Em Fevereiro deste ano o Conselho Nacional de Educação (CNE)
publicava uma Recomendação intitulada, “Retenção Escolar nos Ensinos Básico e
Secundário”. Nela, este órgão consultivo do Ministério da Educação, presidido
pelo ex-ministro da Educação, David Justino, manifesta a sua preocupação com a elevada
taxa de retenção verificada no nosso país, com uma subida considerável a
registar-se no ensino básico a partir de 2011.[1]
Só entre o ano 2011 e 2013 a taxa de retenção verificada no
6º ano de escolaridade duplicou, a que, segundo o CNE, não deverá ser alheia a
introdução das provas finais, a partir precisamente do ano lectivo 2011-2012.
Também nas transições de ciclo os valores da retenção aumentam, em especial nos
7º e 10º anos, denunciando uma ruptura no grau de exigência, entenda-se, uma
não progressividade das aprendizagens na transição do 2º para o 3ºciclo, e
entre este e o ensino secundário.
Começando pelos exames de final de ciclo (4º e 6º ano),
introduzidos pelo actual ministro da Educação, Nuno Crato, o CNE deixa claro
que estes vieram perturbar, para além do normal funcionamento das escolas, o processo
de ensino-aprendizagem, com consequências nefastas quer no que toca às taxas de
retenção, quer na alteração dos processos de avaliação interna, contrariando o
que tem defendido a investigação científica e os próprios normativos. Ou seja, e
tal como lembra o CNE, “a forma como se concretiza a avaliação sumativa externa
tem contaminado os procedimentos de avaliação interna”. As consequências mais
evidentes são, entre outras, “a sobrevalorização das disciplinas sujeitas a
exame em detrimento das restantes áreas do currículo; a replicação, em sede de
avaliação interna, da estrutura dos instrumentos de avaliação externa, bem como
dos respectivos critérios de classificação, e o desenvolvimento da prática
sistemática de treino para provas ou para os critérios das provas, nas
disciplinas sujeitas a avaliação externa”.
Numa primeira síntese, poder-se-á dizer que a cultura de
avaliação das aprendizagens voltada para a classificação e seriação, adquire um
carácter penalizador da avaliação, ao invés de se focar na intervenção sobre as
dificuldades detectadas. No caso do ensino secundário a situação adquire
proporções mais preocupantes, em especial nos cursos científico-humanísticos,
uma vez que, e tal como frisa o CNE, “os resultados da avaliação sumativa
interna e externa são o critério único de acesso ao ensino superior, na maioria
dos cursos. Tal condição tem modelado o ensino secundário à condição de
‘preparação para o ensino superior’, minimizando o valor intrínseco da formação
de ensino secundário.”
Resumindo, a avaliação externa tem condicionado a avaliação
interna, na medida em que o trabalho docente passou a privilegiar a preparação
para os exames, em detrimento de uma escola que promova a curiosidade,
desenvolva a inteligência e fomente a criatividade. Pilares fundamentais,
segundo António Branco (2015), “da edificação de uma personalidade humana
comprometida com o mundo, de cidadãos capazes de intervir activamente na
sociedade”.[2]
Atente-se ao exemplo da Finlândia, um verdadeiro modelo de
escola cidadã, que tem figurado no topo dos países
da OCDE a nível do sucesso nos resultados escolares. A par de uma real
autonomia das escolas e dos professores, e não falaciosa como aquela que
vivemos no nosso país, na Finlândia os exames só acontecem no final do ensino
secundário; o ensino dá-se de forma integrada, com todas as disciplinas
colocadas ao mesmo nível de importância; os processos pedagógicos fazem do
aluno o centro das atenções, em que a exigência convive em harmonia com os
ritmos de aprendizagem diferenciados, que naturalmente se verificam no seio das
turmas, e em que o principal desígnio da escola é preparar os alunos para a
vida[3].
Num
momento em que tanto se reclama a falta de valores e de cidadania na nossa sociedade,
como aliás dão conta diariamente os noticiários, é tempo de fazer da escola um lugar para a criatividade e a investigação,
para as artes e a cultura, para a educação física e a saúde, para uma educação
multicultural, para uma educação para os valores, para a compreensão dos
desafios e dilemas contemporâneos, para uma cidadania democrática e
participativa. Enfim, para uma educação humanista.
[1] De acordo com os dados do PISA 2012, Portugal ocupa o
terceiro lugar dos países da OCDE com uma taxa de retenção mais alta. Anualmente são mais de 150 mil os alunos que ficam
retidos no mesmo ano de escolaridade. Cerca de 35% dos jovens portugueses com
15 anos tinham já sido retidos pelo menos uma vez, contra a média OCDE de 13%,
e mais de 7,5% apresentam no seu percurso mais de uma retenção.
[2] BRANCO, António (2015). A Universidade desde o princípio. Jornal de Letras, Ano XXXV, nº
1165.
[3] Vale a pena ler a reportagem de Isabel Leiria sobre o
sistema de ensino finlandês, publicada na revista do jornal Expresso, do dia 30
de Maio de 2015.
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