domingo, 11 de dezembro de 2011

Antropologia complexa do facebooker

Arrebatador é, no mínimo, o adjectivo que se poderá aplicar ao mais recente estudo coordenado pelo antropólogo Rui Duarte, professor catedrático na Universidade do Planalto do Alvão. Trata-se de um estudo do tipo etnográfico, que recorreu à metodologia de investigação por inquérito, e que resultou de um árduo e prolongado trabalho levado a cabo por uma equipa multidisciplinar de investigadores, constituída por antropólogos, psicólogos, sociólogos, historiadores, pedagogos, engenheiros informáticos, exorcistas, um presbítero e ainda uma beata.
Segundo as palavras do Professor Rui Duarte, “o estudo mobilizou toda uma comunidade científica altamente credenciada e motivada para levar a cabo uma investigação séria e isenta, com o principal pressuposto de traçar o perfil psicossocioantropológico de uma espécie ainda pouco conhecida: o facebooker. O professor fez questão de realçar as dificuldades encontradas no terreno, durante as sessões de inquérito, sobretudo pelo facto do facebooker ser, em geral, uma personagem circunspecta, que tem algumas dificuldades em assumir tal epíteto.
Mas recuemos um pouco no tempo. O estudo recaiu sobre uma população/amostra de 2180 indivíduos, e decorreu na região do Alto Tâmega e Barroso. Aplicados os inquéritos e feita a análise cuidada dos dados, chegou-se a um conjunto de conclusões, deveras surpreendentes. Ao contrário do que o senso comum poderá julgar, o facebooker é, na realidade, uma figura complexa.
O Professor Rui Duarte e a sua equipa conseguiram definir não um, mas vários perfis do facebooker. Como sublinha o professor, “a tribo dos facebookers é constituída por subgrupos, com comportamentos distintos. De acordo com os dados fornecidos pelo inquérito, detectámos algumas manifestações anti-sociais entre indivíduos dos diferentes subgrupos”. Ao todo, o professor fala-nos de quatro subgrupos: os Ociosos (do latim otiosae), os Curiosos (do latim curiosus), os Sequiosos (do latim, sitientibus) e os Acéfalos (do latim acephalous).
Começando pelos primeiros, os Ociosos, o Professor Rui Duarte frisa que os indivíduos deste subgrupo utilizam o facebook com uma frequência moderada (ver quadro I) e, basicamente, por simples lazer, “tal como quem joga uma partida de sueca”, segundo palavras jocosas do professor. Tal como o nome indica, são indivíduos que vêem naquela rede social um espaço ocioso, um espaço de abnegação e por isso são, regra geral, indivíduos desafectados.
Os Curiosos aproximam-se dos anteriores no que respeita ao número de visitas ao facebook, mas distinguem-se quanto ao tempo de permanência (voltar a ver quadro I), para além da diferente concepção que têm deste espaço de interacção social. Diz o coordenador do estudo que as escassas e pouco demoradas visitas que operam têm como principal objectivo "passar em revista o 'cartaz de notícias/novidades', para sermos mais rigorosos, o chamado 'mural'”. Fazem-no, tal como os Ociosos, de uma forma descomprometida.
Os Sequiosos, os mais arrevesados segundo o Professor Rui Duarte, são indivíduos que sofrem de uma patologia, que o mesmo denomina de Facebookodependência Disfuncional. Os dados são claros e inequívocos a este respeito (impreterivelmente ver o quadro I). Segundo este estudioso, “este grupo levanta grandes preocupações e reservas, não só pelo facto de não admitirem que sofrem desta enfermidade, como também por recusarem submeter-se a uma terapêutica de recuperação. Estamos perante um caso preocupante de saúde pública”. Os elementos deste grupo, segundo o professor, sentem uma avidez em colocar conteúdos na sua página. Sequiosos, porque sentem um incontrolável desejo, cupidez, sede de saciarem inúmeras e variadas necessidades, desde as mais básicas – aqui cabem as de ordem afectiva e/ou libidinal (que tange o romanesco) – até às mais soberbas, tais como a notoriedade, o reconhecimento de uma identidade própria e singular, o ingresso na socialite ou simplemente a fuga a um certo isolamento geográfico ou social. Este grupo, ainda segundo o coordenador do estudo, “tem um código e rituais próprios. Desenvolve uma relação de cumplicidade, especialmente entre os membros do seu grupo, e muito raramente entre os dos outros, uma relação algo promíscua e concupiscente, que faz lembrar algumas das melhores obras da literatura neoclássica e romântica”.
Os Acéfalos, curiosamente o grupo em que eu inequivocamente me enquadro, caracterizam-se por serem indivíduos incapazes de desenvolver uma hermenêutica do facebook. O seu baixo nível intelectual, cognitivo, cultural e de literacia compromete-os de tal maneira, que são incapazes de fazer um balanço sobre as potencialidades daquela rede social. No entanto, acreditam que o facebook constitui uma necessidade perene para a sobrevivência e futuro do Homo Sapiens, tal como as de carácter fisiológico.




