sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O parente pobre e os pobres de espírito

1. A crise dos refugiados tem sido, de forma alarve, aproveitada para favorecer o recrudescimento de nacionalismos e da xenofobia habitualmente a eles associados, fazendo daqueles desafortunados o bode expiatório dos problemas sociais e económicos que a Europa tem vivido. Os atentados vieram ainda piorar o clima. Todavia, esta não passa de uma cortina de fumo utilizada para tentar dissimular as más políticas que vêm sendo implementadas em vários países da União Europeia. A austeridade, ditada pelo Tratado Orçamental e ao sabor das diabruras da finança e dos mercados, continua bem vincada e cegamente implementada por um grupo de autocratas, comprometendo cada vez mais aquela Europa que foi idealizada pelos seus fundadores e que, lembremos, assentava em valores de respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de Direito e direitos Humanos. 
Figuras como Nigel Farage, Viktor Orbán, Marine Le Pen, Norbert Hofer, Geert Wilders ou Beppe Grillo, medram um pouco por todo o lado, à boleia do populismo e da demagogia. E a primeira grande conquista, por sinal icónica e catalisadora, aconteceu no outro lado do Atlântico, com Donald Trump!
Há quem defenda que o surgimento e/ou ascensão destes actores no espaço político se deve a um desencanto dos cidadãos para com aqueles que nas últimas décadas os têm governado. No geral, por partidos que por cá vulgarmente designamos de “centrão”. Denunciam a falência da social-democracia e da democracia cristã, que se rendeu ao neoliberalismo, levando à debilitação do Estado Social.
Então o que leva as pessoas a deixarem-se seduzir por um qualquer “ilusionista”, que por vezes, e uma vez no poder, acaba por se revelar um autêntico déspota? Para mim, este e outros tipos de fenómenos similares acabam sempre por atracar no cais da consciência deficitária e da iliteracia cívica. Sim, porque nem todos (por sinal uma minoria) se deixam iludir pelos artífices do discurso fácil e embusteiro.
Fixando-me no público eleitor, é então aí que chego à importância da educação e formação de adultos, um parente pobre da Educação em vários sistemas educativos, tão mal tratada ou esquecida por governos. Não me refiro a uma educação centrada apenas em cursos de formação que visam a certificação escolar ou profissional, mas também, e acima de tudo, no desenvolvimento pessoal, na promoção de conhecimentos, na construção de uma consciência cívica, que resulte numa cidadania crítica, reflexiva e participativa, e no consequente aperfeiçoamento da democracia. Sem esquecer naturalmente do público mais jovem, assim como de outras iniciativas pedagógicas, enquanto os governos não tomarem consciência deste imperativo, seguramente que seguiremos tendo cidadãos alheios à coisa pública e ao interesse colectivo, desapegados da busca da verdade. Continuaremos a assistir ao domínio das audiências televisivas por parte de programas marcados pela futilidade ou grosseria. A ter espaços de fruição cultural com uma lotação aquém da sua capacidade. Ou então, a assistir a referendos que se tornam autênticos tiros nos pés de quem os promoveu, como aconteceu no Reino Unido, com o Brexit, estimulando a entrada em cena das ditas figuras.

2. As boas notícias são sempre agradáveis e por isso bem-vindas. Já os oportunismos, sobretudo quando bacocos, são perfeitamente dispensáveis. Vem isto a propósito dos resultados apresentados recentemente pelos relatórios do PISA e do TIMSS, que dão conta de uma melhoria significativa, a nível internacional, do desempenho dos alunos portugueses a nível das ciências, leitura e matemática.
Fazendo um interregno no seu merecido exílio, Nuno Crato logo se fez à estrada para reivindicar louros. Para além da presunção, o ex-ministro da Educação revelou, com total desfaçatez, o seu facciosismo, arrogância e reaccionarismo, que sempre o caracterizou. Seguiu-se Passos Coelho, alinhado com os comentadores a soldo (todos eles deixando bem claro que nem sequer visualizaram as capas dos relatórios), para vir defender as políticas educativas desastrosas que o seu governo preconizou.
Começo por esclarecer que, no seu conjunto, os estudos em causa destacam a evolução sentida ao longo de 20 anos, ou seja, de 1995 a 2015, e não apenas no período do anterior governo (2011-2015). Além disso, não estabelecem (nem podiam), de forma implícita ou explícita, qualquer correlação entre os resultados obtidos e as políticas “educativas” tomadas por Nuno Crato/Passos Coelho, de que tanto se gabam - os exames do 4º e 6º anos e as metas curriculares, e que foram unanimemente criticadas quer por aqueles que melhor conhecem a realidade educativa e pedagógica, os professores, quer por especialistas, pais, ex-ministros da Educação, associações de professores, Conselho Nacional de Educação, etc. Aliás, no caso do PISA, a direita não pode reclamar a exclusiva autoria destes resultados. Desde logo, porque os alunos de 15 anos, que agora foram avaliados, não foram (felizmente) abrangidos pelas alterações do seu Governo, ou seja, não fizeram os tais exames nem sofreram as mudanças de currículo e de programas! Depois, e pelo contrário, o relatório do PISA recomenda um conjunto de políticas maioritariamente contrárias às que foram incrementadas por Nuno Crato! Por fim, revela ainda que neste período de 15 ano, foi precisamente entre 2006 e 2009 que se registou o maior salto!
Curioso é ver que sobre o aumento da taxa de retenção ou a queda no domínio das Ciências no 4º ano, aqui sim, com responsabilidades do governo PSD/CDS, nada disseram! Pobres de espírito! 
E quanto a méritos, esses vão directa e inequivocamente para professores, alunos e para todos aqueles pais que apoiam os seus filhos no seu cotidiano escolar, seja com o governo A ou B. Vão para todos aqueles que defendem uma escola pública, inclusiva, multicultural e promotora da igualdade. 

sábado, 26 de novembro de 2016

Uma imperiosa reforma de mentalidades… nada fácil!

