Situado na cordilheira Trans-Alai, na fronteira
entre Quirguistão e Tajiquistão, o Pico Lenine alcança os 7.134 m de altura.
Originalmente chamado de Monte Kaufmann, é o segundo cume mais alto do Pamir e
o segundo mais alto da ex-União Soviética.
Foi precisamente desta região asiática que
regressei, há pouco mais de uma semana, depois de uma estadia de 23 dias, 17
deles passados em alta montanha.
A expedição contou com uma logística característica
das grandes expedições, que envolve vários campos de altura, cozinha, carregadores
e médico.
Para adaptação à grande altitude, os alpinistas
passam por aquilo que se designa de “aclimatação”, ou seja, um processo marcado
por mudanças fisiológicas, que decorrem dos efeitos provocados pela baixa
pressão atmosférica, pelo frio intenso e a rarefacção de oxigénio. Alguns dos
sintomas mais comuns sentidos pelos alpinistas são: a hiperventilação, tonturas
e vómitos. Para responder a tais sintomas, os alpinistas necessitam de ir
subindo gradualmente, parando pelos diferentes campos de altura, onde se
encontram estaladas tendas, onde terão de repousar, regressando posteriormente aos
anteriores, incluindo o primeiro, o campo base. Este percurso de “sobe e desce”
ocorre as vezes que forem necessárias, até o corpo se adaptar à altitude e
estar pronto para o ataque final ao cume. Além disso, uma boa hidratação
torna-se imprescindível. A alimentação, que deverá vir de trás, do período
pré-montanha, deverá incluir naturalmente hidratos de carbono, proteínas,
vitaminas, minerais, barras e bebidas energéticas (que reúnem vários
nutrientes) e muito chã. E foi assim que aconteceu. Além do campo base, ponto
de partida, estavam montados mais 3 campos de altura, com desníveis a rondar os
900 m de altura entre eles. O percurso cruza glaciares, de fendas profundas, e
zonas marcadas por avalanches pontuais, como tive a oportunidade de assistir
por duas vezes… à distância!
Nos primeiros 10 dias a aclimatação decorreu bem,
sentindo-me bem fisicamente e motivado. Durante este período alcancei,
inclusive, um “ombro”, ou se preferirmos, um pico secundário do Pico Lenine, o
Razdelnaya, com 6.148 m de altitude.
Contudo, na última semana senti um ligeiro
decréscimo na minha condição física. Nada que, entretanto, me afectasse a
determinação em conseguir o meu principal objectivo: o cume.
No dia do ataque ao cume, a 8 de Agosto, iniciado
às 3 da madrugada a partir do campo 3, acabei por ser traído pelo meu próprio equipamento.
O que vou dizer parece erro de principiante ou de amador, mas certo é que
acabei por perceber, e sentir na pele, que quer as minhas botas, quer as minhas
luvas não eram as indicadas para as baixíssimas temperaturas que se fizeram
sentir (e que ali são habituais), e que rondavam os -18°C. Comecei a perder a
sensibilidade nalguns dedos das mãos e dos pés. A dada altura passei a ter
dificuldades em segurar os bastões, importantes instrumentos de apoio na
progressão no terreno. Ainda fiz várias tentativas, mas logo um caso me veio à
memória. Tratou-se de um alpinista que, uma semana antes, e na mesma montanha,
sofreu congelações e consequentes amputações de dedos das mãos”. Ora entre conservar
os meus dedos ou alcançar o cume, optei naturalmente pela primeira opção.
Assim, passada uma hora de ascensão, e aos 6.300 m de altitude, dei meia volta
e voltei ao campo 3. São sempre decisões difíceis de tomar, mas o bom senso tem
necessariamente de prevalecer. Quando o tempo ou as condições de terreno não
ajudam, ou, como neste caso, o equipamento não é adequado, o melhor mesmo é dar
prioridade à vida, em detrimento do cume. Este continuará a estar lá para novas
oportunidades.
Agora, para além de ter de recuperar os 6 kg de
peso que perdi, ainda necessito de algum tempo para reaver a sensibilidade total
de dois dedos.
Apesar de não ter alcançado o cume do Pico Lenine, não
deixo de valorizar a experiência enriquecedora que vivi, única, diria. Para
além do conhecimento adquirido sobre a logística e a responsabilidade que
comportam uma expedição “a sério”, fiquei ainda mais motivado, com mais vontade
e determinação em continuar a lutar pelos meus projectos de montanha, e por
novas ascensões.
O próximo passo será fazer um peditório para umas
botas e luvas de expedição, que não são nada baratas!
Sem comentários:
Enviar um comentário