Desde há cerca de três décadas que ouvimos críticas
(justíssimas, diga-se) dirigidas aos sucessivos governos, a respeito da mísera percentagem
do PIB recorrentemente atribuída à cultura. É sobre esta questão que se deveria
actualmente centrar a atenção, em vez da guerrilha fastidiosa instalada entre os
aficionados e os críticos das touradas. A despesa com a cultura nunca passou de
escassas décimas percentuais do PIB. Só para ter uma ideia, e segundo dados da
Pordata, entre 1995 e 2017 variou entre os 0,1% e os 0,4%. E também ainda não é
no orçamento de Estado para 2019 que vamos ver o tão ansiado 1% de despesa (melhor
dizendo, investimento) do PIB neste sector. Aliás, desde de 2013 que
ininterruptamente ficamos pelos 0,1%, o mais baixo de sempre. Portanto, a “tróica”
mantém-se na cultura! Um governo, um país, uma nação que não coloca nas suas
prioridades o investimento na cultura, não pode aspirar a níveis elevados de
desempenho nos mais variados planos, seja político, económico, educativo ou
social.
Ao nível autárquico outras formas de indignação se
levantam sobre o tema em questão. Não tanto a respeito do montante atribuído à
cultura pelos municípios, mas sim o que dentro da agenda cultural consideram
prioritário. Deixando de parte o investimento na construção ou recuperação de
equipamentos culturais ou na promoção do património, tradições ou certames do
concelho, só para dar alguns exemplos, percebe-se que algumas autarquias têm
uma lista de prioridades (porventura alinhada com aquilo que poderá trazer, no
futuro, algum retorno eleitoral), no que respeita às artes do espectáculo e às
artes visuais. Sobre estas últimas, a minha experiência tem-me dado a conhecer algumas
situações pontuais de
clara discriminação, nalguns casos revestida de sobranceria, com que algumas
delas tratam os artistas, em especial os artistas plásticos, no momento da
discussão das condições necessárias para acertar uma eventual exposição.
De um modo geral, e no que me toca, até nem me
posso queixar. As várias exposições de pintura que já levei a cabo em vários
municípios resultaram de uma compreensão e respeito mútuos. No entanto, pontualmente
lido com casos que têm tanto de hilariante como de indigno, ao mesmo tempo que
são reveladores da impreparação de certas pessoas para dirigirem um pelouro da
cultura. Seja um vereador, seja alguém a quem sejam delegadas competências
neste departamento. Alguns amigos, pintores e escultores, vão-me dando
naturalmente conta de iguais experiências.
Ora é sabido que em muitas autarquias não faltam
recursos nem dinheiro para apoiar certas actividades culturais, muitas delas de
qualidade duvidosa, desde que tais satisfaçam as massas… Falamos em valores na
ordem das centenas ou milhares de euros. Escuso-me a dar exemplos dessas
actividades. Mas quando se trata de uma exposição de artes plásticas, aí surgem
as mais variadas restrições, especialmente financeiras, para logo colocar um
impasse ou mesmo abortar a realização de tal evento. Passo a dar um exemplo.
Para concelhos que distem da minha residência mais de 60/70kms coloco como
condição legítima, o pagamento das despesas de deslocação. Na generalidade dos
casos, isso traduz-se em montantes que têm variado entre os 50€ e os 150€,
dependendo obviamente da distância. Lembro que esses valores (uns trocos para
um município!) incluem duas deslocações: uma para a montagem da exposição e
outra para a desmontagem. Dá-se o caso que em contactos com algumas autarquias,
habitualmente feito por correio electrónico, depois de estabelecer acordo
acerca da logística que uma exposição normalmente implica, sempre feito sem
qualquer entrave, eis que se segue um silêncio absoluto após a apresentação da
condição do pagamento das despesas de deslocação! A inicial conversa simpática
e cordial repentinamente dá lugar à retirada. Compreendo o silêncio, pois fosse qual fosse a resposta, seguramente que seria pouco abonatória para as edilidades, pois poria a nu a miopia que nalgumas delas abunda!
Portanto, os munícipes desses concelhos e
visitantes ficam privados de fruir da arte, de um sector da cultura, pelo facto
de determinado autarca entender que os artistas plásticos não têm, bem
entendido, estatuto para colocar tamanha e ousada condição!
E que dizer daquelas autarquias que, para que um
artista plástico possa expor num dos espaços sob alçada da autarquia, exigem a
oferta de uma das suas obras?! A esses repondo sempre o mesmo: “não ofereço
pinturas, vendo-as!”
1 comentário:
Caro amigo,
Não leves a mal a reação de quem não tem sensibilidade para a arte, pois o lugar que ocupa foi o que saiu aleatoriamente do pote. O seu contato com a arte nalguns casos inicia com as responsabilidades inerentes à sua vereação estando presentes em exposições, concertos, teatros e tudo isto sempre num registo de convite, logo, não esperes que valorizem monetariamente o/a artista. Salvaguardo obviamente os muitos casos em que a realidade é bem diferente felizmente.
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