Em vésperas das eleições legislativas do passado
dia 4 de Outubro, o nº 1173 do Jornal de Letras dá a conhecer as respostas
dadas a um inquérito, levado a cabo por este quinzenário, por quatro especialistas
e ex-ministros da educação. São eles, David Justino, Guilherme de Oliveira
Martins, Júlio Pedrosa e Roberto Carneiro. Das quatro questões colocadas
destacaria a primeira, não só por ser a mais abrangente em termos de conteúdo,
mas também por lançar pistas reflexivas para as restantes.
A questão: Quais entende serem os principais problemas e as maiores
dificuldades da educação – sistema educativo e de ensino e escolas – em
Portugal, neste momento?
O contributo dos inquiridos é precioso, merecendo,
por isso, uma reflexão cuidada por parte de todos os que efectivamente se
interessam pelo presente e futuro dos nossos jovens.
Cultura de sucesso, valorização dos actores
educativos, compromissos duráveis e contrato de regime são as ideias-chave
apontadas pelo conjunto dos intervenientes, como réplica aos problemas que
enunciam. Há uma consensualidade entre os quatro ex-responsáveis pela pasta da educação
sobre as taxas elevadas de insucesso, retenção ou abandono escolar.
David Justino acusa o elevado grau de ineficiência
e selectividade do ensino, ao mesmo tempo que aponta a necessidade de renovação
e qualificação do corpo docente.
Júlio Pedrosa denuncia as assimetrias regionais,
decorrentes de realidades sociais e culturais distintas, que acabam por se
reflectir em contexto de sala de aula, bem como a falta de cultura de diálogo
entre os principais agentes educativos. Neste ponto, advoga a premência da
aposta na educação de adultos e na formação de professores, especialmente ao
nível da educação para os valores.
Guilherme de Oliveira Martins coloca a tónica na
diversificação de percursos escolares e na sua adequada avaliação, e a articulação
entre educação, ciência e cultura. Esta última questão é, sem margem para
dúvidas, imperiosa para o desenvolvimento e progresso de uma sociedade nas suas
múltiplas vertentes.
Sem desconsiderações, Roberto Carneiro é, destes
quatro ex-ministros que tutelaram a pasta da educação, o mais contundente, mais
claro e mais objectivo na abordagem dos problemas do nosso sistema educativo, o
que só demonstra a visão globalizante e integrada que tem sobre a Educação. Não
é por acaso que é umas das referências maiores nas Ciências da Educação, que
vai muito para lá das nossas fronteiras.
Defensor daquilo que designa de “Cidades Educadoras”,
de uma cidadania nas suas mais relevantes dimensões (democrática, social,
paritária, intercultural e ambiental), como diz, partilhada por todos e por
cada um de nós, Roberto Carneiro denuncia problemas estruturais do nosso
sistema educativo, que persistem numa organização pedagógica e curricular
fragmentária que, entre outras lacunas, desvaloriza a integração de saberes em
experiências significativas de vida; a sobrevalorização dos títulos académicos
universitários relativamente aos que resultam das vias vocacionais e
profissionais, que evidencia uma visão classista que teima em persistir; as
insuficientes e débeis respostas a determinados grupos sociais ou culturais,
entre outros, minorias étnicas, refugiados ou migrantes, grupos religiosos
específicos e crianças com necessidades educativas especiais. Roberto Carneiro
sintetiza: “apesar
dos 40 anos de democracia, intensamente vividos, e da democratização exemplar
do acesso à escola, o sistema educativo português continua a reproduzir os
paradigmas dominantes do regime anterior, o Estado Novo; uma fortíssima seletividade
escolar ao invés da tão badalada inclusividade; a manutenção de uma
estruturação do sistema nos ciclos do passado (4+2+3+3); a secundarização
social imposta a profissões manuais com o consequente cortejo de menorizações
das vias de estudos profissionais; a conservação dos tiques de um sistema
elitista que recusa a abertura a crianças diferentes (…); um sistema de
formação inicial de professores que não os dota das competências didáticas
indispensáveis (…)”.
É uma ilusão, para não dizer pura demagogia, pensar
que uma sociedade pode atingir, como é recorrente e exaustivamente dito e
escrito, níveis de desenvolvimento, progresso e qualidade de vida, sem investir,
dentro e fora da escola, na resposta a estes problemas que, como vimos,
persistem há demasiado tempo. Ao ignorar esta realidade, estaremos a contribuir
para manter o nosso crónico défice de cidadania, para debilitar o Estado de
Direito, para conspurcar a nossa identidade nacional, menosprezar o nosso
legado cultural, e assim, a hipotecar o futuro das nossas crianças e jovens, e por
consequência, do nosso país.
Sem comentários:
Enviar um comentário