Com o despacho nº
9311/2016, de 21 de Julho, o Ministério da Educação (ME) criou um grupo de
trabalho, coordenado por Guilherme de Oliveira Martins, a fim de elaborar um
documento que viria a designar-se por “Perfil dos alunos à saída da
Escolaridade Obrigatória”, e que
representa a base para a definição das aprendizagens essenciais e
flexibilização do currículo. O documento esteve em consulta pública até 13 de
Março, abrangendo alunos, professores e diversas entidades, tendo daí resultado
vários contributos, especialmente através de pareceres. Mas antes de me
debruçar sobre estes, convirá apontar o propósito que nele perpassa.
Um dos atributos que lhe tem sido consignado é o de ser “marcadamente
humanista”. Um perfil, como podemos ler no prefácio do documento em questão,
que considera “uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como
valores fundamentais”. Esclarece-se ainda que o propósito não é o de tentar uma
uniformização, “mas sim criar um quadro de referência que pressuponha a
liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si
próprio, a inserção familiar e comunitária e a participação na sociedade que
nos rodeia”, com vista a “criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a
compreensão, a criatividade e o sentido crítico (…), de formar pessoas
autónomas e responsáveis e cidadãos activos”. De modo a trabalhar para este
desiderato, de preparar o aluno para a complexidade do mundo, proporcionando-lhe
as condições e meios necessários para desenvolver as competências que lhe
permitirá aprender ao longo da vida, o Perfil elenca um conjunto de princípios,
valores e competências-chave, que vale a pena consultar no sítio do ME.
O Director do Departamento de Educação e Competências da OCDE, Andreas
Schleicher, que acompanhou a equipa que, ao longo de meses, elaborou o “Perfil
dos Alunos”, esteve em Portugal na sua apresentação, ocorrida no dia 11 de
Fevereiro. Em sintonia com o documento, Schleicher defendeu que o ensino não se
pode limitar à mera transmissão do conhecimento académico ou reprodução de
matérias, mas sobretudo numa formação integral, assente em valores como a
perseverança, resiliência, consciência, ética, coragem e liderança. Como sublinha,
“as competências sociais, o pensar de forma diferente e a criatividade são
determinantes”. Para tal, recomenda a flexibilização do currículo, no sentido
de favorecer o trabalho experimental, interdisciplinar e de projecto.
O ME ainda não fez o balanço da consulta pública do projecto/documento em
questão, até porque aguarda por mais pareceres, como o do Conselho Nacional da
Educação, e também porque ainda estão em curso sessões de esclarecimento e
auscultação com as confederações de pais, associações de directores e outros
organismos. No entanto, dos pareceres já tornados públicos, a maioria coincide
na conclusão de que a sua aplicação recomenda, naturalmente, ajustamentos em programas,
currículos, cargas horárias das disciplinas, calendário escolar, modelo de
avaliação, etc., e ainda a libertação dos professores da carga burocrática a
que estão sujeitos.
Um precioso contributo chegou das associações de
professores que representam a generalidade das disciplinas do ensino básico e
secundário, através de uma carta conjunta. Embora não deixando de fazer
recomendações, o parecer é globalmente positivo. Logo no primeiro parágrafo, a
carta é clara no seu apoio ao projecto do Perfil, quando sublinha que, “se o
sentido da educação é preparar os jovens para lidar com os problemas inerentes
às sociedades multiculturais e tecnológicas (…), deve dotá-los, por um lado, de
um domínio acrescido de competências emocionais, sociais, interculturais e de
gestão da informação e, por outro, de maior capacidade de adaptação e de
flexibilidade para solucionar problemas mobilizando conhecimentos, ferramentas
e aplicações que se multiplicam em permanente evolução”. Entre outras questões,
destacam o papel e a importância de todas as áreas disciplinares no incremento
dos valores e competências assinalados no Perfil, e o trabalho
interdisciplinar.
Na passada quarta-feira, dia 23, durante uma sessão
de esclarecimento para jornalistas, o ministro da Educação garantiu que a
gestão flexível do currículo, ou como prefere chamar, a “flexibilização
pedagógica”, irá avançar no próximo ano lectivo nalgumas escolas, através de um
projecto-piloto, abrangendo apenas os 1º, 5º, 7º e
10º anos.
Mas para que o documento do Perfil não passe de uma
carta de boas intenções, urge resolver um outro problema que encalha todo o
processo. Trata-se do actual modelo de gestão escolar. Fica bem evocar o
interesse dos alunos, mas depois, e na prática, verifica-se que nem tudo
concorre para esse fim.
De modo genérico, o documento do Perfil eleva a
necessidade da Escola contribuir para formar cidadãos críticos, responsáveis,
autónomos, interventivos, recomendando ao mesmo tempo uma pedagogia participativa
e democrática. Ironicamente, tudo isto num espaço que funciona em sentido contrário!
Hoje temos nas escolas um órgão unipessoal, na figura do director, escolhido por
um pequeno grupo de intervenientes/interesses, em detrimento da eleição pela
comunidade escolar. Ora esta forma de governo presta-se a todo o tipo de arbitrariedades.
O actual modelo de gestão pouco tem de democrático. O Conselho Pedagógico foi
desvalorizado. Na prática deixou de ser consultivo para passar a ser
“auditivo”, esvaziado de competências de decisão. Os seus membros praticamente
não são tidos nem achados, como aliás acontece com a generalidade dos
professores. Tudo isto afecta indiscutivelmente a motivação e entrega destes
profissionais, que é condição sine qua
non para qualquer reforma educativa que se queira pôr em prática.
1 comentário:
Como sempre atual, claro, pertinente e incisivo.
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