O Professor Rui Duarte fez questão de endereçar os melhores cumprimentos aos mecenas que financiaram esta investigação e a sua publicação pela Alvão Editores. São eles, a Academia de Ciências de Coito de Dornelas, a Junta de Freguesia da Lixa do Alvão, o Clube de Sueca de Tresminas, a Casa de Bordados de Rebordochão e Centro Paroquial de Nantes.
Por último, recomendo vivamente a consulta das obras elencadas na bibliografia abaixo apresentada, que serviu de suporte para o enquadramento conceptual do estudo aqui noticiado, que vale sobretudo pela sua variedade de autores, obras que vão desde o início século XX ao ano de 2014, pasme-se!



Nota: Para os interessados em acercar-se de uma análise mais aprofundada deste inestimável estudo, bastará aceder ao seguinte link: http://educator-mons.blogspot.com/

BIBLIOGRAFIA

DUARTE, Rui (1901). O Período Jurássico do facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1903). Freud e a psicoterapia aplicada ao facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1917). O facebooker e o milagre de Fátima. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1919). O facebooker no período pós 1ª Grande Guerra Mundial. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1938). O facebooker no período pré 2ª Grande Guerra Mundial. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1946). Traumas psicológicos do facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1955). As teorias behavioristas e construtivistas na perspectiva do facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1960). O facebooker e o Estado Novo. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1975). O facebooker e a Revolução dos Cravos. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1978). Construção da identidade do facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1986). O facebooker e a adesão à Comunidade Económica Europeia. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1990). O contributo do facebooker na Arte Contemporânea. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1994). O contributo do facebooker para a projecção das novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (1998). O facebooker e a Economia de Mercado. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2001). O facebooker na entrada do novo milénio. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2004). O Euro 2004 e o facebooker: uma promessa gorada. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2006). 2005, ano de criação do Prémio Nobel do Facebooker. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2007). Contributos de um facebooker para a Educação para os Media. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2008). O facebooker e o caso Madoff. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2009). O facebooker: um freelancer ou um insurrecto?. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2011). O facebooker e a Primavera Árabe: os primeiros passos para a democracia do tipo ocidental. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2010). A participação do facebooker nas orgias de Berlusconi. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2011). A crise financeira, o perigo da queda do euro e… do próprio facebooker!. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2012). O facebooker: uma figura inovadora e empreendedora. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2013). O facebooker: um boy ou um boi?. Paredes: Alvão Editores.
DUARTE, Rui (2014). O facebooker na presidência da (extinta) Comissão Europeia. Paredes: Alvão Editores.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Happy Birthday

E vão quatro! Pois é, quatro anos de vida deste singular blogue. Não, não é exagero, nem presunção minha, ora essa! Passem e repassem os olhinhos pelo seu conteúdo, esgravatem e esmiúcem bem cada artigo, cada imagem, cada vídeo, cada… aroma, e confirmem lá se isto não é verdade. Mas ainda que não consigam resistir à tentação de discordar, poderão sempre endereçar as críticas ao Provedor de Justiça. Acontece que tanto o meu blogue como a minha página no facebook têm um sistema de filtragem, que ainda antes de eu as ler trata logo de as eliminar.
Filosofia, ensaios, poesia, prosa, arte, educação, política, montanha, natureza, insânias, são alguns dos temas que são explorados no meu blogue, com uma quase total imparcialidade. Vejam bem que até aqui sou sincero e honesto.
Facilmente (creio eu!) verão que não é fácil traçar o meu profile. Que chique recorrer a estrangeirismos! Esperem só, e se eu não me esquecer, ainda vou recorrer neste texto ao latim. Levantando a ponta do véu, direi apenas e tão-somente que gosto do belo. Entenda-se aqui o termo em toda a sua amplitude. Não é que eu procure a mestria, mas as leis da Estética são claras quanto ao que na realidade representa a harmonia das formas, das cores, dos sons, das fragrâncias, das palavras, dos corpos… Falo de algo pelo qual me esforço por ter sempre presente, ainda que nem sempre bem sucedido! Aliás, e já agora, deixo uma sugestão: e porque não uma tese sobre este acervo que muito gentilmente vos coloco no regaço? De modo algum pretendo converter-me num objecto de estudo, mas ofereço-me para orientador pedagógico e espiritual da ditosa alma que se disponibilizar para levar a cabo esta inestimável e certamente auspiciosa empreitada. Hum, que tal!? Pensem bem, mas não de forma muito demorada, porque senão seguramente que a decisão tomada não será a meu favor.
Mudando de assunto, embora mantendo a mesma cadência, sempre que o meu blogue soma mais um ano de vida coloco um diaporama com fotos seleccionadas (aquelas em que estou mais formoso!), que decorrem dos meus momentos/aventuras na montanha… a minha grande paixão. Não digo que é a mulher, porque a montanha tem sido mais compreensível para comigo. Raramente me embaraça. E todos nós, homens, compreendemos bem como por vezes é embaraçoso e inconveniente ser interpelado pelas mulheres! Mas pronto, lá nos vamos entendendo, desculpa para aqui, desculpa para ali e tudo se resolve sem que se parta muita louça. E já que falo em Louçã, vejam bem se este dirigente político não tem razão, quando defende que deveria ser criado um banco para receber uma das fatias do empréstimo da troika ao nosso país destinada a recapitalizar a banca (falamos de 12.000.000.000€), para que esse dinheiro seja antes canalizado para apoio às pequenas e médias empresas, e não para continuar a financiar a especulação, a fraude e o enriquecimento ilícito?
Ups, perdi-me! Estava eu a falar do meu diaporama, certo!? Vem já abaixo deste texto. Desta vez, como não tive ajuda para colá-lo nesta página, fi-lo eu próprio, e o resultado não foi o melhor! Não aparecem as legendas das fotos! Mas vejamos o lado positivo do problema. Proponho-vos um jogo: tentem adivinhar os lugares onde as acções decorrem. Quem conseguir descortinar no mínimo 70% deles terá direito a um prémio. Nada mais, nada menos do que um penthouse no Éden, ab infinito. Por favor, não fiquem tão eufóricos, cuidado com a mobília, isto é o mínimo que eu podia fazer por vós… amáveis visitantes. Mais! Têm o direito de soprar numa das velas do bolo de aniversário que encabeça este texto, mas cuidado, por muito grande que seja a tentação, não aproximem muito a boca da chama, porque poderão queimar os lábios! (Nota: "cliquem" na imagem para ver a animação, pois... promete!)
Ainda a respeito das fotos, faço questão de dizer que todas elas foram sacadas por um repórter da CNN, que insiste em acompanhar-me nas minhas expedições, pese embora a minha relutância!

