O ano lectivo acaba de terminar e o próximo já se começa a desenhar.
Contudo, as perspectivas não são as melhores. As medidas que o actual governo
tem tomado fazem com que a grande nuvem negra, que há muito tempo paira sobre as
escolas, se vá adensando. Um diploma recentemente publicado em Diário da
República (Despacho Normativo n.º 13-A/2012, de 5 de Junho), que define a
organização do próximo ano lectivo, levanta as maiores dúvidas e preocupações
quanto ao futuro da educação. Sob a forma de um presente envenenado oferecido
às escolas, o Ministro da Educação, Nuno Crato, juntamente com a sua equipa,
urdiu um plano que terá como resultado mais imediato, o despedimento de
milhares de professores. Os números oficiais serão conhecidos em Setembro.
Depois de uma revisão curricular recheada de contradições e
de propósitos artificiosos, à qual se juntam a constituição de mega agrupamentos
escolares e o aumento do número de alunos por turma – medidas única e puramente
economicistas –, este novo documento traça uma nova sentença às escolas:
despedimentos e enfraquecimento do edifício educativo. Valendo-se da flauta de
Hamelin, Nuno Crato toca uma melodia, cuja letra vem recheada de palavras muito
sonantes e sedutoras, com versos notáveis, tais como, e só para citar uns
poucos, “estabelecer mecanismos de exercício da autonomia pedagógica e
organizativa de cada escola”, “conferir maior flexibilidade na organização das
actividades lectivas”, “aumentar a eficiência na distribuição do serviço”,
“valorizar os resultados escolares”, com o sub-reptício propósito de enfeitiçar
e encerrar na “caverna” directores de escolas e professores, à semelhança do
que narra o conto folclórico alemão dos Irmãos Grimm, a que aludo. Mas, de
facto, a palavra que mais se destaca, não só pela frequência com que surge no
referido diploma, mas também, e como dizia, pela ilusão que pretende criar
junto dos mais incautos, é a palavra “autonomia”. Apesar da mesma, e num
primeiro momento, sugerir “liberdade” ou “independência”, a verdade é que, tal
como muito bem resume o Professor Santana Castilho, ela não passa de “uma autonomia cínica (…), decretada, envenenada
por normas, disposições, critérios e limites. Uma autonomia centralizadora,
reguladora, castradora (…)”. Uma autonomia que visa “transferir para o director
(que não é a escola) competências blindadas por uma burocracia refinada (…)”[1].
Dirigindo-se recentemente ao Ministro da Educação através de
uma carta aberta, a propósito das medidas que vêm sendo adoptadas por este,
Santana Castilho, a dada altura, diz o seguinte: “Passos Coelho encarregou-o, e
o senhor aceitou, de recuperar o horizonte de Salazar e de a reduzir [a educação] a uma lógica melhorada do
aprender a ler, escrever e contar”[2].
Pois, na verdade é o que assistimos hoje, quando este nosso governante nos vem
falar de “disciplinas estruturantes” ou “fundamentais”, entenda-se, o Português
e a Matemática, sobrevalorizando-as relativamente às demais, fazendo ainda
renascer a cultura de exames formatados, selectivos e discriminatórios de
outrora.
Com este novo despacho o Ministro da Educação vem objectivamente aumentar o horário de trabalho
dos professores (uma matéria que o Estatuto da Carreira Docente obriga a
negociação com os sindicatos); reduzir o tempo destinado a cargos de natureza
pedagógica, como é o caso das trabalhosas e desgastantes direcções de turma; reduzir
consideravelmente as horas disponíveis para a gestão das escolas; reduzir o
tempo destinado ao desporto escolar, e, mais surpreendente ainda, determinar que
os docentes possam leccionar qualquer disciplina, seja de que ciclo ou nível de
ensino for, independentemente do grupo de recrutamento, bastando para tal que o
docente seja detentor de “certificação de idoneidade”(!), e que o director aleatoriamente
assim o decida.
Levanta-se a questão: como irão as escolas organizar o
próximo ano lectivo? Vão os seus directores – que, como muito bem dizia Santana
Castilho, não são a escola – seguir religiosamente a cartilha impingida pelo
Ministério da Educação, ou terão a coragem e lucidez de desenvolver todos os
esforços necessários para garantir, simultaneamente, os postos de trabalho de
professores que são efectivamente necessários às escolas, um ambiente de
trabalho saudável (que há muito anda arredado das escolas), e uma educação e
formação que fomente o
pensamento crítico, a cidadania participativa, a curiosidade científica, a
criatividade, o conhecimento e o interesse pela arte, literatura e cultura?
2 comentários:
Rui Duarte, deixaste-me extasiada... Continua, vais ser o próximo Santana Castilho!
O mais provável é que venha a ser um Sacana (de um) Castigo!!!
Bjs.
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