terça-feira, 21 de janeiro de 2025

O primado dos limites

No seu livro “As crianças precisam de limites” (2024) a psicóloga e investigadora Caroline Goldman não só disserta sobre alguns problemas comportamentais de crianças e adolescentes, como apresenta um guião dirigido a pais, onde sugere várias estratégias para lidar com eles. A autora discorda daquilo que designam de «educação positiva», uma corrente de pensamento que defende que as crianças se devem criar sem limites. Sem prescindir evidentemente do amor e dos afectos defendida por esta corrente, Goldman explica que as regras e os limites impostos a crianças e adolescentes não servem para controlá-los, mas sim para ensinar-lhes a navegar o mundo com confiança e responsabilidade. Para tal, a psicóloga apresenta um roteiro com estratégias claras e não-violentas para lidar com comportamentos desafiadores, ajudando os pais a cultivar relacionamentos tranquilos e seguros com os seus filhos. É que, como diz, “por mais qualidades que uma pessoa tenha, se não tiver acesso aos códigos mínimos de boas maneiras e de consideração pelos outros, essas qualidades nunca encontrarão uma forma duradoura de explorar o seu potencial.”
Naturalmente que os professores terão um papel importante neste processo, ao estabelecer uma parceria com os pais e encarregados de educação, que se quer franca, respeitosa e colaborante. Todavia, algo terá de ser revisto nesta relação casa/escola, de modo a ultrapassar alguns preconceitos e animosidades que se vai registando, e que têm vindo a agravar-se. E sobre este ponto recorro a um retracto fidedigno que Goldman traça da actualidade educativa. Diz a própria o seguinte: "Antigamente, os pais apoiavam o professor, que estava justamente incluído na matriz educativa «benéfica» do seu filho. Hoje em dia, quando um professor critica o comportamento de uma criança na escola, os pais tendem a aceitar a crítica como se fosse dirigida a eles, e o seu primeiro instinto é defender o filho como se estivesse a ser injustamente atacado/julgado pelo professor.” Logo de seguida acrescenta: “Os pais têm também uma tendência crescente para pedir à escola que faça todos os esforços que já não exigem aos seus filhos. Pedem à escola que os eduque, mas depois criticam-na por ser autoritária…” A psicóloga lamenta ainda que um ambiente escolar exigente, que trabalha para conter a impulsividade das crianças, saia gorado, assim que estas chegam a casa, devido à postura demasiado flexível dos pais. No mesmo sentido, e em jeito de remate, vão as palavras de Carlos Ceia, professor universitário, ao afirmar que “o professor não controla, não pode controlar nem pode ser responsabilizado por não poder controlar aquilo que é um comportamento inadequado, que tem origem em factores alheios à escola, como o ambiente familiar, por exemplo.” (Público, 6/12/2024).
Também Eduardo Sã manifesta a sua preocupação com a educação que muitos pais dão aos seus filhos. Numa entrevista à revista Visão (Nº 1629) o reconhecido psicólogo fala-nos daquilo que designa de “mães 5G”, que não hesitam em seguir todo o tipo de tutoriais para educar os seus filhos. Diz mesmo que estão a estragá-los, porque, segundo defende, “as crianças precisam de um referencial, de alguém que lhes dê as coordenadas.” E aqui chega à questão da necessária imposição das regras, pelo facto de exercerem uma função, que é pegar nos ritmos de uma criança e adequá-los, de maneira a criar rotinas e assim ganhar uma dimensão de estabilidade que a faça crescer. De forma algo jocosa, mas acutilante, Eduardo Sã considera que “Os pais de hoje querem tanto ser tão perfeitos que às vezes não se dão conta de que os pais perfeitos são os melhores inimigos dos bons pais.”
Uma educação para os valores, uma educação ética, uma educação para o respeito e para a responsabilidade, mais do que uma exigência, é um direito das crianças e dos jovens. Não é discutível. É um imperativo em qualquer contexto. Mais ainda quando nos confrontamos com um mundo onde grassa e se normaliza a mentira, o narcisismo, a devassa, a diatribe, o desrespeito, o ódio, a violência, o negacionismo, a promoção da futilidade e da ignorância, o fomento da competição em detrimento da cooperação e da solidariedade – e aqui teríamos pano para mangas para falar sobre os equívocos dos rankings, quadros de mérito e da avaliação de aprendizagens.