Um ano de aventuras e ousadias deixa sempre registado na memória momentos recheados de sensações, sentimentos, visões e reflexões, que se têm convertido para mim, e até à data, em aprendizagens frutuosas. Falo naturalmente de pequenas mas gratificantes experiências que se vão somando, que vão recheando o meu reportório vivencial, dando maior sabor e sentido à vida, e que atestam aquela velha expressão: Pusillum pusilo si addas, fiet ingens acervus¹. Espero que tal se vá repetindo por muitos e bons anos!

Se não nos virmos antes, até daqui a um ano.


¹De muitos poucos se faz um muito.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um fim-de-semana orientado!

No passado fim-de-semana estive em Alvite, uma aldeia do concelho de Muiños (Galiza), a frequentar um curso de orientação em montanha. Para além da abordagem de alguns conhecimentos elementares sobre orientação, tais como: noções básicas de cartografia, tipos de mapas, interpretação dos elementos de um mapa, obtenção e seguimento de um percurso traçado, utilização de bússola, etc., deu-se particular atenção ao uso de GPS. Sem dúvida que este instrumento de orientação é uma mais-valia para quem desenvolva actividades de montanhismo, sobretudo em determinadas condições atmosféricas.

Não há muito tempo me vi obrigado a inverter marcha durante um percurso de montanha, nos Picos de Europa, porque se abatera sobre mim e um amigo, e de uma forma repentina, um nevoeiro cerrado que nos impediu de prosseguir, dada a desorientação que nos causou. Numa situação destas, uma das hipótese a considerar, e para a nossa segurança, é aguardar que o nevoeiro volte a dissipar-se. No entanto, esta situação pode ser menos ou mais prolongada! Optámos então por desistir do destino inicial que pretendíamos e regressarmos ao ponto de partida. Mesmo assim não foi fácil! Hoje, vejo que um GPS ter-nos-ia dado um grande jeito nessa altura, pois para além de nos dar as indicações necessárias para seguir o percurso traçado e chegar ao destino desejado, mesmo com nevoeiro, dá-nos a possibilidade de o ir gravando, e assim regressar pelo mesmo, caso necessitemos ou o desejemos. É que nunca é demais lembrar que em montanha facilmente confundimos ou esquecemos um trilho há bem pouco tempo percorrido!
Apesar de constituir uma preciosa ajuda, o GPS, tal como outras tecnologias, pode ter os seus problemas. Por isso, é de todo conveniente dominar os conhecimentos básicos de orientação em montanha, fazer-se acompanhar de bússola, mapa, apito e/ou telemóvel e ponderar bem no momento de tomada de decisões.

Mas voltemos a Alvite! Gostei muito desta aldeia galega. Em si, é semelhante a tantas outras, mas a paisagem envolvente é de uma singularidade agradável. Relativamente perto da fronteira com Portugal, com entrada mais próxima através da Portela do Homem (Gerês), Alvite tem umas vistas encantadoras. No fim-de-semana em questão, o tempo esteve bom, em especial no sábado. Tendo sido o primeiro dos seis formandos do curso a chegar, tive tempo suficiente para tirar algumas fotos à aldeia e à paisagem envolvente. Mas antes disso, estive à conversa com uma senhora idosa, responsável pela chave do albergue onde pernoitaríamos. Desde as suas origens (filha de pai português e mãe galega), passando pelas histórias de tempos idos, pelas relações luso-galegas, pelas culturas, costumes e tradições dos dois países, pela agricultura, o seu dia-a-dia, etc., a senhora, muito simpática e descontraída, lá foi alimentando uma conversa que muito me deliciou.