O sistema de ensino finlandês é um caso de sucesso reconhecido mundialmente. A visão e a ousadia nas reformas educativas, corporizadas num projecto traçado para longo prazo, aliadas a um trabalho cooperativo que envolve toda a comunidade educativa (professores, pais, alunos, sociedade, empresas, etc.), têm, desde há vários anos, colocado o país no topo do ranking mundial de avaliação em educação. Para que aí se chegasse foi necessária uma reforma séria e consequente de políticas educativas, associada a uma reciclagem de mentalidades e de práticas, algo que por cá tarda em consomar-se. Comparando o comparável, farei um breve paralelismo entre os dois sistemas de ensino.
Comecemos pela escolha de escola. Na Finlândia não há rankings de escolas. Como afirma o Director Geral de Educação finlandês, Jorma Kauppinen, todas são consideradas boas. Embora os pais possam escolher a que quiserem para o seu filho, normalmente optam pela que estiver mais próxima da sua área de residência. Portanto, não existe esta coisa de “Escola de Elite”! Em Portugal temos os famosos rankings, que têm servido sobretudo para promover as escolas privadas, com o beneplácito e “glosagem” da comunicação social.
Na Finlândia não há hierarquização de disciplinas, ou seja, ninguém considera, por exemplo, que Matemática é mais importante do que as disciplinas de formação artística. Aliás, alunos que demonstrem aptidão para as artes são encaminhados para a constituição de turmas de referência. Os professores das diferentes disciplinas têm a perfeita consciência da importância que cada uma delas tem na formação e educação integral do aluno, e demonstram-no na prática. Por cá, a situação funciona ainda como uma espécie de castas. Tivemos inclusive um malogrado ministro da Educação (o Dr. Crato, é bom lembrar) que designava umas disciplinas de “fundamentais” (conceito que ficou por esclarecer!), referindo-se à Matemática e ao Português, e outras, pela lógica, de “não fundamentais”! Infelizmente, isto é o que muitos pais, professores e até directores pensam. Enfim, almas desencontradas!
Lá a carga lectiva é distribuída equitativamente pelas disciplinas. Por cá, ao longo dos tempos foram-se suprimindo horas lectivas às de expressão para aumentá-las à Matemática, Português e outras.
Na Finlândia, por volta das 13h a maioria dos alunos terminam as aulas, sendo o resto do dia reservado para brincar, passear, ler, visitar parques ou museus, conviver com amigos ou família, ajudar nas tarefas de casa, etc. Os trabalhos de casa, que são raros, são feitos na escola e com o apoio dos professores. Em Portugal, salvo no final do secundário, os horários são, de modo genérico, muito preenchidos, com tempos reduzidos para a prática de actividades físicas/desportivas ou outras. O contacto com a família faz-se de forma fugaz, pois ainda há TPC para fazer! Quanto a estes… fica para outro artigo. Apenas dizer que a este respeito continua a haver muita falta de bom senso…
Os finlandeses não categorizam os seus alunos segundo as suas capacidades ou aspirações profissionais. Um engenheiro, por exemplo, tem o mesmo respeito e dignidade que um carpinteiro. Não há distinção entre alunos “bons” e “maus”. Tanto os mais “inteligentes” como os que têm dificuldades de aprendizagem, estão misturados, trabalham em grupo, sendo os segundos apoiados pelos primeiros. Portanto, preconiza-se um trabalho colaborativo. Por outro lado, é proibido fazer comparações entre alunos a nível de resultados escolares. Em Portugal assistimos, com frequência, ao individualismo e à competição entre alunos, como se de uma prova desportiva se tratasse. Depois, e para nós que somos muito dados a rankings, há esta ideia luzente que são os “Quadros de Mérito”, noutros lados também designados de “Honra” ou “Excelência”, onde figuram os alunos com melhores notas. Os seus partidários servem-se de alguns sofismas para os justificarem, sendo um deles, o de motivar os alunos não “galardoados” a seguirem o exemplo. Se realmente assim fosse, então não tardaria a assistir-se a um aumento considerável dos inscritos nos ditos quadros! Façam as estatísticas. Mas o busílis da questão é outro. Refiro-me ao “berço” em que cada um nasce e cresce. Uma variedade de estudos nacionais e internacionais apontam que os alunos provenientes de meios socioeconómicos favorecidos, tendem a obter, em média, melhores resultados escolares do que os seus colegas oriundos de meios mais desfavorecidos. Destacam ainda a importância do nível académico dos pais. Logo, o ponto de partida e o terreno em que uns e outros alunos se movem são bem distintos.
Sem desconsiderar, obviamente, as notas e os alunos que tanto se esforçam para conseguirem as melhores (e aqui destaco que a melhor recompensa/prémio que podem obter, é o orgulho sentido pelos próprios, certamente partilhado pelos seus pais, entre outros), devia-se sim, fomentar e premiar o carácter, quero dizer, o comportamento solidário, cooperativo, altruísta, enfim, humanista. É disto que as sociedades necessitam em primeiro lugar. Hoje mais do que nunca.
Muito mais haveria a dizer sobre, por exemplo, currículo, metodologias de ensino, avaliação ou gestão escolar. Fica para outra ocasião.
Termino apenas dizendo que enquanto nas escolas finlandesas se pratica e se vive uma democracia participativa, cá, salvo excepções, predomina o centralismo, a burocracia, a tecnocracia e a meritocracia. Os finlandeses acreditam que a escola deve ensinar ao aluno, acima de tudo, a ter uma vida independente no futuro. Por aqui a prioridade recai no domínio de apenas algumas matérias…

sábado, 22 de outubro de 2016

Uma questão de arrojo

No espaço de pouco mais de mês e meio vieram a terreiro alguns estudos sobre o estado da educação e do ensino no nosso país. Refiro-me ao “Projecto aQeduto”, ao “Programa Aves – Avaliação Externa de Escolas”, da Fundação Manuel Leão, e ao mais recente relatório do Conselho Nacional da Educação, intitulado, “Estado da Educação 2015”.
No seu conjunto, estes diferentes estudos acabam por se complementar na informação prestada. De forma resumida, debruçar-me-ei apenas sobre dois dos vários problemas enunciados, por merecerem especial atenção. Falo da elevada taxa de retenção, uma das maiores da Europa, e do aumento da percentagem de alunos desencantados com a escola. O Projecto aQueduto dá conta, inclusive, que regista-se uma maior percentagem de alunos infelizes em escolas inseridas em contextos socioeconómicos desfavorecidos e com priores resultados.
Na denúncia de estes e outros problemas vividos em contexto escolar, directores e associações de professores juntam as vozes para apontar como causas a extensão dos currículos, a desadequação de programas às idades e interesses dos alunos, turmas grandes e horários dos mais pesados da Europa. Sobre esta última questão, a dos horários, não posso deixar de ressaltar aquilo que vem sendo, há longos anos, uma prática de várias escolas. Refiro-me à concentração maioritária, no período lectivo da manhã, das disciplinas que algumas personagens designam de “estudo”! Curioso! Isto fará supor que existem disciplinas que não são de “estudo”! Que serão eventualmente de simples entretenimento! Que estão ali apenas para preencher currículo. Presumo que se estarão a referir às disciplinas de expressão, como a Educação Visual, a Educação Musical, a Educação Física, a Educação Tecnológica, etc. Na realidade, não poucas vezes estas acabam por ter o seu espaço reservado para o final da manhã e/ou para a tarde.
Dizem as ditas e doutas personagens que logo pela manhã os alunos estão mais “frescos”, e por isso, com maior aptidão e receptividade para “enfardar” com as tais disciplinas de “estudo”. Ora bem, não vou dizer que passo a pente fino toda a produção científica (nacional ou internacional) que se tem feito no âmbito das Ciências da Educação, mas também não posso deixar de confessar que sou um rapaz que até tem a preocupação e o cuidado de se manter minimamente informado nesse campo. Isto para dizer que não conheço qualquer estudo que recomende que a Matemática, a Fisico-Química, o Português ou as Ciências Naturais, só para dar alguns exemplos, deverão preencher, prioritariamente, a parte da manhã dos horários dos alunos! Se alguém tiver conhecimento de tal, ficaria muito grato se me enviassem a respectiva referência.
Inúmeras empresas de ponta, ou como dizem, empreendedoras, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, têm conseguido melhores resultados de produção graças à visão dos seus administradores. E de que forma? Brindando os seus funcionários com actividades físicas, de meditação ou com música antes do início do dia de trabalho. Deste modo, acabam por proporcionar um ambiente de bem-estar e satisfação para que os funcionários tenham um pouco mais de conforto e trabalhem melhor. O Yoga no trabalho tem proliferado no mundo empresarial, devido ao seu comprovado contributo para a redução do stresse e consequentemente para o aumento da produtividade.
E eis que chego onde queria chegar, passo a redundância. Se queremos combater o crescente desinteresse dos jovens pela escola, e contribuir para uma redução significativa da retenção, penso que a reorganização dos horários mereceria, nalgumas escolas, outra atenção. Arrojo, diria! Voltando atrás, não é de todo garantido que os alunos estejam mais frescos logo pela manhã. Qual o docente que nunca deu de caras com alunos sonolentos e a bocejar no primeiro tempo lectivo? É sabido que muitos deles, para estarem a horas na escola, levantam-se cedo e até de madrugada, sujeitando-se depois a muitos quilómetros de estrada. E que dizer daqueles que vêm de estômago vazio, à espera da primeira refeição fornecida pela escola!?
Para combater o desinteresse pela escola e o absentismo, a Escola Básica Francisco Sanches, em Braga, decidiu, entre outras medidas, apostar em actividades mais lúdicas e nas disciplinas de expressão para o início da manhã; na opção por salas bem equipadas com tecnologias, e na criação de um Conselho Consultivo de alunos, um espaço onde pudessem colocar e discutir problemas da escola, mobilizando-os para a procura de soluções. Neste último caso, um bom exemplo de educação para a cidadania. Os resultados não se fizeram esperar: os índices de motivação aumentaram, o absentismo diminuiu consideravelmente e o aproveitamento global melhorou. No seu conjunto, estas iniciativas contribuíram para o mais importante: o combate à exclusão social.
Compreendo, embora discorde, que a concentração das disciplinas ditas de “estudo”(!) na parte da manhã seja conveniente para A ou B, mas sempre ouvi dizer que a prioridade deverão ser os alunos.

