Depois de uma derrota significativa do PS nas eleições autárquicas de Dezembro 2001, o então primeiro-ministro, o engenheiro António Guterres, apresentou a sua demissão. O desiderato por que tanto lutaram os partidos da oposição, da direita à esquerda, materializou-se. Durante a campanha para as ditas autárquicas, o PSD liderou o cortejo que pedia a cabeça do governo socialista, apelando, de forma eufórica e vociferada, ao cartão vermelho. E os portugueses assim responderam. Era então o líder do maior partido da oposição, o PSD, o doutor Durão Barroso, que à época se propunha retirar Portugal do “pântano”. Com a vitória do PSD nas legislativas, e com a coligação com o CDS-PP de Paulo Portas, deu-se então início ao XV Governo Institucional, agora chefiado por Durão Barroso. Tão preocupado ele estava com o estado do país, que logo na primeira oportunidade surgida, isto ao fim de pouco mais de dois anos de governação, abandonou-o em troca de uma cadeira mais cómoda, mais bem remunerada e, sobretudo, que lhe permitia aspirar a outras cadeiras de igual ou maior visibilidade. Estou naturalmente a falar do cargo de presidente da Comissão Europeia. Isto tem um nome: carreirismo político.
A conjuntura económica e social à época da demissão de
António Guterres, ainda que evidenciando problemas sérios, nada, mas
absolutamente nada se comparava à actual. Hoje, a demagogia, o cinismo, a
corrupção, o conluio, a mentira, o despotismo, a arrogância, a falta de
vergonha e o desprezo pelos mais necessitados tomaram conta do poder. O
resultado é aquele que se sabe, mas sobretudo aquele que se sente, e de que
maneira! Como protagonistas desta trama temos naturalmente alguns dos maiores
grupos económicos, o sector financeiro, alguns comentadores encartados, e,
claro está, o governo PSD/CDS, chefiado pela dupla Passos Coelho/Paulo Portas,
com a ajuda dos seus preciosos conselheiros, e ainda com o alto patrocínio do
Presidente da República!
Não perderei tempo com a campanha demagógica levada a cabo
por Passos Coelho para as legislativas de 2011, da qual saiu vencedor. Basta
lembrar que não só não cumpriu o que prometeu, como acabou por fazer aquilo que
disse que jamais faria. À austeridade imposta pela troika, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas acrescentou, de
forma voluntarista, mais uma boa dose de austeridade, sustentada numa deriva
ideológica e subjugada pela ditadura financeira.
Ao fim de pouco mais de dois anos de governação
PSD/CDS os resultados estão à vista de todos: aumento de impostos para
quem trabalha, investe e consome; falências e consequente despedimento de
milhares de trabalhadores; cancelamento de dezenas de milhares de contratos com
funcionários sem vínculo ao Estado; mudança das regras do subsídio de
desemprego e diminuição dos apoios sociais; convite (e com sucesso!) aos jovens
mais qualificados a emigrar, deitando ao lixo o dinheiro dos nossos impostos
que foi investido na sua formação; queda do PIB; aumento do número dos que não
podem pagar os seus empréstimos bancários dispara; aumento do número de
subsídios de desemprego (cada vez mais reduzidos); aumento da idade da reforma;
cortes sucessivos nas pensões. Entretanto, o Estado não consegue pagar a
dívida, nem os respectivos juros, e o défice não desce para os níveis
pretendidos. Logo, é anunciada a revisão em baixa das tabelas salariais da
administração pública, decretado o aumento do horário de trabalho dos
funcionários públicos para as 40 horas semanais, anunciado um programa de
rescisões/despedimentos que se perspectiva que venha a atingir cerca de 30 mil
trabalhadores do Estado, e ainda um novo corte de 10% nos encargos dos
ministérios que, como é óbvio, irá concentrar-se na Educação, na Segurança
Social e na Saúde.
O governo
PSD/CDS tentou ludibriar os portugueses ao anunciar que atacaria as despesas
funestas com as PPP, que acabaria com o problema das rendas excessivas na
energia, que reduziria substancialmente nas despesas dos ministérios, etc., mas
acabaram por se virar para a receita do costume: impostos, taxas, leis que
permitam mais despedimentos na função pública, assim como um ataque sistemático
às pensões dos reformados, com os aposentados do Estado a serem moralmente
acusados de "privilegiados" em relação ao sector privado, para ver
se, sob tal suspeição, aceitam pacificamente o roubo de que serão sujeitos. Entretanto, o país vai sendo vendido a retalho a
chineses, angolanos, entre outros.
Na falta de humildade para reconhecer o fracasso das suas
políticas, o primeiro-ministro, seguido de membros do seu partido e dos tais comentadores
encartados, prefere eleger o Tribunal Constitucional como bode expiatório,
acusando-o de falta de bom senso na interpretação da lei maior, a Constituição
da República Portuguesa. É caso para lembrar o que há poucos dias escrevera
Baptista Bastos, “Quando está no poder, o PSD manifesta muita
dificuldade em relacionar-se com as instituições que representam a democracia”.[1]
Depois de todo este quadro negro aqui lembrado, o
primeiro-ministro ainda tem o descaramento de dizer em voz grossa, aliás, de
garantir que irá prosseguir o mesmo caminho, ou seja, o do empobrecimento do
país e dos portugueses. Um caminho, cujo mais recente relatório (cínico) do FMI,
sobre as políticas de austeridade que estão a ser aplicadas no nosso país, alerta
para o facto de que um
ajustamento muito grande, num curto espaço de tempo, pode conduzir a um
aumento, em vez de uma diminuição, da dívida e dos custos dos empréstimos. As mesmas
políticas são criticadas pela Oxfam, uma organização
não-governamental
que luta contra a pobreza, e que no seu último relatório alerta para os riscos
de Portugal tornar-se num dos países mais desiguais do mundo se a política de austeridade
prosseguir. A directora
do ramo europeu da Oxfam, Natalia Alonso, criticou o recuo dos direitos
sociais, os cortes radicais nos orçamentos da segurança social, da saúde e da
educação, a redução dos direitos dos trabalhadores e ainda uma fiscalidade
injusta.
Salvo raras,
mas tímidas excepções, os autarcas laranjas têm estado muito silenciosos quanto
às políticas desastrosas e criminosas do governo de Passos Coelho/Paulo Portas.
Não se houve nenhuma crítica! Parecem estar de acordo. Como diz o povo “quem
cala, consente”! Mas se realmente quisermos pôr cobro a esta sangria, chegou o
momento do povo gritar BASTA! Como alertava há alguns meses atrás Nuno Saraiva,
“O tempo é, pois, de dizer basta. Basta
da desonestidade de afirmar que não há alternativas. Basta da falácia repetida
vezes sem conta sob a forma de discurso único de que "renegociar o
ajustamento" é sinónimo de não querer pagar a nossa dívida. Basta de nos
enganarem sistematicamente com a promessa de que "os sacrifícios valerão
certamente a pena". Basta de nos fazerem de idiotas garantindo que
"não haverá mais aumento de impostos (…)".[2]
Posto isto, estas eleições autárquicas representam um momento
único e imperdível para dar um CARTÃO VERMELHO ao GOVERNO, mas com umas
características especiais. Qualquer coisa como um cartão vermelho fluorescente,
do tamanho da área geográfica de Portugal.
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