Quanto aos companheiros de formação, todos eles eram simpáticos, embora destaque o António e o Andres (sobretudo este último), como grandes animadores da “festa”! No sábado à noite decidimos ir jantar todos “à baixa”, numa pequena povoação… cujo nome já não me recordo! Carne grelhada e uma meia dúzia de garrafas para sete comensais foram o prémio bem merecido por um dia intenso, dividido entre aulas teóricas e aulas de campo. Depois… Adiante! Dormimos que nem passarinhos!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Escola de Escalada de Cidadelha de Aguiar

No passado sábado, dia 24 de Setembro, foi oficialmente inaugurada, em Vila Pouca de Aguiar, uma nova escola de escalada. Localizada em Cidadelha de Aguiar, esta obra resultou de um projecto que levei a cabo, depois de um trabalho árduo e persistente que durou cerca de três anos, com um investimento financeiro feito por mim próprio. Foram necessárias algumas centenas de horas de labor, repartidas pela abertura de acessos aos sectores de escalada, pela limpeza das fragas e pelo equipamento das vias de escalada. Destaco aqui a preciosa ajuda prestada pelo meu camarada de montanha, Carlos Filipe.
Tudo começou com um passeio solitário de jipe pelos montes, que me levou à descoberta de uma zona que me pareceu ideal para equipar um conjunto de vias de escalada, e assim criar uma escola desta modalidade desportiva. E assim foi!
Situada nos limites de Cidadelha de Aguiar, uma povoação próxima do centro de Vila Pouca de Aguiar, a escola de escalada divide-se em três sectores, são eles: o Mons Palatinus, o Rostrum e o Locus Mirandus. A opção por lhes atribuir nomes em latim, assim como às vias de escalada, resulta do meu interesse particular por essa língua clássica, em especial por algumas expressões idiomáticas, adágios, ditados, máximas e afins. Daí que a generalidade das vias viessem a ser baptizadas com base nestes.
Por outro lado, a escolha de Mons Palatinus e Rostrum para os nomes de dois dos três sectores de escalada advém do interesse que nutro pela cultura e arte da Antiguidade Clássica, em particular por Roma. Já o sector Locus Mirandus (miradouro) resulta do simples facto do mesmo proporcionar umas vistas admiráveis sobre a sede de concelho e sobre parte do vale de Vila Pouca de Aguiar. Ao todo, esta nova escola de escalada é composta por 33 vias, sendo algumas delas para escalada clássica, outras para desportiva e ainda algumas para artificial.
Voltando à inauguração, a apadrinhá-la esteve o Club Alpino Ourensán (Espanha), do qual sou sócio, que se deslocou ao nosso concelho com uma equipa de 40 atletas e amigos. O programa de inauguração completou-se com duas marchas, uma decorrida no dia 24 e outra no dia 25, que para além dos nossos vizinhos espanhóis contou ainda com um grupo de caminheiros aguiarenses. Alguns dos nuestros hermanos participaram ainda, no dia 25, na II Rota das Cebolas, uma prova de BTT organizada pelo Moto Clube do Corgo.


Para todos os escaladores que queiram ter acesso aos croquis das vias da Escola de Cidadelha de Aguiar, basta clicar aqui... Escola de Escalada de Cidadelha de Aguiar

sábado, 6 de agosto de 2011

No tecto de África

No dia 27 de Julho, pelas 6h da madrugada, atingi o cume da mais alta montanha do continente africano, o Uhuru Peak, mais conhecido por Kilimanjaro, um vulcão extinto há muitos anos. Trata-se de uma montanha com 5895m de altitude, situada a norte da Tanzânia, na fronteira com o Quénia, e que faz parte de um parque nacional com o mesmo nome. Cheguei no dia 21, descansei apenas dois dias no hotel, e logo de seguida parti para a montanha para cumprir um programa de ascensão de seis dias. Para além do corpo logístico (carregadores, cozinheiro, serventes e guias), acompanharam-me dois companheiros que conheci no hotel, um australiano (Rod Woodward) e outro alemão (Johannes Herges). Durante esse período pernoitámos, ao todo, em 5 acampamentos, o mais alto situado a 4600m, e caminhámos cerca de 80Km. Desde o ponto de partida, a 1828m de altitude, até ao cume da montanha fizemos um desnível de 4067m.
A ascensão foi dura. É certo que também escolhi um dos itinerários mais exigentes, mais concretamente, a chamada Rota Machame, que se inicia a sul e termina ligeiramente pelo lado Este da montanha. Começámos à meia-noite em ponto, desde o acampamento 4 (o mais alto), numa ascensão vagarosa, tal como é típico em alta montanha. Até aos 5400m de altitude, aproximadamente, tivemos a cobertura de um céu limpo e estrelado. Os nossos cálculos apontavam para uma chegada ao topo a coincidir com o nascer do sol, e poder assim desfrutar das maravilhosas paisagens que habitualmente nos proporciona o raiar da aurora, mais ainda àquela altitude e naquele continente de cores quentes! Infelizmente, e a partir dessa altitude, o tempo começou a mudar, com a aproximação de nuvens e uma queda de neve miúda, mas a um ritmo considerável, que se foram acentuando à medida que nos aproximávamos do cume. Chegados aqui, registava-se uma temperatura de -10ºC, o que fez com que a minha máquina fotográfica “congelasse” e me impedisse de tirar fotos com a qualidade e quantidade desejadas. Enfim, a montanha é mesmo assim… imprevisível! Apenas consegui uma meia dúzia, e de fraca qualidade. Terminados os festejos pela conquista do cume, e porque as condições climatéricas não estavam para brincadeiras, decidimos baixar, depois de uma permanência de cerca de 15 minutos.
A descida foi mais custosa devido ao terreno muito deslizante, o que tornou mais árduo o regresso ao acampamento 4. Chegados aqui, descansámos cerca de duas horas, para logo de seguida retomarmos a marcha em direcção ao último acampamento, o 5º, situado a 3100m. Só num dia fizemos um desnível de 2795m. Aí permanecemos a última noite na montanha, já a sonhar com um tão desejado e prolongado banho no hotel!
A paisagem nesta montanha varia à medida que vamos subindo. Começamos por atravessar uma zona de floresta tropical, passando depois pela charneca, tundra, e finalmente por uma zona mais desértica, que mais fazia lembrar um ambiente lunar, onde pudemos ver algumas encostas majestosas, tão apetecíveis para a escalada alpina. Só mesmo no topo do Kilimanjaro é que encontrámos neve e gelo. Algumas estimativas apontam para o degelo total para o ano 2020! Enfim, uma situação preocupante e lamentável que se passa igualmente em outras zonas glaciares do globo!
Quer no hotel, quer no período em que estive na montanha, conheci várias pessoas de diferentes nacionalidades. Para além dos companheiros atrás referidos, conheci outras pessoas, com as quais tive o prazer de trocar algumas impressões sobre temas diversos. Para mim foi bom para praticar não só as línguas que já domino bem, o francês e o espanhol, mas sobretudo o inglês, aquela que necessitava de exercitar mais. As duas semanas de prática desta língua deram-me uma certa fluência e à-vontade nas conversações que experimentei.
Quanto aos tanzanianos, bem, pela experiência que tive apenas tenho a dizer que é, de um modo geral, um povo prestável, simpático e bem-disposto.


