Já lá vai mais de um mês desde que os britânicos
decidiram retirar-se da União Europeia (UE). Desde aí, muito se tem dito e escrito
sobre este episódio, que continua a agitar as águas, sobretudo no velho
continente.
Ainda antes desse acontecimento já se pressagiava o
que poderia vir a acontecer. As ameaças, que inicialmente eram veladas,
acabaram por se revelar. De um lado, e muito por força de uma atmosfera de crescente nacionalismo e xenofobia,
de imediato surgiu a ameaça de novas consultas referendárias, não só dentro do
próprio Reino Unido (RU), pela Escócia, mas também de outros países como a Holanda, a Dinamarca, Suécia, Itália e
mesmo a França (aqui por reclamação da Frente Nacional), vincando assim o
eurocepticismo que grassa. Por outro, temos as consequências económicas. A turbulência
nas bolsas pós-Brexit logo obrigou o BCE e o banco de Inglaterra a injectar liquidez
financeira nos mercados, mantendo-se ainda a incógnita sobre como se irá
comportar a economia nos próximos tempos, quer no espaço europeu, quer mundial.
Vai provavelmente acentuar-se o desequilíbrio político e económico entre Berlim e Paris, em parte devido à debilidade
do governo de Hollande, que tinha no RU uma espécie de contrapoder.
Não surpreende de todo esta conturbação que se vive
no seio da Europa. Os sinais já eram visíveis há longo tempo, assim como os
alertas dados. À crise financeira de 2008, seguida de uma longa crise
económica, juntou-se o problema dos refugiados, o crescimento de fenómenos
xenófobos e extremistas, o terrorismo e o sentimento de insegurança e, claro
está, a austeridade imposta.
Malgrado toda esta conturbação política, económica
e social, parece confirmar-se o que alguns vaticinavam, ou seja, que os líderes
europeus pouco ou nada aprenderam com o Brexit. Aliás, a primeira reacção a
este, foi o início de uma pressão e chantagens inconcebíveis de Bruxelas sobre
o RU para que acelerasse a formalização da sua saída, ao mesmo tempo que ameaçava
com uma resposta musculada para outros pretendentes a “exits”!
Esta Europa, longe
da idealizada pelos seus pais fundadores, encontra-se subordinada a um directório
de burocratas, cuja política se resume à obsessão pelo limite de défice imposto
pelo Tratado Orçamental e à urgência em vedar a vaga de refugiados. Sobre a
primeira, aos prevaricadores é dado um tratamento diferenciado. Portugal e
Espanha têm de ser castigados. França, por exemplo, “porque é a França”, como
diz Juncker, é-lhe concedido mais tempo para por as contas em dia! Esta forma
diferenciada no tratamento de Estados da UE não surpreende, na medida em que se
sabe que há muito que é defendido a criação de dois blocos de países. As
movimentações políticas vão nesse sentido.
Em meados de Julho do ano passado o presidente francês propunha a
constituição de uma "vanguarda" da União Europeia, que, e segundo o
seu primeiro-ministro, Manuel Valls, seria composta pelos países fundadores da
CEE. A ideia de um núcleo duro e de uma Europa
a duas velocidades não é uma originalidade gaulesa. O Parlamento alemão, através
de um manifesto do grupo CDU/CSU, da autoria de Schäuble, já dava conta dessa
intenção. Nele, o núcleo duro incluía, para além da Alemanha, a França, a
Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo. Ou como refere João Ferreira do Amaral, numa
entrevista à Rádio Renascença (12/07/2016), “um super-estado
europeu, a defender novos avanços na centralização de poder na União. Na área
da defesa, da economia, das finanças públicas querem criar um monstro ainda
maior de decisão única central (…)”,
retirando ainda mais autonomia aos parlamentos nacionais. Esta corrente de pensamento da direita germânica, apoiada por outros países do centro e do norte da Europa,
mantém a tónica na política de austeridade, pese embora as consequências
nefastas verificadas para a economia europeia. Não é por acaso que a recente
proposta do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, de responder ao Brexit
com mais flexibilidade orçamental, resolução dos problemas estruturais da
arquitectura institucional do euro, e mutualização das dívidas, foi recusada
pelo Partido Popular Europeu.
Algumas vozes têm vindo a
terreiro denunciar esta cegueira ideológica e o caminho perigoso a que ela está
a levar a Europa. Em entrevista à Renascença e
ao Observador no passado 4 de Julho, Pierre-Olivier Gourinchas, professor do
departamento de Economia da Universidade da Califórnia, defendeu que a Zona
Euro deveria criar um mecanismo permanente de reestruturação de dívida,
considerando ser esta uma solução para “aliviar o endividamento excessivo”, libertando
recursos para o investimento.
Xoan Mao, Secretário-Geral do Eixo Atlântico, num artigo recentemente publicado no JN (12 de Julho), defende que a União Europeia “não pode
continuar a ser a Europa dos burocratas e dos banqueiros. Não pode continuar a ser uma Europa distante dos cidadãos,
incapaz de falar com uma só voz e de recordar a sua filosofia fundacional. Uma
Europa de emigrantes e de exilados que agora fecha as portas aos que se vêem
empurrados pela guerra. (…) Mas toda a crise é também uma grande oportunidade.
E desta temos de tirar uma transformação da UE; de uma Europa dos cidadãos e da
liberdade. Uma terra multicultural de acolhimento e integração”.
Para finalizar,
tomo igualmente emprestadas as palavras de Rafael Barbosa, que defende que “só há um caminho capaz
de travar a estagnação e o declínio: aprofundar a união política e os
mecanismos de participação (e não apenas os de representação), atribuindo
poderes políticos a órgãos democráticos como o Parlamento Europeu e
retirando-os a órgãos burocráticos como a Comissão Europeia, reduzindo o
monopólio da Alemanha e seus satélites, reforçando o papel de regiões e
municípios. Em resumo, mais federalismo, mais democracia, mais proximidade,
igual a Europa” (JN – 23/06/2016).
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