O
anúncio do fim das provas finais do 4º ano ascendeu um rastilho que fez renascer
o alarido em torno dos exames nacionais. Aquilo a que se assistiu recentemente,
foi a um regurgitar de preconceitos, ignorância e demagogia, que floresceu nos mais
variados discursos e intervenções públicas, quer na assembleia da República,
quer na comunicação social. Confrangedor! Ver e ouvir pretensos especialistas,
que na sua grande maioria nada enxerga da realidade educativa portuguesa, chega
a ser, no mínimo, aflitivo, sobretudo para aqueles que vivem e conhecem o
sistema de educativo por dentro. Mas enfim, tornou-se uma prática corrente ver,
ouvir e ler no média uma plêiade de sabujos, como é o caso, e só para citar
dois dos inúmeros exemplos que se pavoneiam por aí, do adornado José Miguel
Tavares e do “tudólogo” Medina Carreira.
Mas
por que raio é que os que tanto se prestam a opinar sobre o tema em questão não
se dão ao trabalho de passar a pente fino os pareceres, recomendações e
relatórios de entidades que se dedicam exclusivamente ao estudo da Educação e
dos sistemas educativos de vários países, como o caso da OCDE, da UNESCO ou da
Eurydice? Ah!, pois, estudar cuidadosamente toda essa documentação leva tempo e
dá muito trabalho! E para quem prefere falar de cor e de se perder em alardes
dialéticos, é mais cómodo ler uns títulos, juntar-lhe uma boa dose de cinismo e
debitar meia dúzia de chavões. Essa atitude irresponsável, mais não faz senão
alimentar o senso comum com especulações e uma cantilena, que mantem os
cidadãos longe do conhecimento da realidade educativa e, pior ainda,
condicionando um desejável compromisso efectivo por parte de pais e
encarregados de educação no apoio aos seus educandos.
Voltemos
aos exames nacionais. Recentes estudos nacionais e internacionais, nomeadamente
da OCDE, têm denunciado o efeito pernicioso destas provas. Esta organização entende
que, e sobretudo no ensino básico, os testes devem ter uma função diagnóstica,
de modo a permitir a orientação dos alunos e a superação de dificuldades, sem o
peso de um exame final, com consequências para o percurso escolar dos alunos. É
então aqui que entram as provas de aferição, que devem naturalmente ser
consequentes, em substituição das provas finais dos 4º e 6º anos.
Por
cá, o último parecer do Conselho Nacional de Educação, apesar de algumas contradições,
defende a revisão do sistema de avaliação externa das aprendizagens, deixando
ainda algumas recomendações importantes para a melhoria das aprendizagens. A
novidade é que aqui se nota uma certa inversão do discurso, se compararmos com as
recomendações feitas por este órgão consultivo do ME, num documento que data de
Fevereiro do ano passado[1],
com agora este parecer[2]!
No primeiro eram claras as reservas (diria mesmo, críticas) do CNE sobre os
exames, sobretudo no 4º ano. Já no segundo a posição torna-se ambígua!
Roberto
Carneiro, Sérgio Niza, Ana Maria Bettencourt e Maria Emília Brederode,
reconhecidos especialistas em Ciências da Educação, em entrevistas recentes ao
Jornal de Letras[3],
dão conta das suas posições quanto aos exames nacionais. O primeiro sublinha
que “um Ministério que confia nas suas
escolas não anseia por impor avaliações exteriores ao próprio sistema; por
contraste, o Ministério que sistematicamente desconfia das escolas e dos
professores, e que revela inapetência para o gerir melhor, apressa-se em
polvilhar o sistema de controlos externos, através da proliferação de provas de
exames”. Roberto Carneiro lembra que este não é o método seguido por outros
sistemas de educativos que figuram nos melhores lugares internacionais, em
termos de aproveitamento escolar, como revelam as aferições feitas pelo PISA[4]. São os casos, por
exemplo, da Finlândia e da Austrália. No primeiro, os únicos exames nacionais existentes
só ocorrem no final do secundário. No segundo, alguns dos seus estados nem
sequer têm provas nacionais.
Na mesma senda, Sérgio Niza denuncia o
efeito perverso dos exames nacionais. Fala-nos de uma mentalidade examinadora,
que “vem dificultando a passagem à prevalência
de uma avaliação continuada e formadora que sirva o trabalho de aprendizagem
para todos os alunos, em vez do uso de provas de exame para excluir,
contraditoriamente, os que mais precisam do trabalho dos professores para
satisfação do direito legal de terem êxito na sua escolaridade”. Sérgio
Niza denuncia ainda o “extenso e oneroso
mercado de explicações, a chamada escola sombra” despertado e alimentado
pelos exames nacionais. Outro tema que daria pano para mangas!
Ana Maria Bettencourt e
Maria Emília Brederode lamentam que a escola portuguesa falhe, “por não ser capaz de diferenciar o ensino e
de ajudar os alunos que encontrem dificuldades nas aprendizagens”. Aliás,
disso nos dá conta o mais recente relatório do PISA[5]. Desaprovam os exames
nacionais, por considera-los sancionadores e selectivos, defendendo, antes, as
provas de aferição, pelo seu carácter diagnóstico e formativo, para
aperfeiçoamento das aprendizagens.
Termino destacando algumas das recomendações
feitas por estes especialistas, para a melhoria da avaliação e das
aprendizagens dos alunos. São elas: dar maior autonomia às escolas na
organização do trabalho, das equipas, das turmas e dos apoios aos alunos;
reconhecer no professor um agente central e decisivo no processo de
ensino-aprendizagem e nas reformas educativas, devendo, por isso, ser
respeitado e valorizado, e apostar na formação docente.
[1] CNE (2015). Recomendação – Retenção escolar nos
Ensinos Básico e Secundário. Fevereiro.
[2] CNE (2016). Parecer – Avaliação das Aprendizagens e
Realização de Provas Finais no Ensino Básico. Janeiro.
[3] JL, Nº1183 – Ano XXXV – 3 a 16 de Fevereiro de 2016.
[4] O PISA (Programme for International Student
Assessment) é uma rede
mundial de avaliação de desempenho escolar, coordenado pela OCDE, com vista a
melhorar as políticas e resultados educacionais.
[5] OECD/PISA (2016).
Low Performing
Students: Why they fall behind and how to help them succeed. February.
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