Já agora, e para encerrar, recomendo a pesquisa do significado da palavra “estudo”.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Certificação do carácter


A questão que me traz por cá, numa primeira análise poderia parecer extemporânea, uma vez que tem por base um diploma legal[1] publicado no primeiro mês do ano. Todavia, estando-se a iniciar um novo ano escolar, acaba por tornar-se oportuno, sendo igualmente da maior pertinência.
Um artigo publicado no Jornal de Notícias, no passado dia 1 de Julho, da autoria da jornalista Alexandra Inácio, versava uma mudança na certificação das actividades não lectivas em que os alunos habitualmente participam. Ou seja, a partir de agora os certificados passados pela escola aos alunos que concluam o 9º ano de escolaridade (e ao que tudo indica também o 12º), passam a ver descriminados, para além dos resultados escolares, todas as actividades extra-curriculares em que tenham estado envolvidos, nomeadamente, desporto escolar, clubes (de leitura, poesia, música, artes plásticas, etc.), acções de voluntariado, de educação para a saúde, cargos em associações de estudantes, entre outros. Falamos, como é óbvio, de projectos bem estruturados, orientados e com resultados tangíveis. Esta é, aliás, uma situação que se verifica há vários anos, noutros países, como são exemplo os Estados Unidos ou Inglaterra. Nestes, o currículo do aluno é devidamente escrutinado no momento do acesso ao ensino superior.
O referido artigo recebeu a colaboração dos presidentes da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Manuel Pereira e Filinto Lima, respectivamente, que se congratularam com a medida apresentada pelo ministério da Educação. Também o secretário de Estado da Educação, João Costa, deu o seu contributo.
Para Manuel Pereira, esta forma de certificação será “uma espécie de currículo que pode ser apresentado numa candidatura de emprego ou à universidade”. Mas mais importante, e como o próprio sublinha, “a medida pode até servir para incentivar os alunos, no futuro, a participarem mais nas actividades e projectos escolares”. E eis aqui uma boa forma de promover a educação para a cidadania. Mais ainda, uma forma de proporcionar às crianças e jovens oportunidades para demonstrarem outras capacidades e competências que não são avaliadas nos programas disciplinares, particularmente aquelas que se prendem com a dimensão humanística e cívica.
Dados os inúmeros maus exemplos, diariamente mediatizados, que as sociedades actuais deixam transparecer, cada vez mais se torna imperativa uma educação e formação assente em valores, ou se preferirmos, na ética. Poderia aqui desfiar um conjunto de iniciativas, como por exemplo as já referidas actividades de voluntariado, que podem contribuir para desenvolver no aluno um conjunto de competências sociais, que certamente ajudarão a formação do seu carácter, dando assim um contributo efectivo para a formação plena do indivíduo. Alguns e crescentes fenómenos que vão ocorrendo um pouco por todo o lado, e que são deveras preocupantes, como a xenofobia, o racismo ou fundamentalismos de vária ordem, reclamam que os alunos experimentem a solidariedade, a partilha, a ajuda, a generosidade, enfim, o altruísmo. Mais do que outros, este é um tipo de “empreendedorismo” que seria desejável ver de forma mais recorrente nas escolas!
Voltando à certificação, para o presidente da Andaep esta novidade é uma questão de cidadania. Como sublinha, “as escolas preparam cidadãos do futuro. E assim dos currículos constará, oficialmente, não só as notas como o aluno na sua plenitude”.
Citado por Alexandra Inácio no seu artigo, o secretário de Estado da Educação frisa que, “com esta medida pretende-se cumprir um duplo objectivo: por um lado, garantir o reconhecimento devido a inúmeras actividades promovidas pelas escolas e outras organizações, em parceria com as escolas, no desenvolvimento de competências na área da cidadania, na promoção da saúde, ou outras. (…) Por outro lado, reconhece-se, na certificação dos alunos, que estas são actividades que contribuíram para o seu crescimento e desenvolvimento”.



[1] Despacho normativo n.º 1-F/2016, de 5 de Abril.

domingo, 21 de agosto de 2016

Expedição ao Pico Lenine, na Cordilheira do Pamir


A cordilheira Pamir, situada na Ásia Central, é formada pela união das cordilheiras Tian Shan, Karakorum, Kunlun e Indocuche. Os Pamir estão entre as montanhas mais altas do mundo. Também são conhecidas pelo nome chinês Congling.
Situado na cordilheira Trans-Alai, na fronteira entre Quirguistão e Tajiquistão, o Pico Lenine alcança os 7.134 m de altura. Originalmente chamado de Monte Kaufmann, é o segundo cume mais alto do Pamir e o segundo mais alto da ex-União Soviética.
Foi precisamente desta região asiática que regressei, há pouco mais de uma semana, depois de uma estadia de 23 dias, 17 deles passados em alta montanha.
A expedição contou com uma logística característica das grandes expedições, que envolve vários campos de altura, cozinha, carregadores e médico.
Para adaptação à grande altitude, os alpinistas passam por aquilo que se designa de “aclimatação”, ou seja, um processo marcado por mudanças fisiológicas, que decorrem dos efeitos provocados pela baixa pressão atmosférica, pelo frio intenso e a rarefacção de oxigénio. Alguns dos sintomas mais comuns sentidos pelos alpinistas são: a hiperventilação, tonturas e vómitos. Para responder a tais sintomas, os alpinistas necessitam de ir subindo gradualmente, parando pelos diferentes campos de altura, onde se encontram estaladas tendas, onde terão de repousar, regressando posteriormente aos anteriores, incluindo o primeiro, o campo base. Este percurso de “sobe e desce” ocorre as vezes que forem necessárias, até o corpo se adaptar à altitude e estar pronto para o ataque final ao cume. Além disso, uma boa hidratação torna-se imprescindível. A alimentação, que deverá vir de trás, do período pré-montanha, deverá incluir naturalmente hidratos de carbono, proteínas, vitaminas, minerais, barras e bebidas energéticas (que reúnem vários nutrientes) e muito chã. E foi assim que aconteceu. Além do campo base, ponto de partida, estavam montados mais 3 campos de altura, com desníveis a rondar os 900 m de altura entre eles. O percurso cruza glaciares, de fendas profundas, e zonas marcadas por avalanches pontuais, como tive a oportunidade de assistir por duas vezes… à distância!
Nos primeiros 10 dias a aclimatação decorreu bem, sentindo-me bem fisicamente e motivado. Durante este período alcancei, inclusive, um “ombro”, ou se preferirmos, um pico secundário do Pico Lenine, o Razdelnaya, com 6.148 m de altitude.
Contudo, na última semana senti um ligeiro decréscimo na minha condição física. Nada que, entretanto, me afectasse a determinação em conseguir o meu principal objectivo: o cume.
No dia do ataque ao cume, a 8 de Agosto, iniciado às 3 da madrugada a partir do campo 3, acabei por ser traído pelo meu próprio equipamento. O que vou dizer parece erro de principiante ou de amador, mas certo é que acabei por perceber, e sentir na pele, que quer as minhas botas, quer as minhas luvas não eram as indicadas para as baixíssimas temperaturas que se fizeram sentir (e que ali são habituais), e que rondavam os -18°C. Comecei a perder a sensibilidade nalguns dedos das mãos e dos pés. A dada altura passei a ter dificuldades em segurar os bastões, importantes instrumentos de apoio na progressão no terreno. Ainda fiz várias tentativas, mas logo um caso me veio à memória. Tratou-se de um alpinista que, uma semana antes, e na mesma montanha, sofreu congelações e consequentes amputações de dedos das mãos”. Ora entre conservar os meus dedos ou alcançar o cume, optei naturalmente pela primeira opção. Assim, passada uma hora de ascensão, e aos 6.300 m de altitude, dei meia volta e voltei ao campo 3. São sempre decisões difíceis de tomar, mas o bom senso tem necessariamente de prevalecer. Quando o tempo ou as condições de terreno não ajudam, ou, como neste caso, o equipamento não é adequado, o melhor mesmo é dar prioridade à vida, em detrimento do cume. Este continuará a estar lá para novas oportunidades.
Agora, para além de ter de recuperar os 6 kg de peso que perdi, ainda necessito de algum tempo para reaver a sensibilidade total de dois dedos.
Apesar de não ter alcançado o cume do Pico Lenine, não deixo de valorizar a experiência enriquecedora que vivi, única, diria. Para além do conhecimento adquirido sobre a logística e a responsabilidade que comportam uma expedição “a sério”, fiquei ainda mais motivado, com mais vontade e determinação em continuar a lutar pelos meus projectos de montanha, e por novas ascensões.

