Há cerca de três semanas foi tornado público um
estudo sobre indisciplina nas nossas escolas, que dá pelo título, "2º Estudo Sobre Indisciplina em Portugal com Dados da Escola (2014-2916)". A pesquisa, da autoria de
Alexandre Henriques, incidiu sobre 47 Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas públicas, que forneceram os dados necessários, com base num conjunto
de medidas disciplinares aplicadas pelas mesmas, de acordo com a Lei
n.º51/2012, de 5 de Setembro, mais conhecida por Estatuto do Aluno. Para
um conhecimento mais detalhado do estudo bastará aceder ao blogue do seu autor:
ComRegras. Por isso, focarei apenas alguns aspectos que considero mais
pertinentes.
Embora merecendo o estudo todo o meu respeito e
apreço, importa deixar claro que qualquer generalização abusiva (algo muito
caro à imprensa tablóide, a alguns comentadores incendiários, que confrangem
pela sua ignorância gritante, e ao senso comum) poderá induzir em erro o mais
comum dos mortais, e até mesmo alguns docentes ou outros membros da comunidade
educativa. Desde logo, e como o próprio autor sublinha, das 47 escolas, 15 não apresentaram
dados referentes aos dois anos lectivos em análise (2014/2015 – 2015/2016).
Para além do próprio crescimento da indisciplina nos últimos anos, Alexandre Henriques alerta para a forma descuidada como se está a lidar com esta problemática e para os
riscos do seu agravamento. E aqui,
acrescento, ninguém está isento de responsabilidades, sejam governos,
sociedade, pais e encarregados de educação, direcções de escolas, professores
ou funcionários. O mea-culpa tem de ser assumido, por muito que isso fira o
orgulho ou perturbe a jactância de alguns.
Dada a extensa lista de propostas para reduzir os índices de
indisciplina apresentadas por Alexandre Henriques, destacaria apenas as seguintes: a formação/orientação dos directores escolares; a
desburocratização do estatuto do aluno; a inclusão na formação de base de
futuros docentes de uma componente teórico-prática de gestão/mediação de
conflitos, uma formação extensível ao corpo docente e não docente em exercício;
simplificar os percursos alternativos, dando-lhes uma forte componente prática,
reduzindo a sua carga lectiva e apostando na formação cívica dos alunos;
responsabilizar de forma efectiva os encarregados de educação que não cumpram
com as suas obrigações, nomeadamente quando não comparecem à escola. Sobre
esta última questão, os dirigentes da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e da Associação Nacional de
Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, respectivamente, Ramos Pereira e
Filinto Lima, são unânimes na denúncia do desapego de muitos dos principais responsáveis
pela educação do aluno, entenda-se, os pais. Uma realidade que naturalmente os
docentes, como eu, conhecem a fundo.
Outra questão
de enorme relevância, também abordada pelos referidos dirigentes, e que
justifica em parte a questão da indisciplina, prende-se com o muito de negativo
que se passa na sociedade, onde, lembremos, estão inseridas as escolas. Na verdade
essa está pejada de maus exemplos, de quem é desonesto, de quem foge à responsabilidade, de corrupção, de vandalismo, crimes, etc. Esses maus
exemplos, por vezes vindos das famílias, de políticos ou governantes, ao não
serem denunciados e combatidos exemplarmente, levantam sérias questões de
ética. Certamente que os jovens se sentirão legitimados para os reproduzir! São,
por isso, potenciadores de indisciplina em meio escolar.
Outras situações que não abonam a favor do combate à indisciplina são: a constituição dos mega agrupamentos; a extensão do
currículo e o elevado número de disciplinas; o uso de métodos de ensino e
modelos de aprendizagem ultrapassados; a resistência ao uso das novas
tecnologias nas salas de aula; as matérias desinteressantes; a falta de
recursos (materiais e humanos); a fraca participação dos alunos na discussão e
criação de documentos estruturantes da escola (Projecto Educativo, Regulamento
Interno, Plano Anual de Actividades, etc…), e também a desvalorização da
profissão docente. Sobre esta, importa salientar que a motivação dos
professores, imprescindível ao bom funcionamento do processo de
ensino-aprendizagem, está fortemente afectada pela legítima falta de
perspectivas de valorização das suas carreiras profissionais por parte da
tutela. Lembro que há vários anos que a sua progressão se encontra congelada.
Como se não bastasse, os professores ainda têm que lidar com uma sobrecarga de
tarefas administrativas impostas pelas direcções de escolas. Nalgumas delas tal
é feito de forma cirúrgica e discricionária, ou seja, recaindo o “fardo” sempre
sobre os mesmos, enquanto outros gozam de um descanso ad eternum!
Por último, o locus onde os casos de indisciplina
são mais frequentes: a sala de aula. Aqui há algo que é sagrado: os alunos interessados não podem ser prejudicados pelos que não estão. Face à perturbação na aula, o professor deve ser o garante da estabilidade. A sensação de indisciplina parte muitas vezes das pessoas mais débeis, professores mais sensíveis. E estes merecem um respeito que deve vir logo trabalhado de fora, pelas famílias. O sistema está feito para perdoar, para retirar o estímulo ao castigo. Mas isso, e a nível de escola, pode ser acelerado através de uma resposta, melhor dizendo, punição célere e justa. E essa justiça acaba, mais cedo ou mais tarde, por ser compreendida e aceite pelo aluno, porque acabará por perceber que ela representa um combate à arbitrariedade, seja na escola ou na sociedade. Caso contrário a impunidade é um benefício para os infractores. Por isso, direcções escolares, funcionários e até alguns docentes não podem eximir-se das suas responsabilidades.
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