quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A mediatização da educação

A forma como os media têm abordado a educação em Portugal merece toda a atenção e preocupação daqueles que efectivamente a pensam e vivem, quer a nível profissional (professores, educadores, investigadores, entre outros), quer a nível social (pais, encarregados de educação, agentes de desenvolvimento local, etc.), quer a nível político (em particular, os governantes).
Na realidade, e salvo raras excepções, o que os media têm tornado público, mais não tem sido do que alguns episódios avulsos, que retratam, preferencialmente, casos que criam algum impacto visual ou algum murmúrio, e cuja à cabeça surgem os episódios de indisciplina ou violência escolar. Para além das generalizações abusivas, o mais gravoso encontra-se no facto de, por vezes, se pretender atribuir à abordagem destes e outros acontecimentos da mesma estirpe, um carácter empírico, que em nada corresponde à verdade dos factos, neste caso particular, à realidade educativa.
Alguns dos mais incautos opinantes, quando confrontados com questões de natureza educacional, recorrem (por vezes convenientemente) a curiosas figuras da praça pública para suportarem as suas teses. Estas figuras, ou falando em bom português, estes “pseudopedagogos” ou “pseudoespecialistas”, por vezes muito convenientes a certos decisores políticos, edificam o seus discursos com base no senso comum ou na demagogia. O conhecimento empírico produzido ao nível das ciências da educação parece-lhes obra de um conjunto de pensadores desafogados, que mais não têm feito senão promover aquilo que designam de laxismo ou incompetência no sistema de ensino. O fácil acesso aos media de que gozam permite-lhes produzir as reflexões mais despropositadas e infundadas, logo, sem qualquer conhecimento de causa.
Não fosse a mais recente sondagem realizada pela Gallup Organization[1] para o Fórum Económico Mundial, que coloca os professores na figura em que os cidadãos mais confiam, quer a nível mundial, quer no nosso país, facilmente se convenceria a opinião pública de que na educação e no ensino tudo é uma desgraça, ou que vai de mal para pior.
É verdade que muito há ainda a fazer para melhorar a qualidade do nosso ensino. Uma mudança de cultura escolar impõe-se, quanto mais não seja pelos avanços científicos e tecnológicos que se vão registando, enfim, pela própria evolução das sociedades. Mas duvido que tal se faça através de algumas políticas que vêm sendo implementadas, em especial aquelas medidas que apenas têm contribuído para desacreditar os docentes e a própria escola. Urge uma reflexão profunda sobre as reformas precipitadas, infundadas e avulsas como aquelas que se têm operado no nosso sistema de ensino. Os efeitos já se começam a fazer sentir: sobrecarga do trabalho dos alunos, redução do tempo disponível para a necessária socialização destes, limitação da autonomia dos professores e das escolas e atribuição de tarefas e responsabilidades que vão para além das suas competências, tentativa de forçar o branqueamento das taxas de insucesso e abandonar escolar, em detrimento da qualidade de ensino, através de legislação coerciva sobre os professores e a escola, etc. É sobre a abordagem destas e outras questões que gostaria de ver os media debruçarem-se, chamando à responsabilidade o poder político e a própria comunidade. Assim, sim, estariam a dar um contributo significativo para a melhoria da qualidade da educação. Estariam, deste modo, a prestar um efectivo serviço público.

Sejamos lúcidos e sérios. Se queremos realmente ter um conhecimento esclarecido sobre a problemática da educação e do ensino, sobre temas tão variados, como os da organização e administração educacional, do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, da investigação em educação, das competências e responsabilidades dos diferentes agentes educativos, da intervenção da escola na comunidade, das políticas educativas, da reformas curriculares, entre outros; se queremos efectivamente dar um contributo para a melhoria da qualidade da educação e do ensino, para a formação de cidadãos críticos e interventivos, deveremos, sim, recorrer e confiar nos mais distintos canais de informação especializados em educação. Falamos, por exemplo, da própria voz dos profissionais da educação, em particular, os professor e educadores, da literatura científica produzida, de alguns sítios da Internet, de seminários, congressos, fóruns, entre outros. Tais canais não têm como propósito contribuir para as audiências televisivas, mas sim para o desenvolvimento integral do sujeito.


[1] A Gallup Organization desenvolve estudos sobre a natureza e o comportamento humanos há mais de 70 anos. Fá-lo com base em pesquisas, ferramentas de medição, programas de desenvolvimento e serviços de aconselhamento estratégico, com o objectivo de ajudar as organizações e os indivíduos a potenciar o seu desempenho. Cf. http://www.gallup.com/.