“(…) as humanidades e as artes proporcionam
competências
essenciais para manter a democracia de boa saúde (…)”
Martha C. Nussbaum
Este é o título dado a um livro de Martha C. Nussbaum,
filósofa norte-americana com uma vasta obra sobre temas diversos, dos quais
destacaria a filosofia grega, a filosofia política e a ética. Publicado pela primeira
vez em 2010, o livro tem como subtítulo, “Porque precisa a democracia das
humanidades”. Num período em que várias democracias se vêem ameaçadas por
extremismos, pelo renascer de movimentos xenófobos e racistas, pela ascensão de
partidos de extrema-direita ao poder, juntando-se ainda as manifestações a que
temos assistido um pouco por todo o mundo, despoletadas pela morte do afroamericano
George Floyd às mãos de um polícia, a obra em referência merece ser lida, para
que paremos um pouco para reflectir sobre o rumo que humanidade perigosamente vem
seguindo. Tendo por base a maiêutica socrática, Nussbaum destaca a importância
central das humanidades em todos os níveis de ensino, discorrendo sobre as
razões pelas quais deverão ser consideradas incontornáveis para a criação de
cidadãos democráticos competentes e para a coesão social.
O título, “Sem fins lucrativos”, surge a propósito
de uma certa mentalidade instalada, que começa desde logo em casa, mas que está
igualmente presente na sociedade em geral, nos governos e no ensino. Qual o pai
ou mãe que não sustem a respiração quando um filho decide enveredar por um
curso superior de artes ou de humanidades? Logo são tomados pela preocupação
com o futuro económico ou financeiro do seu educando, revelando, deste modo, um
ponto de vista centrado apenas na rentabilidade. Nussbaum rejeita a ideia de
que a educação seja vista, acima de tudo ou quase em exclusivo, como um
instrumento para o crescimento económico. Tomando como principal exemplo o
sistema educativo americano, a autora ilustra vários casos em que as
humanidades e as artes têm sido subalternizadas nos diferentes níveis de ensino,
destacando o superior. Neste, a aposta continua a fazer-se nas ciências, nas
tecnologias, nas engenharias, na matemática e afins. As disciplinas que
permitem o estudo da literatura, das artes, da filosofia e de outras áreas das
humanidades têm sido paulatinamente eliminadas, por se considerarem “inúteis”
ou supérfluas, ficando os currículos esvaziados desta componente essencial ao
desenvolvimento do pensamento crítico e independente, do sentimento de
comunidade, de uma consciência ecológica e de uma cidadania plena. E assim estarão
os decisores a contribuir para que continuemos enredados neste mundo da “pós-verdade”
e dos “factos alternativos”!
No entanto, partindo de vários exemplos
elucidativos, a autora faz ver como as humanidades são importantes para a
inovação e para o tão desejado sucesso económico e empresarial. Inclusive cita
casos de responsáveis de grandes empresas que reconhecem a importância de ter
nos seus quadros mentes abertas, flexíveis, criativas, com pensamento crítico, com
capacidade de resolução de problemas, competências, estas, tão caras às
humanidades e às artes. Outro argumento apresentado pela autora, ao qual não
são indissociáveis as questões que atrás mencionei, quando me referia a
extremismos e aos acontecimentos que têm estado na praça pública, prende-se com
questões existenciais, com a nossa relação com os outros e com a cidadania.
Aqui, sublinho duas das conclusões de Nussbaum, quando defende o papel das
humanidades na educação do sujeito: a primeira, a de que a batalha por uma
democracia responsável e uma cidadania vigilante não só é urgente como possível
vencer; a segunda, e aqui cito, “Uma
educação adequada para viver numa democracia pluralista deve ser multicultural,
isto é, deve familiarizar os estudantes com alguns aspectos fundamentais das histórias
e culturas dos muitos grupos diferentes com quem partilham leis e instituições.
Estes devem incluir grupos de cariz religioso, étnico, económico, social e de
género”.
Em síntese, Nussbaum defende uma educação naquilo que
designa de “artes liberais” (e que abarca as humanidades e as artes), que
reconhece que o ensino superior deve preparar os estudantes não só para uma
carreira, mas também para uma plena cidadania e para a vida.
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