“É muito difícil, senão impossível, explicar a
um néscio a importância da cultura, pois ele
não tem cultura para perceber a falta dela”.
A citação que serve de intróito a este texto é do
escritor Afonso Cruz, e colhi-a de um artigo intitulado “Ler”, que o próprio
publicou no Jornal de Letras (de 30/01 a 12/02/2019), sendo que a ideia que
nele perpassa é a da importância da cultura “como de pão para a boca”.
O autor começa por relatar uma situação que se
passou com ele em Tunes. Num passeio pela capital tunisina, na companhia de um
grupo de escritores da terra, durante a conversa considerou a cidade segura. Um
dos elementos do grupo, Mohamed, corrigiu-o, dando-lhe conta de um episódio que
ocorrera com este e mais dois amigos, em que tinham sido vítimas de um assalto.
Acontecera que os larápios levaram carteiras e telemóveis, tendo escapado ao
furto um alaúde caríssimo. O dono do instrumento musical revelou-se aliviado
por não ter ficado sem o seu bem mais precioso, ao mesmo tempo que se
considerava um sortudo pelo facto de os ladrões não terem reparado nele. Em
desacordo, Afonso Cruz concluiu que os ladrões teriam reparado no instrumento
musical, só que não lhe atribuíram grande valor. Como sintetiza: “Até para
roubar é preciso cultura. O ignorante nunca saberá o que vale a pena roubar”. E
acrescenta: “Isso é válido para o ladrão de rua bem como para o especulador ou
político corrupto”.
Noutro ponto do texto Afonso Cruz relata a
história, também passada na Tunísia, um ano antes da revolução, com um
professor universitário, que foi forçado ao exílio apenas por ter lido, durante
um programa televisivo, algumas passagens do Ensaio sobre a Lucidez, de José
Saramago, que versavam a questão das acções ilegítimas e antidemocráticas de
certos governos. Afonso Cruz lembra o que muitos de nós sabemos: a ameaça que a
cultura representa para regimes autoritários, que não têm pejo em perseguir e
censurar escritores e artistas, chegando ao ponto de os condenar ao desterro ou
mesmo a eliminá-los. Mas mesmo nos regimes democráticos a intelectualidade
causa, por vezes, incómodo ou azia a alguns políticos. Se dependessem deles, se
pudessem, quantas vozes não tentariam emudecer? Basta lembrar a pressão junto
da imprensa que alguns deles levam ou já levaram a cabo para evitar que uma notícia
viesse a público pô-los em cheque.
Aqui chegados, importa ressaltar o valor das letras
e das artes, enquanto veículos de produção e fruição de conhecimento e cultura.
Falo evidentemente da cultura não como mero entretenimento, mas como via para o
sustento e elevação do espírito humano. O menu da cultura é vasto. Serve-nos
ética, estética, criatividade, consciência e responsabilidade social, humanismo
e por aí adiante. Todas elas componentes indispensáveis e por isso
determinantes para o exercício da cidadania crítica e participativa.
Eis aquela que deveria ser a prioridade das
prioridades na educação e no sistema de ensino, ao invés das sucessivas
reformas e contra-reformas, feitas ao sabor ou capricho dos sucessivos
governos; da reciclagem de diplomas, currículos, orientações, metodologias e
toda uma panóplia de documentos e instrumentos que mais não fazem do que criar
confusão e intranquilidade nas escolas.
Para encerrar, e a bem propósito das reivindicações
a que vamos assistindo no nosso e noutros países, volto ao artigo de Afonso
Cruz, para recolher e aqui deixar uma citação que o próprio faz de García
Lorca: “E desde já ataco violentamente os que apenas falam de reivindicações
económicas sem nunca mencionar as reivindicações culturais (…) Que gozem todos
os frutos do espírito humano porque se assim não for será convertê-los em
máquinas ao serviço do Estado, será convertê-los em escravos de uma terrível
organização social (…)”.
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