Uma simples e breve altercação com uma colega
minha, a Guilhermina (nome fictício), despertou-me para a meia dúzia de
parágrafos que se seguem. Logo, não poderia deixar de começar por agradecer-lhe
a gentileza que teve, ao fornecer-me matéria preciosa para este artigo.
Ora aconteceu que, nesse debate, a minha prezada
colega referira-se à Educação Tecnológica como sendo uma disciplina
“secundária”, usando de uma argumentação que, pela sua vacuidade, não merece sequer
que transcreva uma única letra neste espaço de redacção. É verdade que vindo de
quem veio, não me surpreendeu absolutamente nada. Aliás, desse espectro já
estou habituado a tão frutífera e civilizada prosa!
Mas este não é caso único. Infelizmente ainda há
professores de diferentes níveis de ensino, e de outras disciplinas, que não as
de expressão/ensino artístico (Educação Visual, Educação Musical, Educação Tecnológica
e Dança), que olham de forma sobranceira para estas, assim como para os espaços
não formais de criação, como os ateliês ou oficinas. É uma realidade sentida,
um conceito mais ou menos presente, conforme o momento ou circunstância. Vêem as
disciplinas de expressão, tal como a de Educação Física, como um adorno
curricular, um centro de recursos para várias actividades do Plano Anual de
Actividades da escola (PAA), projectadas pelos seus próprios departamentos
curriculares. Uma espécie de muleta que dá jeito, às vezes para proveitos
próprios.
Muitas situações têm contribuído para este status quo.
Começo logo por alguns governantes, sendo o caso mais gritante, o ex-ministro
da Educação, Nuno Crato, que nos falava em “disciplinas fundamentais”,
entenda-se, mais importantes (!), referindo-se em particular à Matemática e ao
Português, vertendo quer na retórica, quer na legislação que criou, uma
profunda e confrangedora ignorância acerca da importância e do papel das artes
na educação e formação do sujeito, e por arrasto, para o desenvolvimento e
progresso de um país. Nem como matemático teve clarividência suficiente para
perceber que a Matemática existe graças à imaginação e criação do ser humano!
Sim, porque o raciocínio lógico ou abstracto exige imaginação, criatividade, engenho,
entre outros, capacidades, estas, que representam o principal desígnio das disciplinas de ensino artístico.
Outra realidade que se verifica, nas escolas, é o
caso de várias das actividades do PAA, propostas e organizadas por outros
departamentos, que não o das Expressões, acabar por sacrificar, com alguma frequência,
tempos lectivos das disciplinas de ensino artístico, já de si bastante reduzidos.
O mesmo se verifica com os espaços de criação atrás mencionados.
Embora com algum pesar, até compreendo que a
sociedade em geral, o dito povo, desconheça o valor das referidas áreas
curriculares. Já no que respeita aos professores, o caso torna-se mais sério,
diria mesmo, preocupante. Se não for pelo percurso académico ou pela formação
contínua que um professor obrigatoriamente vai fazendo, o dia-a-dia, pelo
menos, dá vários exemplos da relevância das disciplinas de expressão, não só na
educação integral do aluno, mas também na vida e dinâmica de uma escola, também
ela, é bom lembrar, produtora de cultura e cidadania. Mas infelizmente, e pelo
que se vai assistindo, a esta cegueira não estará certamente alheia a checklist de programas televisivos do tipo fast-food, onde brotam os reality shows,
ou da literatura cor-de-rosa que alguns dos ditos professores seguem, e que se
percebe nas conversas que ocorrem aqui ou ali. Nestas, não poucas vezes se
assiste a uma “desertificação” preocupante de ideias ou temas pertinentes.
Se analisarmos os países que habitualmente figuram
no topo dos rankings europeu e mundial ao nível do desempenho educativo dos
alunos, como a Finlândia, Japão ou Suécia, veremos que, não por mera coincidência,
atribuem um merecido estatuto às artes no ensino, ou seja, uma igualdade de
tratamento quer nos curricula, quer na organização das actividades lectivas e
não lectivas.
Sinceramente, não vejo bons augúrios para o futuro
do ensino e da educação em Portugal enquanto circularem mentalidades tão
estreitas e emparedadas, como aquelas, no seio das escolas… e não só!
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