terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Podridão cerebral

O título deste texto é uma tradução do termo inglês brain rot, escolhido pela Universidade de Oxford como a palavra do ano 2024, sendo definida como uma suposta deterioração do estado mental ou intelectual do sujeito, decorrente do resultado do consumo excessivo de conteúdo considerado banal ou irrefutável, que prolifera especialmente nas redes sociais, mas também nalguns órgãos de comunicação social.
Do que é sabido, a primeira vez em que a expressão brain rot foi utilizada, aconteceu em 1854, pela mão de Henry David Thoreau, no seu livro “Walden; or, life in the woods”. Nessa obra, o escritor norte-americano critica, já à época, a tendência da sociedade para desvalorizar ideias complexas, ou aquelas que podem ter múltiplas interpretações, em favor de ideias simples, vendo isto como um sinal de um declínio geral do esforço mental e intelectual. Volvido mais de século e meio, é surpreendente como esta constatação se mantem actual. Efectivamente, não é preciso um olhar muito avisado sobre o que se passa em nosso redor, para nos darmos conta do que se passa nas nossas sociedades. Atente-se, e no caso português, aos resultados de um recente estudo internacional, que nos coloca no penúltimo lugar de uma lista de 31 países, no que diz respeito à literacia, numeracia e resolução de problemas da população adulta. Refiro-mo ao “Inquérito às Competências dos Adultos de 2023”, publicado no passado dia 10, pela OCDE. Ficou-se a saber que cerca de 40% dos adultos portugueses só conseguem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no dia-a-dia.
A avalanche ininterrupta, sem filtro, de imagens, sons, vídeos, textos e mensagens, na sua maioria de fraca qualidade ou de interesse nulo, acabam por vulgarizar o nosso quotidiano, entorpecer as mentes, tendo o condão de desviar a atenção sobre os temas e as questões verdadeiramente pertinentes. Rui Tavares Guedes dizia, recentemente, no editorial da revista Visão, que esta “podridão cerebral” traduz-se na “deterioração ou até mesmo putrefacção das nossas capacidades racionais, devido ao consumo excessivo de conteúdos online, pouco ou nada estimulantes, mas que nos prendem a atenção, predominantemente nos muitos ecrãs em que vamos saltitando ao longo de cada dia” (nº1657, p.6).
Em diferentes sectores da sociedade, e nas diferentes faixas etárias, esta realidade está bem patente. Começando pela política, ou políticos, aquilo a que assistimos são réplicas de um “trumpismo” que grassa um pouco por toda parte, com o patrocínio das tecnológicas, onde reina, como diz Clara Ferreira Alves, “a absoluta ausência de princípios, civilidade, escrúpulo, vergonha e moral, servida por uma ganância de lucro e vantagens pessoais com e sem nepotismo”. Mais adiante acrescenta que a “democracia plena em que vivemos, onde o insulto e o crime passam por liberdade de expressão, e onde um edifício como a Assembleia da República, o palco central da democracia representativa, pode ser vandalizado e insultado, deixa de ser democracia para passar a ser uma populocracia” (Revista Expresso, 6/12/2024, p.3). Não surpreende, pois, que assistamos a exemplos similares nas camadas mais jovens, em que o respeito pela autoridade, o civismo e as boas maneiras já conheceram melhores dias. Onde a ofensa a pais e professores está banalizado. Onde os impropérios e a agressão física são gratuitos.
Hoje em dia, um professor que se proponha debater com os seus alunos, sobretudo adolescente, alguns temas, tais como: liberdade, democracia, respeito, solidariedade, altruísmo, igualdade de género, direitos humanos, cidadania, património, sustentabilidade, entre tantos outros, defronta-se com uma tarefa custosa, quando não mesmo ingrata. Tudo aquilo que não conste do cardápio das redes sociais é votado ao ostracismo. Não merece “likes”!
Eis aqui matéria que deveria preocupar e ser tida como prioritária pelos pais, na educação dos seus filhos.