Nota: Na página de vídeos deste blogue encontra-se um sobre esta minha aventura por terras de África.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Finalmente, as FÉRIAS!

Com as baterias a descarregarem os últimos resquícios de energia, urge o descanso tão merecido para que as possamos recarregar. No que me toca não sei se tal se verificará! Os projectos para estas férias, praticamente sempre os mesmos, apontam para algum desgaste, embora mais físico. A agenda está preenchida e divide-se em três saídas… para a montanha, claro! No entanto, confesso que se trata de um desgaste que acaba por ser revigorante, quanto mais não seja para o espírito.
Em outras ocasiões, noutros textos aqui publicados, já explanei bem a importância e o valor que tem para mim (e para qualquer amante da natureza) o contacto com a montanha. Ainda que por vezes seja para ver o mesmo e fazer mais do mesmo, há sempre algo de novo e impressionante que encontro. As paisagens de cortar a respiração e os sucessos que tenho obtido nas minhas escaladas acabam sempre por me aportar momentos de introspecção valiosos e uma confiança acrescida, que acabam por atestar aquilo que sabemos, ab aeterno, quanto à importância de nos sentirmos parte da natureza, de reconhecermos humildemente que somos um mero elemento deste cosmos.
Mas este ano vai ser diferente. A primeira saída, prevista para o dia 20 deste mês, causa-me alguma ansiedade. Talvez esteja a ser modesto quando digo “alguma”! Parto para a Tanzânia, para escalar a mais alta montanha do continente africano, o Kilimanjaro, aquela que inspirou o célebre escritor Ernest Heminghway, no seu livro, “As Neves do Kilimanjaro”. Não é tanto pela dificuldade técnica, que é relativa, mas pelo quase total desconhecimento do que lá irei encontrar. Por essa razão dei-me ao recomendável trabalho de fazer algumas pesquisas na Internet sobre este país, em particular sobre o seu povo e a sua geografia. O interesse por essa expedição não é apenas pela ascensão dessa montanha, um vulcão extinto há muitos anos e coberto com uma coroa de neve e gelo, mas também pelos ambientes e espaços que irei encontrar, designadamente, savana africana, floresta tropical, charneca, tundra, o próprio ambiente alpino, enfim, ÁFRICA! Depois há as pessoas, claro. Pelos vistos muito amáveis.
Para além destas curiosidades e do interesse despertado, tive o cuidado de me preparar ao nível da língua ali utilizada, no meio turístico. A língua oficial é o suaíli, embora, e devido à colonização britânica entre 1919 e 1961, também se fale o inglês. E ao estudo desta língua que me tenho dedicado, já lá vão cerca de 3 meses. Pelo menos o gosto ficou, e o interesse e a promessa em continuar a estudar também. É que há outros destinos que tenho na manga e que me vão igualmente exigir o “domínio” da língua. Não é que eu não fosse capaz de me desenrascar, mas exigente como sou comigo mesmo, entendi alargar os meus conhecimentos sobre a língua, para poder sustentar uma conversação mais ou menos prolongada. Vão ser cerca de 2 semanas nesse mundo desconhecido, e não me sentiria bem comigo mesmo se me ficasse por um “Hello”, “How do you do”, “I´m fine”, “Thank you”, “May I…” ou “I want this or that…”.
A ver vamos como é que me vou sair! A crónica de viagem está prometida.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Don´t worry, be happy!

