Há cerca de um mês, mais precisamente a 30 de
Junho, o Jornal de Notícias (JN) publicava um artigo que se debruçava sobre uma
realidade que se verifica há vários anos no nosso país, e que embora não sendo
de todo surpreendente não deixa de revelar pormenores interessantes sobre as
características de determinada franja do eleitorado luso.
Partindo de uma série de entrevistas feitas a alguns
investigadores, o JN apresentava um retracto do comportamento dos portugueses, no
momento da ida às urnas. Maria Antónia Pires de Almeida, José Adelino Maltez, Carlos
Jalali e Luís de Sousa foram alguns dos investigadores que contribuíram com os
seus preciosos conhecimentos sobre o tema em questão, fruto dos vários estudos
que vêm desenvolvendo há longo tempo.
No referido artigo, o JN começava por dizer que “os
portugueses têm tendência para amnistiar os políticos e tolerar o fenómeno da
corrupção, optando por não fazer qualquer tipo de punição eleitoral, sobretudo
a nível local.” A questão não surge por acaso. É do conhecimento público que
são muitos os ex-autarcas, alguns deles figuras bem populares, que regressam para
a corrida às autárquicas de 1 de Outubro. Curioso é verificar, tal como é dito
no artigo, que “alguns candidatos com processos a decorrer e até condenados
conseguem ser reeleitos.” O mais preocupante, como salienta a investigadora
Maria Almeida, é a amnistia popular dada a esses autarcas, sabendo-se, como revelam
os estudos, que “a longevidade com que grande parte dos presidentes permaneceu
no cargo potenciou casos de clientelismo, falta de transparência e corrupção.”
A investigadora adianta que mais de metade dos eleitores portugueses (53%)
aceita a corrupção desde que “praticada por uma boa causa”, e cerca de dois
terços (61%) toleram o fenómeno desde que isso resulte em benefícios para as
populações. José Adelino Maltez refere que este comportamento verifica-se no
eleitorado que se situa na faixa etária entre os 40 e os 60 anos, como diz,
“habituado a votar em padrinhos”. O investigador acrescenta que o eleitorado
mais jovem é o que tem mais tendência a punir esse tipo de autarcas.
A propensão para tolerar actos ilícitos ao nível
local parte, essencialmente, de um conceito, há muito enraizado, que espelha
uma visão distorcida do que deveria ser o exercício governativo autárquico numa
sociedade democraticamente evoluída. Carlos Jalali ilustra-o da seguinte forma:
“o eleitor escolhe mediante um leque de opções, empregando expressões como
‘este pelo menos fez’; por outro lado, a simpatia que nutre pela pessoa leva-o
a desvalorizar os factos”. Na versão de Luís de Sousa, trata-se do “autarca
Robin dos bosques”, acerca do qual o dito eleitorado, na altura de votar,
justifica: “pode ser corrupto mas fez obra.”
De um modo geral vemos pessoas, no dia-a-dia, a
condenar este tipo de comportamento, os desvarios da governação, mas na hora de
decidir pela honestidade, seriedade e rigor, aí a mão não treme, e a condescendência
prevalece. Ora este padrão de comportamento é revelador de uma falta de ética, sentido
de justiça e rigor cívico, que nos deveria envergonhar. Não ter um sentido
crítico e fiscalizador e, quando justificável, uma atitude punitiva da
actividade governativa, é colocar em causa a qualidade da própria democracia. É
contribuir para um sistema vicioso em que a factura, mais cedo do que tarde,
acaba sempre por ser paga pelos mesmos, inclusive pelos tais que proferem as
expressões atrás descritas para justificarem o seu voto!
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