O próximo passo será fazer um peditório para umas botas e luvas de expedição, que não são nada baratas!

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Uma Europa refém de “técnicos de contas”


Já lá vai mais de um mês desde que os britânicos decidiram retirar-se da União Europeia (UE). Desde aí, muito se tem dito e escrito sobre este episódio, que continua a agitar as águas, sobretudo no velho continente.
Ainda antes desse acontecimento já se pressagiava o que poderia vir a acontecer. As ameaças, que inicialmente eram veladas, acabaram por se revelar. De um lado, e muito por força de uma atmosfera de crescente nacionalismo e xenofobia, de imediato surgiu a ameaça de novas consultas referendárias, não só dentro do próprio Reino Unido (RU), pela Escócia, mas também de outros países como a Holanda, a Dinamarca, Suécia, Itália e mesmo a França (aqui por reclamação da Frente Nacional), vincando assim o eurocepticismo que grassa. Por outro, temos as consequências económicas. A turbulência nas bolsas pós-Brexit logo obrigou o BCE e o banco de Inglaterra a injectar liquidez financeira nos mercados, mantendo-se ainda a incógnita sobre como se irá comportar a economia nos próximos tempos, quer no espaço europeu, quer mundial. Vai provavelmente acentuar-se o desequilíbrio político e económico entre Berlim e Paris, em parte devido à debilidade do governo de Hollande, que tinha no RU uma espécie de contrapoder.
Não surpreende de todo esta conturbação que se vive no seio da Europa. Os sinais já eram visíveis há longo tempo, assim como os alertas dados. À crise financeira de 2008, seguida de uma longa crise económica, juntou-se o problema dos refugiados, o crescimento de fenómenos xenófobos e extremistas, o terrorismo e o sentimento de insegurança e, claro está, a austeridade imposta.
Malgrado toda esta conturbação política, económica e social, parece confirmar-se o que alguns vaticinavam, ou seja, que os líderes europeus pouco ou nada aprenderam com o Brexit. Aliás, a primeira reacção a este, foi o início de uma pressão e chantagens inconcebíveis de Bruxelas sobre o RU para que acelerasse a formalização da sua saída, ao mesmo tempo que ameaçava com uma resposta musculada para outros pretendentes a “exits”!
Esta Europa, longe da idealizada pelos seus pais fundadores, encontra-se subordinada a um directório de burocratas, cuja política se resume à obsessão pelo limite de défice imposto pelo Tratado Orçamental e à urgência em vedar a vaga de refugiados. Sobre a primeira, aos prevaricadores é dado um tratamento diferenciado. Portugal e Espanha têm de ser castigados. França, por exemplo, “porque é a França”, como diz Juncker, é-lhe concedido mais tempo para por as contas em dia! Esta forma diferenciada no tratamento de Estados da UE não surpreende, na medida em que se sabe que há muito que é defendido a criação de dois blocos de países. As movimentações políticas vão nesse sentido.
Em meados de Julho do ano passado o presidente francês propunha a constituição de uma "vanguarda" da União Europeia, que, e segundo o seu primeiro-ministro, Manuel Valls, seria composta pelos países fundadores da CEE. A ideia de um núcleo duro e de uma Europa a duas velocidades não é uma originalidade gaulesa. O Parlamento alemão, através de um manifesto do grupo CDU/CSU, da autoria de Schäuble, já dava conta dessa intenção. Nele, o núcleo duro incluía, para além da Alemanha, a França, a Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo. Ou como refere João Ferreira do Amaral, numa entrevista à Rádio Renascença (12/07/2016), “um super-estado europeu, a defender novos avanços na centralização de poder na União. Na área da defesa, da economia, das finanças públicas querem criar um monstro ainda maior de decisão única central (…)”, retirando ainda mais autonomia aos parlamentos nacionais. Esta corrente de pensamento da direita germânica, apoiada por outros países do centro e do norte da Europa, mantém a tónica na política de austeridade, pese embora as consequências nefastas verificadas para a economia europeia. Não é por acaso que a recente proposta do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, de responder ao Brexit com mais flexibilidade orçamental, resolução dos problemas estruturais da arquitectura institucional do euro, e mutualização das dívidas, foi recusada pelo Partido Popular Europeu.
Algumas vozes têm vindo a terreiro denunciar esta cegueira ideológica e o caminho perigoso a que ela está a levar a Europa. Em entrevista à Renascença e ao Observador no passado 4 de Julho, Pierre-Olivier Gourinchas, professor do departamento de Economia da Universidade da Califórnia, defendeu que a Zona Euro deveria criar um mecanismo permanente de reestruturação de dívida, considerando ser esta uma solução para “aliviar o endividamento excessivo”, libertando recursos para o investimento.
Xoan Mao, Secretário-Geral do Eixo Atlântico, num artigo recentemente publicado no JN (12 de Julho), defende que a União Europeia “não pode continuar a ser a Europa dos burocratas e dos banqueiros. Não pode continuar a ser uma Europa distante dos cidadãos, incapaz de falar com uma só voz e de recordar a sua filosofia fundacional. Uma Europa de emigrantes e de exilados que agora fecha as portas aos que se vêem empurrados pela guerra. (…) Mas toda a crise é também uma grande oportunidade. E desta temos de tirar uma transformação da UE; de uma Europa dos cidadãos e da liberdade. Uma terra multicultural de acolhimento e integração”.

Para finalizar, tomo igualmente emprestadas as palavras de Rafael Barbosa, que defende que “só há um caminho capaz de travar a estagnação e o declínio: aprofundar a união política e os mecanismos de participação (e não apenas os de representação), atribuindo poderes políticos a órgãos democráticos como o Parlamento Europeu e retirando-os a órgãos burocráticos como a Comissão Europeia, reduzindo o monopólio da Alemanha e seus satélites, reforçando o papel de regiões e municípios. Em resumo, mais federalismo, mais democracia, mais proximidade, igual a Europa” (JN – 23/06/2016). 

sábado, 2 de julho de 2016

Exposição de pintura no "Museu Municipal - Museu do Móvel" de Paços de Ferreira

No passado Sábado, dia 2, chegou a vez de dar a conhecer a minha colecção de pinturas, do projecto Fragmentos Urbanosa, no Museu Municipal – Museu do Móvel de Paços de Ferreira. 
Coube ao director do museu, o Dr. Mário Leal, fazer as honras da casa, tendo este começado por agradecer a presença do público, bem como a minha, tendo-me endereçado os maiores elogios pelas minhas pinturas. Agradeci naturalmente as amáveis palavras que lhe foram endereçadas 
pelo director do museu, à autarquia pelo seu convite, aproveitando aqui para felicitá-la pelas condições excepcionais do espaço de galeria/exposição, e também, claro está, a presença do público. Prossegui com uma curta explicação sobre temática explorada nas suas pinturas, completada com uma análise estética.
O momento foi abrilhantado com um recital de poesia e música, levado a cabo pelos alunos da Universidade Sénior de Paços de Ferreira. Depois seguiu-se uma visita guiada por mim, que terminaria com um Porto de Honra para todos os presentes.
A exposição estará aberta ao público durante dois meses, ou seja, até ao dia 3 de Setembro de 2016.