Habituámo-nos a ouvir falar, quase diariamente, da palavra “crise”. Aliás, o vulgo em geral tem sido um bom veículo das notícias sobre o tema, tão propaladas pelos média. É verdade que vivemos uma crise financeira, que se junta a outras não menos significativas, algumas delas bem mais difíceis de ultrapassar: a crise de identidade, por exemplo. Contudo, importa-me aqui debruçar sobre a influência que a dita crise exerce sobre o nosso estado anímico.
Tenho notado, com uma certa regularidade, o ar ou o discurso apreensivo de muitas pessoas, face a informações avulsas que vão sendo vertidas acerca do presente e do futuro da nossa economia, e de tudo aquilo que dela depende. Curiosamente (ou não), algumas dessas pessoas não se encontram propriamente numa situação financeira que justifique tanto pessimismo quanto ao futuro! Bem, adiante!
Tudo é relativo. Quantos, por este mundo fora, não trocariam a sua situação social e económica pela de muitos queixosos, alguns deles do nosso quotidiano profissional ou familiar. Embora legítimas, convenhamos que nem sempre as preocupações ou a indignação justificam tanto desassossego. Se por uma lado é imprescindível, para não dizer imperativo, exercermos uma cidadania activa e participativa, quer na defesa de direitos adquiridos, quer no contributo que possamos aportar para o progresso do nosso país, não nos resignemos e aprendamos a dar valor ao muito de bom e positivo que nos rodeia, e que pouco ou nenhum custo acarretará.
Família, amigos ou simplesmente aquilo que de mais belo e precioso a natureza nos concede gratuitamente, são pontos de interesse sobre os quais nos podemos debruçar, dar mais atenção, e assim encontrar um leitmotiv para elevar a moral, e bem assim levar-nos a canalizar energias para aquilo que verdadeiramente tem significado.
Por vezes perdemos tempo com coisas insignificantes, que resultam apenas em mais inquietações. Concentremo-nos naquilo que poderá traduzir-se, isso sim, em momentos de boa disposição, satisfação ou alegria. O convívio com familiares ou amigos, um passeio na praia ou pela montanha, uma conversa frutuosa na mesa de um café, uma anedota contada, uma boa gargalhada, um jogo de cartas, a leitura de um bom livro, o visionamento de um bom filme (em casa ou no cinema), fazer sexo ou ouvir música, são alguns exemplos que poderemos perfilhar, que nos levarão certamente a momentos de distracção e desfrute, esquecendo, nem que seja por breves momentos, a “crise”.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

AMANTES

Que inveja tenho daqueles que escrevem bem! É verdade. São dignos de admiração todos os que com pouco dizem muito; que em escassas palavras vertem ideias ou pensamentos profundos, capazes de penetrar e despertar as almas mais empedernidas. Quantos, pelo dom e poder da palavra, conseguiram mobilizar as massas e desencadear as maiores revoluções sociais, culturais, literárias ou artísticas, ao ponto de hoje constarem nos anais da História… para o bem ou para o mal! Eu mais não consigo do que me fazer seguir (ou perseguir!) por uma dúzia de galinhas, não pela minha capacidade de retórica, mas se me fizer acompanhar de um punhado de milho para satisfazer a voracidade destas!
Bem, o que me traz hoje aqui é precisamente as palavras de um ilustre escritor: Eça de Queirós. Embora escassos, os meus conhecimentos sobre literatura permitem-me, sem a menor hesitação, concordar com aqueles que apelidam este poeta e romancista de “mestre da literatura”, de “génio”, de “talentoso” ou de “artista”. Até à data, dele apenas tinha lido “Os Maias” e “A Ilustre Casa dos Ramires”.
Recentemente adquiri um livro intitulado, “Citações e pensamentos de Eça de Queirós”, uma colectânea de textos do autor, feita por Paulo Neves da Silva. É impressionante a actualidade desses pensamentos do Eça! Destaco, por exemplo, o que ele diz a respeito de alguns temas ou conceitos, como por exemplo: Arte, Crise, Crítica, Democracia, Economia, Governo, Humanidade, Política, Religião, etc., sobretudo quando explanados no contexto luso.
Desse livro, elegi um desses pensamentos, que trago à colação, precisamente porque dá que pensar! É sobre os AMANTES. Pois, por vezes não imaginamos (ou não nos atrevemos a imaginar) o que representará ou o que poderá ocultar um gesto, um olhar, um sinal de aparente indiferença ou distracção, sei lá, tantos propósitos! Quem se der ao trabalho ou tiver especial interesse, e com a devida perspicácia, claro, poderá fazer esse exercício hermenêutico, independentemente dos seus resultados. Foi precisamente isto que Eça de Queirós fez no texto que passo a citar.



O encanto de ter um(a) amante

“Para a generalidade das mulheres, ter um amante significa ter uma quantidade de ocupações, de factos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação, acham um encanto inefável. Ter um amante - não é para elas abrir de noite a porta do seu jardim. Ter um amante é ter a feliz, a doce ocasião destes pequeninos afazeres - escrever cartas às escondidas, tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar, estendida no sofá; ter o orgulho de possuir um segredo; ter aquela ideia dele e do seu amor, acompanhando com uma melodia em surdina todos os seus movimentos, a toilette, o banho, o bordado, o penteado: é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles dois estarem no encanto do mistério; é procurar uma certa flor que se combinou pôr no cabelo; é estar triste por ideias amorosas, nos dias de chuva, ao canto de um fogão; é a felicidade de andar melancólica no fundo do cupé; é fazer toilette com intenção, o maior dos encantos femininos! Etc.
Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a complicam em cor-de-rosa, que a idealizam - são a sua grande atracção. É o que amam. O homem amam-no pela quantidade do mistério, de interesse, de ocupação romanesca que ele dá à sua existência. De resto, amam o amor. Havia muito deste sentimento nas místicas e nas antigas noivas de Jesus. Amavam a Deus porque ele era o pretexto do culto.”

