado por Passos Coelho, tendo sido publicadas em 2011 e 2015. Por outro lado, não vale tudo para conseguir conquistar os eleitores do Chega, brandindo as mesmas bandeiras. Valeu ao menos a posição sensata do ministro da Educação. Tomando como exemplo a Inglaterra, Pam Aldred salienta que as reformas curriculares são muitas vezes feitas na dependência da opinião dos pais, e quase nunca ouvindo os alunos, aqueles que deveriam ser o verdadeiro centro das atenções. Dito isto, atendendo ao mundo virtual que os jovens frequentam, inundado de desinformação, manipulação, cultura do espelho, pornografia, todo o tipo de violência, etc., a investigadora defende a abordagem destes e de outros temas, sem tabus, de forma a promover uma literacia sobre as imagens visuais que os rodeiam, devendo ser analisadas de forma crítica. Posição que subscrevo na íntegra.

[1] Entrevista ao Jornal de Notícias de 6/10/2024.