sexta-feira, 10 de junho de 2016

Cidadania de poltrona

Sempre ouvi dizer que Portugal é um país de brandos costumes. Não sei ao certo a origem deste enunciado. Tampouco encontro uma razão para desdizê-lo. Muito pelo contrário!
Dos vários sinónimos que poderemos encontrar da palavra “costume”, ressaltam “hábito”, “rotina” ou “prática”. Por arrasto, teremos “exercício”, “desempenho”, “acção” ou “intervenção”. E aqui chego a um conceito que me é muito caro: “cidadania”.
Já por inúmeras vezes versei este conceito em vários espaços editoriais. Simplificando, poder-se-á definir “cidadania” como uma acção ou prática reflexiva e concertada, num determinado espaço e momento, com o propósito de alcançar um bem comum. Refiro-me, naturalmente, a uma cidadania democrática e participativa, acalentada por causas e valores comuns e superiores.
Espero não estar a ser injusto, e tampouco tomar uma posição sobranceira sobre o que cada um pensa, mas entendo que comparativamente com gerações anteriores, em especial com aquelas que viveram de perto o período revolucionário pós 25 de Abril, em que efectivamente existiu um tempo de forte intervenção pública e política na construção da democracia e de um Estado social, e exceptuando ainda alguns casos pontuais, aqui e ali, o presente e o passado recente tem demonstrado uma certa apatia, resignação ou comodismo da turba. Se nalguns casos, e devido aos diferentes tipos de “iliteracia” que os enclausura, até compreendo a inércia revelada, já noutros, que têm à sua disposição meios e instrumentos de conhecimento e acção, que lhes permitem fazer-se ouvir e dar um contributo, mesmo que modesto, para que algo mude para melhor, essa mesma inércia deixa de ser compreensível.
No meu espaço de trabalho, chega a ser por vezes confrangedor ouvir certos comentários infundados (e até contraditórios) sobre certas questões ou temas pertinentes da actualidade política, social ou educativa. Não raras vezes se limitam a depreciar tudo e todos aqueles que tão-só fazem uso do seu direito de intervir na coisa pública. No caso da classe docente, como certamente acontecerá noutras classes profissionais, o bode expiatório acaba quase sempre por ser os sindicatos. Mas quando são chamados a dar a sua opinião ou contributo para um melhor sindicalismo e para melhores condições de trabalho, é vê-los a assobiar para o lado! Qualquer desculpa serve para bater em retirada. Até uma simples petição em defesa da escola pública declinam em assinar! Quiçá por desconhecerem o que ela significa ou representa, o que é lamentável! Que dizer então da participação numa manifestação? Já sobre a actividade sindical em concreto, qualquer docente pode estar ao corrente dela, bastando para tal ler as revistas destas organizações, que se encontram espalhadas nas salas dos professores (das escolas públicas, é claro!) ou consultar os seus sites.
Um pouco menos de indolência e mais interesse e respeito pela história e papel dos sindicatos na sociedade, seguramente que contribuiria para reduzir a ignorância de muitos sobre as várias e preciosas conquistas sociais e laborais conseguidas desde a sua origem, no século XIX. Como o dissera uma vez numa entrevista televisiva, há pouco anos, o antigo secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, “a democracia muito deve aos sindicatos”.
Dir-me-ão, e com razão, que nem tudo o que os sindicatos fazem é bem feito. Nem sempre tomam ou tomaram as melhores decisões ao longo da sua história. É verdade. Mas isso é o que acontece exactamente com outros tipos de organizações, sejam elas de natureza política, social, solidária, cultural, etc. Mas uma coisa é certa, quando da luta sindical e dos seus apoiantes resultam ganhos, estes são para todos… mesmo para aqueles que não se levantaram do sofá!
Para os críticos desavindos dos sindicatos, fieis praticantes de uma “cidadania de poltrona”, unicamente preocupados com o recheio da sua “despensa privada”, sugiro que experimentem viver e trabalhar num país onde não os haja! 

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Peregrinação a S. Bento

Está ao rubro a discussão em torno do financiamento das escolas do ensino privado com contrato de associação.
Nos últimos dias fiquei atónito com uma série de discursos, conceitos e expressões apregoados, que inclusive viraram slogans em cartazes e T-shirts (provavelmente pagos pelo erário público!), a respeito desta polémica ateada pelo ensino privado e cooperativo, prontamente cavalgada e inflamada por ilustres demagogos da direita (reclusa), apoiada por seus serviçais, que pululam na imprensa tablóide, todos eles prosélitos do mesmo regimento.
A areia atirada aos olhos dos que legitimamente pretenderão ver-se esclarecidos, mais se tem assemelhado às tempestades de tais partículas, que por vezes varrem o deserto do Saara, ou mesmo as dunas de S. Jacinto! Muita munição de salva tem sido disparada durante a procissão composta pela dita direita, pelo lóbi do ensino particular e cooperativo (com as coordenadas emprestadas pelo grupo de ensino GPS[1]), e por jornalistas e comentadores do tipo fast-food, encabeçada pela Conferência Episcopal, garantindo assim a bênção dos peregrinos. O destino, esse não é Fátima, e muito menos Meca. É sim, S. Bento!
Na verdade, e para deleite meu, tem sido hilariante e deleitoso ler e ouvir os argumentos dalguns destes cruzados da contemporaneidade, que percorrem um caminho em busca não da redenção espiritual, mas sim, do conforto material. Tenho lido e ouvido coisas singulares, do género: “liberdade de escolha”, “direito a escolher a escola que eu quiser”, “direito a escolher o tipo de educação para o meu filho”, “direito a poder usufruir de uma escola com piscina coberta, corte de ténis, campo de futebol com piso sintético, pista de atletismo de tartan…”!!! Ops! Embora sendo verdade, esta última não tem figurado nos discurso dos peregrinos, tampouco nos cartazes de protesto! Portanto, trata-se de pegar no menu, escolher o prato desejado e pedir ao garçon que nos sirva. No final, a factura é pedida em nome do Estado, ou seja, dos contribuintes. Isto sim, é “liberdade de escolha”! Bem, se há coisa de que não se pode acusar quem pense assim, é de que sejam pategos! Pategos são aqueles que aceitam pagar impostos para este tipo de serviço a la carte!
Alguns dos peregrinos alegam que a reavaliação em curso dos contractos de associação do Estado com os colégios privados não passa de uma questão ideológica. O próprio líder do PSD, pasme-se, considerou a proposta do ministro da Educação de reduzir, no próximo ano lectivo, o número de turmas contratadas com as escolas privadas, nos concelhos em que as escolas públicas tenham capacidade para receber os alunos em início de ciclo, como "anacrónica", "retrógrada" e de "cegueira ideológica".
Na opinião de Passos Coelho, dar prioridade aos recursos disponíveis na escola pública, poupando assim ao Estado/contribuintes dezenas de milhões de euros, respeitando a Constituição (artigo 75.º), a Lei de Bases do Sistema Educativo e, vejam lá, a própria Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, ou seja, com base legal, é "cegueira ideológica"! Já agora, e a respeito de leis, quem não se lembra da harmoniosa e profícua relação do governo de Passos Coelho e Paulo Portas com a Constituição?!
Já cortar, em três anos, 1300 milhões de euros na Educação (mais do dobro do que era exigido pela tróica); encerrar mais de 2500 estabelecimentos de ensino; reduzir nas escolas, em quatro anos, cerca de 30.000 professores, e fazer contractos de associação com escolas privadas, pagando-lhes 80.500€ por turma (quando pode pagar 54.000€, ou menos, às da rede pública), com escolas do Estado, ali ao lado, de salas vazias, não é anacrónico, nem retrógrado e muito menos ideológico!
Ignorar as recomendações da tróica, que denunciava a irracionalidade de pagar turmas em colégios (favorecendo negócios privados!), quando a poucos metros existem escolas públicas com disponibilidade para recebê-las, deixando assim de poupar 109 milhões de euros, só entre 2011 e 2013, dinheiro que teria evitado o corte na acção social, no ensino especial, na educação de adultos, no enriquecimento curricular, etc., não é, de modo algum, “cegueira ideológica”! Longe disso!
Quanto à liberdade de escolha entre ensino público e ensino privado, esta não está, como nunca esteve em causa. Agora, quem prefere ter os seus filhos em colégios privados, PAGA! Simples.