(Eça de Queirós, in “Uma Campanha Alegre”)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

No topo da Península Ibérica

No passado dia 21 de Abril ascendi ao ponto mais alto da Península Ibérica, o Mulhacén (3.478 m), na Serra Nevada, na Cordilheira Penibética. Escalando pela face norte, a mais proeminente e exigente dessa montanha, necessitei de 2h30 para vencer os cerca de 500 metros de desnível, que vão desde a base dessa face até ao cume. A escalada mista (gelo e rocha) empreendida foi feita em solitário. Com uma inclinação que variou entre os 40º e os 60º, e com alguns ressaltes que atingiam os 80º, a via seleccionada traduziu-se numa exigência física e psicológica consideráveis, na medida em que o mínimo descuido poderia ter-me sido altamente comprometedor. Contudo, a determinação, a concentração e o treino prévio e intensivo garantiram-me o sucesso do projecto. A descida foi feita pela face sul, muito acessível, dada a sua pouca exigência técnica e o seu moderado declive.
O Mulhacén recebeu o seu nome de Muley Abul Hassan, o penúltimo Rei Mouro de Granada, no século XV, que de acordo com uma lenda está sepultado no topo. Embora não tenha uma altitude muito significativa, o Mulhacén é a montanha europeia mais alta fora do Cáucaso e dos Alpes. É também o terceiro pico da Europa em proeminência topográfica, apenas ultrapassado pelo Monte Branco e pelo Monte Etna, e o 64º no mundo.
Na página dos vídeos deste blogue encontra-se o filme que, de forma sintética, dá contada desta aventura.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Uma questão de (educação do) gosto…

“Para ter um gosto próprio e julgar com alguma finura das coisas de arte é necessária uma preocupação, uma cultura adequada. E onde tem o homem de trabalho, no nosso tempo, vagares para essa complicada educação, que exige viagens, mil leituras, a longa frequentação dos museus, todo um afinamento particular do espírito? Os próprios ociosos não têm tempo – porque, como se sabe, não há profissão mais absorvente do que a vadiagem. Os interesses, os negócios, a loja, a repartição, a família, a profissão liberal, os prazeres, não deixam um momento para as exigências de uma iniciação artística”. (Eça de Queirós, Ecos de Paris)

À parte a preocupação e os imperativos espelhados na supra-referida citação, esta revela, sem dúvida, um pensamento lapidar daquilo que sugere uma educação do gosto. Na verdade, a capacidade de apreciar e avaliar uma obra artística reclama uma educação, consubstanciada num exercício sistemático de apreciação e fruição da arte, do belo. Quanto mais abrangente for o nosso conhecimento sobre a arte, o nosso contacto directo com a criação, maior será, certamente, a nossa capacidade de apreciar e compreender os meandros que a fazem brotar.

Com alguma frequência ouvimos dizer que “gostos não se discutem”. Considero este, um dos maiores disparates que se podem proferir ou trazer à coação. Mais não espelha do que a ignorância pura e dura, que compromete o apuramento dos sentidos e o glosar da poética que assiste a arte. Creio que foi, precisamente, a partir do momento em que a arte deixou de ter o destaque e o reconhecimento que teve outrora, como por exemplo, na Antiguidade Clássica, em que ela era assumida como parte integrante e basilar na educação do sujeito, é que o ser humano viu-se amputado na visão mais abrangente do mundo e da sociedade, assim como na sua formação integral. Hoje, salvo escassas excepções, a arte é, sobretudo, negócio, economia, mercado, auto-promoção, entre outros.

Uma educação do gosto, ou se preferirmos, uma educação artística, estética, faz-se pela iniciação precoce no mundo das artes. Desde a mais tenra idade, e através de um processo contínuo e sistemático, o ser humano deverá ser sujeito a um conjunto de experiências sensitivas, estéticas e criativas, de modo a dotar-se de uma panóplia de instrumentos e saberes, que lhe permita não apenas ser, ele próprio, um agente criador e transformador, mas igualmente desenvolver uma cultura ética e humanista. Estamos, indiscutivelmente, perante uma tarefa que exige tempo, dedicação e paixão, mas que vale a pena, seja pelo olhar clínico sobre o mundo que em nós desperta, seja pela busca da transcendência.

E se com Eça comecei, com Eça termino…

“A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo – que é não ser apagada de todo pela morte”. (Notas Contemporâneas)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Educação Visual para a Cidadania

