A crise dos refugiados é por demais reveladora do
preocupante caminho que a União Europeia tem vindo a tomar de há alguns anos
para cá. As imagens sobre esse drama humano, que nos entram pela casa a dentro
através da televisão, são bem ilustrativas, por uma lado, do sofrimento atroz
que assoma esses seres, sem perspectivas de vida, e por outro, da incapacidade
de gerar consensos entre vários países europeus para a resolução deste grave
problema, cuja dimensão ainda está por calcular, ignorando-se as leis
internacionais de acolhimentos de refugiados.
Para além do cemitério em que se tornou o Mediterrâneo, não
podemos ficar indiferentes à agonia que transborda das vozes e dos olhares
dessas populações migratórias. E muito menos do choro das crianças, essas sim,
as mais vulneráveis. O Inverno veio agravar ainda mais as condições desta “transumância”.
Apesar da frieza da expressão, não deixa de ser manifesto que é deste modo que
algumas pessoas, povos ou Estados olham para estes desterrados.
Os sucessivos apelos das Nações Unidas, de ONG, de alguns
países, em especial da Alemanha, entre outras entidades, não têm surtido grande
efeito. Temos, sim, assistido a oportunismos despudorados por parte de alguns
Estados, como o caso da Turquia, que utiliza os refugiados como moeda de troca
para obter proveitos próprios, entre outros, dinheiro e o aceleramento do
processo de adesão à UE. Falamos de um país que, pela mão do seu governo, segue
violando, e em crescendo, os mais elementares direitos e liberdades cívicas do
seu próprio povo.
Do outro lado temos a Inglaterra e a ameaça do “Brexit”, que
inclui no pacote de exigências (que não são permitidas a outros Estados da EU!)
“contas de reduzir” com os refugiados. Fecham-se fronteiras, levantam-se
cercas, criam-se leis para o confisco dos míseros bens transportados pelos
refugiados e para dificultar a reunificação de famílias, tal como sucedeu na
Dinamarca. Sucedem-se movimentos xenófobos aqui e ali, alguns terminando em
ataques sobre aqueles infelizes. Campos de acolhimento sem o mínimo de
condições sanitárias. Expulsam-se famílias inteiras, como se viu na Macedónia.
Desaparecem crianças órfãs, suspeitando-se do envolvimento de redes de tráfico
de seres humanos.
Entretanto, o primado da União Europeia continua a ser as
políticas de austeridade. A crise das dívidas soberanas, o sistema financeiro,
os mercados, o famoso Tratado Orçamental, etc., são os assuntos prioritários da
agenda política. Veja-se, entre nós, e comparemos só a título
de exemplo, o tratamento jornalístico que é dado ao drama dos refugiados, com
aquele que é dado à economia do(s) Estado(s) e da União Europeia. Números mais
do que pessoas. Sim, porque o que se tem visto é a Economia, uma ciência social
(!), ao serviço de grandes grupos de interesse e de uma agenda ideológica
ultraliberal. Para isso, conta com a preciosa e devota ajuda de uma plêiade de analistas
sofistas, de piquete nos mais variados órgãos de comunicação social. Alguns
deles podemos facilmente encontrá-los em administrações de grandes grupos
económicos ou bancos, em partidos políticos que defendem a cartilha atrás
referida, ou ainda no exercício de cargos em entidades como o FMI ou o BCE,
depois de um tirocínio em governos nacionais!
A juntar ao caldeirão, temos a ascensão de partidos
nacionalistas, xenófobos e da extrema-direita, que paulatinamente vão ganhando
espaço na cena política, como o demonstram as conquistas eleitorais para
parlamentos regionais e nacionais, que se vão registando nalguns países
europeus. Chegados ao poder, logo se apressam não só a limitar liberdades
cívicas e de expressão dos seus próprios cidadãos, como a criar leis
anti-emigração, como o caso da Hungria.
Parece que assistimos a um período da História que nos é
familiar e não muito distante: o renascer do espectro dos nacionalismos… E enquanto
a lançadeira vai e vem neste tear político, o problema dos refugiados vai
assumindo contornos de tragédia humana. E assim vai esta Europa “à la carte”!
Sem comentários:
Enviar um comentário