[1] Para quem não se lembrará, o grupo de ensino privado GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, dos quais 14 recebem apoio do Ministério da Educação, está sob investigação da Polícia Judiciária, acusado de crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Tudo gente do melhor!

sábado, 30 de abril de 2016

Alpinismo na Peña Ubiña


No fim-de-semana prolongado de 23 a 25 de Abril eu e o meu camarada Bruno Teixeira deslocámo-nos à província das Astúrias, mais concretamente ao Parque Natural de Las Ubiñas - La Mesa, situado na área central da Cordilheira Cantábrica, para aí nos dedicarmos a umas actividades alpinas. É um dos meus locais de eleição para a prática do alpinismo invernal, não só pela sua relativa proximidade, mas também pela diversidade de desafios que coloca.
Apesar de uma mudança no plano traçado, dadas as condições meteorológicas e de terreno menos boas, acabámos por nos atirar a dois cumes, a saber: a Peña Cerreos (2104m) e o Pico del Canalón Oscuro (2142m). Apesar da relativa baixa altitude, o desafio de escalá-las foi considerável, uma vez que os optámos por vias com um grau de dificuldade respeitável, por ocorrerem em terreno misto (neve, gelo e rocha), e com inclinações que variavam entre os 45° e os 90°.
Para o Bruno tratou-se da sua primeira actividade de alpinismo propriamente dito, e ainda por cima invernal! Mas o rapaz portou-se bem, o que não me surpreendeu, dada a sua garra e determinação… que muito aprecio num alpinista, e nas pessoas em geral!
O cume da primeira das duas montanhas foi alcançado no dia 24, depois de três horas de labuta, um desnível a ultrapassar os 500 metros e muito nevoeiro à mistura. O cimo da segunda montanha foi alcançado no dia 25, uma forma original de comemorar o Dia da Liberdade! Na realidade, e embora numa despretensiosa analogia, também esta montanha, tal como a liberdade em Portugal, custou muito a ser conquistada. Apesar de um dia aberto e cheio de sol, havia muita neve acumulada, alguma resultante de aluimentos recentes, o que dificultou a progressão no terreno, por vezes feita com neve acima dos joelhos. A parte final, próximo do cume, fez-se por uma aresta muito exposta, de rocha muito precária, e por isso pouco fiável. Para se ter uma pequena ideia do que foi a escalada desta segunda montanha, basta ira à página dos vídeos deste blogue.
Na tentativa de fazer uma terceira montanha, o pico Pico Lapalazana, logo ao lado do Canalón Oscuro, experimentámos, involuntariamente, um longo deslize por uma ladeira gelada e bastante inclinada! Primeiro fui eu, com uma descida/queda de cerca de 130m, seguido do Bruno, no espaço de nem 4 minutos. Só que este bateu o meu “recorde” em mais 20 ou 30m! Felizmente que, para além de umas esfoladelas, não houve danos maiores. Sorte a nossa de que o terreno acabava numa espécie de “bacia”, pois se no final da rampa tivéssemos à nossa espera um precipício, se calhar não estaria aqui a escrever este texto!
Subestimámos o terreno e o baixo grau de dificuldade, pelo que não nos encordámos. Além disso, e no meu caso, não levava correia do pulso no piolet, pelo que à primeira tentativa de cravá-lo, quando resvalei, logo me saltou fora da mão. Regressados ao ponto de donde tínhamos caído, e depois da lição aprendida (!), entendemos o sucedido como um aviso, pelo que decidimos adiar a subida a esta montanha! 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Resquícios de um provincianismo no seio da escola


Uma simples e breve altercação com uma colega minha, a Guilhermina (nome fictício), despertou-me para a meia dúzia de parágrafos que se seguem. Logo, não poderia deixar de começar por agradecer-lhe a gentileza que teve, ao fornecer-me matéria preciosa para este artigo.
Ora aconteceu que, nesse debate, a minha prezada colega referira-se à Educação Tecnológica como sendo uma disciplina “secundária”, usando de uma argumentação que, pela sua vacuidade, não merece sequer que transcreva uma única letra neste espaço de redacção. É verdade que vindo de quem veio, não me surpreendeu absolutamente nada. Aliás, desse espectro já estou habituado a tão frutífera e civilizada prosa!
Mas este não é caso único. Infelizmente ainda há professores de diferentes níveis de ensino, e de outras disciplinas, que não as de expressão/ensino artístico (Educação Visual, Educação Musical, Educação Tecnológica e Dança), que olham de forma sobranceira para estas, assim como para os espaços não formais de criação, como os ateliês ou oficinas. É uma realidade sentida, um conceito mais ou menos presente, conforme o momento ou circunstância. Vêem as disciplinas de expressão, tal como a de Educação Física, como um adorno curricular, um centro de recursos para várias actividades do Plano Anual de Actividades da escola (PAA), projectadas pelos seus próprios departamentos curriculares. Uma espécie de muleta que dá jeito, às vezes para proveitos próprios.  
Muitas situações têm contribuído para este status quo. Começo logo por alguns governantes, sendo o caso mais gritante, o ex-ministro da Educação, Nuno Crato, que nos falava em “disciplinas fundamentais”, entenda-se, mais importantes (!), referindo-se em particular à Matemática e ao Português, vertendo quer na retórica, quer na legislação que criou, uma profunda e confrangedora ignorância acerca da importância e do papel das artes na educação e formação do sujeito, e por arrasto, para o desenvolvimento e progresso de um país. Nem como matemático teve clarividência suficiente para perceber que a Matemática existe graças à imaginação e criação do ser humano! Sim, porque o raciocínio lógico ou abstracto exige imaginação, criatividade, engenho, entre outros, capacidades, estas, que representam o principal desígnio das disciplinas de ensino artístico.
Outra realidade que se verifica, nas escolas, é o caso de várias das actividades do PAA, propostas e organizadas por outros departamentos, que não o das Expressões, acabar por sacrificar, com alguma frequência, tempos lectivos das disciplinas de ensino artístico, já de si bastante reduzidos. O mesmo se verifica com os espaços de criação atrás mencionados.
Embora com algum pesar, até compreendo que a sociedade em geral, o dito povo, desconheça o valor das referidas áreas curriculares. Já no que respeita aos professores, o caso torna-se mais sério, diria mesmo, preocupante. Se não for pelo percurso académico ou pela formação contínua que um professor obrigatoriamente vai fazendo, o dia-a-dia, pelo menos, dá vários exemplos da relevância das disciplinas de expressão, não só na educação integral do aluno, mas também na vida e dinâmica de uma escola, também ela, é bom lembrar, produtora de cultura e cidadania. Mas infelizmente, e pelo que se vai assistindo, a esta cegueira não estará certamente alheia a checklist de programas televisivos do tipo fast-food, onde brotam os reality shows, ou da literatura cor-de-rosa que alguns dos ditos professores seguem, e que se percebe nas conversas que ocorrem aqui ou ali. Nestas, não poucas vezes se assiste a uma “desertificação” preocupante de ideias ou temas pertinentes.
Se analisarmos os países que habitualmente figuram no topo dos rankings europeu e mundial ao nível do desempenho educativo dos alunos, como a Finlândia, Japão ou Suécia, veremos que, não por mera coincidência, atribuem um merecido estatuto às artes no ensino, ou seja, uma igualdade de tratamento quer nos curricula, quer na organização das actividades lectivas e não lectivas.

Sinceramente, não vejo bons augúrios para o futuro do ensino e da educação em Portugal enquanto circularem mentalidades tão estreitas e emparedadas, como aquelas, no seio das escolas… e não só!  

terça-feira, 22 de março de 2016

Uma Europa “à la carte”


A crise dos refugiados é por demais reveladora do preocupante caminho que a União Europeia tem vindo a tomar de há alguns anos para cá. As imagens sobre esse drama humano, que nos entram pela casa a dentro através da televisão, são bem ilustrativas, por uma lado, do sofrimento atroz que assoma esses seres, sem perspectivas de vida, e por outro, da incapacidade de gerar consensos entre vários países europeus para a resolução deste grave problema, cuja dimensão ainda está por calcular, ignorando-se as leis internacionais de acolhimentos de refugiados.
Para além do cemitério em que se tornou o Mediterrâneo, não podemos ficar indiferentes à agonia que transborda das vozes e dos olhares dessas populações migratórias. E muito menos do choro das crianças, essas sim, as mais vulneráveis. O Inverno veio agravar ainda mais as condições desta “transumância”. Apesar da frieza da expressão, não deixa de ser manifesto que é deste modo que algumas pessoas, povos ou Estados olham para estes desterrados.
Os sucessivos apelos das Nações Unidas, de ONG, de alguns países, em especial da Alemanha, entre outras entidades, não têm surtido grande efeito. Temos, sim, assistido a oportunismos despudorados por parte de alguns Estados, como o caso da Turquia, que utiliza os refugiados como moeda de troca para obter proveitos próprios, entre outros, dinheiro e o aceleramento do processo de adesão à UE. Falamos de um país que, pela mão do seu governo, segue violando, e em crescendo, os mais elementares direitos e liberdades cívicas do seu próprio povo. 
Do outro lado temos a Inglaterra e a ameaça do “Brexit”, que inclui no pacote de exigências (que não são permitidas a outros Estados da EU!) “contas de reduzir” com os refugiados. Fecham-se fronteiras, levantam-se cercas, criam-se leis para o confisco dos míseros bens transportados pelos refugiados e para dificultar a reunificação de famílias, tal como sucedeu na Dinamarca. Sucedem-se movimentos xenófobos aqui e ali, alguns terminando em ataques sobre aqueles infelizes. Campos de acolhimento sem o mínimo de condições sanitárias. Expulsam-se famílias inteiras, como se viu na Macedónia. Desaparecem crianças órfãs, suspeitando-se do envolvimento de redes de tráfico de seres humanos.
Entretanto, o primado da União Europeia continua a ser as políticas de austeridade. A crise das dívidas soberanas, o sistema financeiro, os mercados, o famoso Tratado Orçamental, etc., são os assuntos prioritários da agenda política. Veja-se, entre nós, e comparemos só a título de exemplo, o tratamento jornalístico que é dado ao drama dos refugiados, com aquele que é dado à economia do(s) Estado(s) e da União Europeia. Números mais do que pessoas. Sim, porque o que se tem visto é a Economia, uma ciência social (!), ao serviço de grandes grupos de interesse e de uma agenda ideológica ultraliberal. Para isso, conta com a preciosa e devota ajuda de uma plêiade de analistas sofistas, de piquete nos mais variados órgãos de comunicação social. Alguns deles podemos facilmente encontrá-los em administrações de grandes grupos económicos ou bancos, em partidos políticos que defendem a cartilha atrás referida, ou ainda no exercício de cargos em entidades como o FMI ou o BCE, depois de um tirocínio em governos nacionais!
A juntar ao caldeirão, temos a ascensão de partidos nacionalistas, xenófobos e da extrema-direita, que paulatinamente vão ganhando espaço na cena política, como o demonstram as conquistas eleitorais para parlamentos regionais e nacionais, que se vão registando nalguns países europeus. Chegados ao poder, logo se apressam não só a limitar liberdades cívicas e de expressão dos seus próprios cidadãos, como a criar leis anti-emigração, como o caso da Hungria.

Parece que assistimos a um período da História que nos é familiar e não muito distante: o renascer do espectro dos nacionalismos… E enquanto a lançadeira vai e vem neste tear político, o problema dos refugiados vai assumindo contornos de tragédia humana. E assim vai esta Europa “à la carte”! 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

EXAMES NACIONAIS: um imperioso e apoiado esclarecimento

O anúncio do fim das provas finais do 4º ano ascendeu um rastilho que fez renascer o alarido em torno dos exames nacionais. Aquilo a que se assistiu recentemente, foi a um regurgitar de preconceitos, ignorância e demagogia, que floresceu nos mais variados discursos e intervenções públicas, quer na assembleia da República, quer na comunicação social. Confrangedor! Ver e ouvir pretensos especialistas, que na sua grande maioria nada enxerga da realidade educativa portuguesa, chega a ser, no mínimo, aflitivo, sobretudo para aqueles que vivem e conhecem o sistema de educativo por dentro. Mas enfim, tornou-se uma prática corrente ver, ouvir e ler no média uma plêiade de sabujos, como é o caso, e só para citar dois dos inúmeros exemplos que se pavoneiam por aí, do adornado José Miguel Tavares e do “tudólogo” Medina Carreira.
Mas por que raio é que os que tanto se prestam a opinar sobre o tema em questão não se dão ao trabalho de passar a pente fino os pareceres, recomendações e relatórios de entidades que se dedicam exclusivamente ao estudo da Educação e dos sistemas educativos de vários países, como o caso da OCDE, da UNESCO ou da Eurydice? Ah!, pois, estudar cuidadosamente toda essa documentação leva tempo e dá muito trabalho! E para quem prefere falar de cor e de se perder em alardes dialéticos, é mais cómodo ler uns títulos, juntar-lhe uma boa dose de cinismo e debitar meia dúzia de chavões. Essa atitude irresponsável, mais não faz senão alimentar o senso comum com especulações e uma cantilena, que mantem os cidadãos longe do conhecimento da realidade educativa e, pior ainda, condicionando um desejável compromisso efectivo por parte de pais e encarregados de educação no apoio aos seus educandos.
Voltemos aos exames nacionais. Recentes estudos nacionais e internacionais, nomeadamente da OCDE, têm denunciado o efeito pernicioso destas provas. Esta organização entende que, e sobretudo no ensino básico, os testes devem ter uma função diagnóstica, de modo a permitir a orientação dos alunos e a superação de dificuldades, sem o peso de um exame final, com consequências para o percurso escolar dos alunos. É então aqui que entram as provas de aferição, que devem naturalmente ser consequentes, em substituição das provas finais dos 4º e 6º anos.
Por cá, o último parecer do Conselho Nacional de Educação, apesar de algumas contradições, defende a revisão do sistema de avaliação externa das aprendizagens, deixando ainda algumas recomendações importantes para a melhoria das aprendizagens. A novidade é que aqui se nota uma certa inversão do discurso, se compararmos com as recomendações feitas por este órgão consultivo do ME, num documento que data de Fevereiro do ano passado[1], com agora este parecer[2]! No primeiro eram claras as reservas (diria mesmo, críticas) do CNE sobre os exames, sobretudo no 4º ano. Já no segundo a posição torna-se ambígua!
Roberto Carneiro, Sérgio Niza, Ana Maria Bettencourt e Maria Emília Brederode, reconhecidos especialistas em Ciências da Educação, em entrevistas recentes ao Jornal de Letras[3], dão conta das suas posições quanto aos exames nacionais. O primeiro sublinha que “um Ministério que confia nas suas escolas não anseia por impor avaliações exteriores ao próprio sistema; por contraste, o Ministério que sistematicamente desconfia das escolas e dos professores, e que revela inapetência para o gerir melhor, apressa-se em polvilhar o sistema de controlos externos, através da proliferação de provas de exames”. Roberto Carneiro lembra que este não é o método seguido por outros sistemas de educativos que figuram nos melhores lugares internacionais, em termos de aproveitamento escolar, como revelam as aferições feitas pelo PISA[4]. São os casos, por exemplo, da Finlândia e da Austrália. No primeiro, os únicos exames nacionais existentes só ocorrem no final do secundário. No segundo, alguns dos seus estados nem sequer têm provas nacionais.
Na mesma senda, Sérgio Niza denuncia o efeito perverso dos exames nacionais. Fala-nos de uma mentalidade examinadora, que “vem dificultando a passagem à prevalência de uma avaliação continuada e formadora que sirva o trabalho de aprendizagem para todos os alunos, em vez do uso de provas de exame para excluir, contraditoriamente, os que mais precisam do trabalho dos professores para satisfação do direito legal de terem êxito na sua escolaridade”. Sérgio Niza denuncia ainda o “extenso e oneroso mercado de explicações, a chamada escola sombra” despertado e alimentado pelos exames nacionais. Outro tema que daria pano para mangas!
Ana Maria Bettencourt e Maria Emília Brederode lamentam que a escola portuguesa falhe, “por não ser capaz de diferenciar o ensino e de ajudar os alunos que encontrem dificuldades nas aprendizagens”. Aliás, disso nos dá conta o mais recente relatório do PISA[5]. Desaprovam os exames nacionais, por considera-los sancionadores e selectivos, defendendo, antes, as provas de aferição, pelo seu carácter diagnóstico e formativo, para aperfeiçoamento das aprendizagens.
Termino destacando algumas das recomendações feitas por estes especialistas, para a melhoria da avaliação e das aprendizagens dos alunos. São elas: dar maior autonomia às escolas na organização do trabalho, das equipas, das turmas e dos apoios aos alunos; reconhecer no professor um agente central e decisivo no processo de ensino-aprendizagem e nas reformas educativas, devendo, por isso, ser respeitado e valorizado, e apostar na formação docente.




[1] CNE (2015). Recomendação – Retenção escolar nos Ensinos Básico e Secundário. Fevereiro.
[2] CNE (2016). Parecer – Avaliação das Aprendizagens e Realização de Provas Finais no Ensino Básico. Janeiro.
[3] JL, Nº1183 – Ano XXXV – 3 a 16 de Fevereiro de 2016.
[4] O PISA (Programme for International Student Assessment) é uma rede mundial de avaliação de desempenho escolar, coordenado pela OCDE, com vista a melhorar as políticas e resultados educacionais.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

PRESIDENCIAIS - Ilusionismo vs. Cidadania


1.    Ilusionismo e Oportunismo
No nº47 do jornal Notícias de Aguiar apresentei um artigo a que dei o título, “Vou ter saudades de Cavaco”. Nele usei da ironia para fazer uma caricatura do desempenho do Presidente da República, agora em final de mandato. Pouco tempo mais tarde li um artigo, algures num jornal diário, em que o seu autor dizia que qualquer que fosse o próximo presidente seria sempre melhor que Cavaco Silva. No momento concordei com esta asserção. Todavia, depois dos debates televisivos entre diversos candidatos à presidência da República e das campanhas de rua, dei comigo a reconsiderar o meu juízo. É que Cavaco Silva nunca me suscitou dúvidas quanto ao que vinha. Nunca fiquei surpreendido com os seus discursos ou intervenções públicas, mesmo aquelas que causaram polémica. Poderia, e de forma simbólica, usar aquela expressão popular que diz, “A aparência revela a sua essência”. E nisto Cavaco Silva era indisfarçável.
Já o mesmo não se poderá dizer do ex-comentador, e agora candidato “à esquerda da direita”(!), o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Os debates televisivos demonstraram, uma vez mais, a lata com que nega o que disse ou defendeu publicamente ao longo da sua carreira política e de comentador, bem como o descaramento com que cria factos (que o diga o Dr. Paulo Portas) e coloca na boca dos outros, aquilo que nunca disseram. Como diz o povo, “Na boca do mentiroso, o certo se faz duvidoso”. Ora uma figura destas, que com todo o desplante diz e desdiz, saltita de margem em margem, suscitaria muitas preocupações e intranquilidade, caso viesse a ocupar o cargo de Presidente da República.
Embora teime em não admiti-lo publicamente, é evidente que o professor Marcelo preparou cuidadosamente, ao longo de vários anos, a sua candidatura a Belém, usando e abusando do melhor palco que podia desfrutar para a construção e propaganda da sua imagem, ou seja, a televisão. No entanto, foi esta, através dos debates, sobretudo aquele que o opôs a Sampaio da Nóvoa, que teve o condão de lhe fazer cair a máscara. Negar, por exemplo, que esteve sempre colado à direita, o seu berço e residência partidária, e em particular às políticas de austeridade do anterior governo, é o mesmo que negar que a terra gira em torno do sol! Mas sabemos que Marcelo se presta a este tipo de comportamento camaleónico.
Durante as suas eucaristias dominicais na TVi, as críticas que o professor fez ao governo de Passos Coelho e Portas, para além de raras, tiveram genericamente um tom brando e inofensivo, pois a sua colagem à austeridade foi incondicional. Marcelo percebia que o país caminhava a passos largos para a pobreza e para o aumento das desigualdades sociais. No entanto, por razões ideológicas e por oportunismo (a ambição de conquistar Belém), preferiu manter “uma mão no cravo e outra na ferradura”, para assim garantir o apoio de PSD e CDS, o que se confirmaria, menosprezando o sofrimento dos portugueses. Agora, e por enquanto, para além de querer Passos e Portas afastados da sua campanha, tenta colar-se ao governo de António Costa, num claro piscar de olhos ao eleitorado de esquerda.
Entretanto, do Sr. Sabe Tudo, que só se ouve a si próprio, nesta campanha ainda não se conhece uma opinião consistente e séria sobre educação, saúde, segurança social, justiça, pobreza, emigração ou a desertificação e os problemas do interior do país. Não se conhece uma posição clara sobre a perda de soberania de Portugal face às instâncias europeias, o que faz deduzir que seria um presidente subserviente. Enfim, não se sabe efectivamente como e com que fins desempenharia o cargo de Presidente da República!

2.    Seriedade e Cidadania Participativo
Conheço António Sampaio da Nóvoa há vários anos, sobretudo de diversos livros e artigos que tem publicado, e que tive o prazer de ler, assim como de alguns congressos em que ele foi orador, e onde estive presente. Também é conhecido o trabalho meritório que desenvolveu enquanto reitor da Universidade de Lisboa e as inúmeras iniciativas cívicas tomadas ao longo de 40 anos. Em qualquer dos casos, e de uma forma genérica, o agora candidato sempre revelou coerência com aquilo que sempre defendeu, a saber, um país e um Estado que coloca em primeiro plano as pessoas, que luta por causas sociais, que defende a escola pública, que aposta na educação, ciência, investigação e inovação como motores para o desenvolvimento cultural, social, empresarial e económico. Um país e um Estado que aposta na coesão social e territorial, na formação de adultos, na qualificação, na educação para a cidadania, que valoriza e promova a língua e a cultura portuguesa. Um país e um Estado que, no respeito pelos tratados e acordos europeus e internacionais, não deixe de lutar pela sua soberania, tão desprezada nos últimos anos por Bruxelas e outras instâncias internacionais.  
Há pouco meses, por um feliz acaso, cruzei por Sampaio da Nóvoa no museu Amadeu de Sousa Cardoso, em Amarante. Entre outras personalidades, fazia-se acompanhar do ex-presidente Ramalho Eanes, um dos seus apoiantes. Não perdi a oportunidade de o cumprimentar e de ter uma breve conversa com ele, que durou poucos minutos, pois ele estava de passagem, em pré-campanha. Para além de o felicitar pela coragem que teve em candidatar-se à presidência da República, e de manifestar a minha admiração e apoio, aproveitei para trocar com ele algumas breves impressões acerca de algumas das questões atrás referidas. Tal como já esperava, Sampaio da Nóvoa, para além de amável, honesto, sincero e frontal, provou ser uma pessoa conhecedora dos vários problemas que afetam os portugueses, revelando a determinação (que o caracteriza) em lutar, caso venha a ser o próximo Presidente da República, para dar um contributo decisivo para lhes devolver a esperança e para uma melhoria das suas vidas, enfim, aquilo que ele tem chamado de um “tempo novo”. Disso não tenho a menor dúvida. Por isso, aceitei ser o representante da candidatura de Sampaio da Nóvoa pelo concelho de Vila Pouca de Aguiar. Espero que todos cumpram o seu dever cívico. Votem!