O espaço dos Direitos Humanos não tem limitações geográficas. Deverá este ser considerado à escala planetária, ou seja, universal. Assim, através desta perspectiva globalizante e inter-relacional, a violação dos direitos mais elementares numa determinada face do planeta provocará certamente um desequilíbrio noutros espaços geográficos e sociais. Numa relação de causa-efeito, poderíamos dar o exemplo das consequências nefastas das guerras ou conflitos armados: fome; refugiados; inflação; destruição do meio ambiente, do património e de infra-estruturas básicas; crimes; violações de vária ordem, etc.
Uma educação para a cidadania e a defesa de valores, tais como a ética, a democracia, a liberdade, a solidariedade, a justiça, a tolerância, o pluralismo, entre outros, deverá, por um lado, consubstanciar-se numa reflexão sobre aquelas situações-problema e, por outro, proporcionar situações concretas de aprendizagem no espaço escolar (um espaço público e educativo por excelência), de modo a que o aluno apreenda aqueles valores. Educar para os Direitos Humanos será, então, “criar situações que permitam construir conhecimentos que sirvam para inspirar práticas conformes” (Almeida, 2000: 122). Ao mesmo tempo, os Direitos Humanos constituem, como lembra Alain Le Guiader (2000: 29), “um princípio alternativo de solidariedade internacional e o fundamento de outras aventuras humanas, com configurações inéditas, de que ninguém seria excluído”.
A respeito de convivência entre povos e culturas, importa ainda destacar dois aspectos significativos. Quanto ao primeiro, e na sequência da reflexão que decorre das linhas anteriores, consideramos que o caminho para uma sociedade intercultural poderá passar, como defendem Sebastián Fernandez & Mª Carmen Franco, pela “necessidade de educar em valores e atitudes positivas para a solidariedade, o respeito e a tolerância entre os seres humanos”. Só assim, referem os autores, “poderemos lograr que as situações multiculturais cheguem a ser verdadeiramente interculturais” (Fernandez & Franco, 2002: 19). Contudo, e relativamente ao segundo aspecto, importa salientar que o respeito e a tolerância têm os seus limites. Logo, a interculturalidade deverá jogar-se dentro do respeito pelos Direitos Humanos, assim como pela Constituição e leis de cada país.
A multiculturalidade pode ser um ponto de partida para a criatividade e para a universalidade. A educação intercultural constitui um processo que nos ajuda a compreender melhor os significados e as representações de cada povo ou cultura. Deste modo, vêm a propósito as observações de Eduarda Coquet (2004: 1), quando sublinha que: “A educação artística e estética das nossas crianças e jovens não é possível sem uma educação intercultural, que lhes permita olhar aquilo que os rodeia de uma maneira esclarecida”.Servimo-nos das considerações de Juan Izquierdo para resumir as linhas pelas quais a Educação Visual deverá orientar-se dentro daquele que será o seu campo de intervenção. Assim, o autor entende que a “educação visual centrada na experimentação directa, na aquisição de conhecimentos através do vivido, não de concepções estereotipadas da realidade, ajuda-nos na hora de fixar os objectivos que há que trabalhar com processos de criação artística fundamentais na imagem:

- Educar a forma de ver dos nossos alunos, já que a visão é um dos sentidos que se utiliza nestas idades, na construção da personalidade.
- Estabelecer umas pautas para as quais se possa afrontar a quantidade de informação visual com a que temos que conviver na actualidade.

- Desenvolver a capacidade de leitura, crítica e de apreciação que permita aos nossos alunos seleccionar, analisar e filtrar a infinidade de mensagens que lhes chegam dos mass-media.
- Ir um pouco mais além a partir da educação visual, indagando e experimentando com as possibilidades criativas e educativas que apresentam as artes visuais.
- Utilizar todos os recursos audiovisuais de que dispõe um centro que sejam integráveis em propostas de criação artística.
- Colocar nas mãos dos nossos alunos tais meios para que formulem novas ideias ou reformulem as que já têm.
- Concentrar todo o nosso esforço para conseguir pessoas mais criativas, capazes de suportar e contribuir para a mudança da sociedade pós-industrial” (Izquierdo, 2001: 164-165).

Inúmeros são os autores que vêm defendendo, desde tempos longínquos, que as artes, a educação artística ou a Educação Visual, representam um contributo determinante, e por isso imprescindível, na educação do cidadão.
No entender de Isabel Kowalski (2000: 126): “A ligação íntima entre lúdico, expressão artística, criação, fruição, apreciação, pode ser optimizada pelo educador, desde que dela tenha consciência pedagógica”. Logo, acrescenta que se trata de “uma perspectiva que engloba vertentes diversas quer ao nível do desenvolvimento pessoal da criança, quer da integração de saberes, quer, numa visão mais lata, da educação para a cidadania, permanente e fazedora de cultura”. Por seu lado, José Soares reconhece a importância da disciplina de Educação Visual numa Educação para a Cidadania. O autor sublinha que, para tal, aquela “deve explorar a aproximação do aluno à vida real, nomeadamente na percepção do seu sentido social, na aquisição de auto-estima e de autonomia pelo desenvolvimento da sua criatividade e pela identificação de códigos de comunicação visual que lhe permitem obter uma atitude crítica face às mensagens veiculadas pelos mass-media e aceitar e compreender a diversidade cultural” (Soares, 2003: 41).
Poderíamos dizer que uma educação que tenha por base a arte, para além da necessária tarefa de desenvolver a sensibilidade estética, a aprendizagem e domínio da linguagem e gramática visual, as capacidades de comunicação e expressão, tem igualmente uma função social, ou seja, desenvolver uma aprendizagem centrada nos valores éticos e de convivência, no respeito pela diversidade, na integração do cidadão, na participação na vida social e política. Logo, cremos estarem lançados os dados para compreendermos que uma Educação Visual para a Cidadania significará, essencialmente, servirmo-nos da arte e de tudo aquilo que ela representa na formação global do sujeito, para dotar os nossos educandos das competências necessárias para compreenderem o mundo de uma maneira crítica, inteligente e consciente, podendo e devendo intervir e participar activamente na comunidade local e global, lutando pela liberdade e dignidade de cada ser humano.

BIBLIOGRAFIA:
- ALMEIDA, Zélia (2000). “Da norma à (in)tranquilidade: Espaços e Limites”. In Carvalho, Adalberto (org.). A educação e os limites dos direitos humanos. Ensaios sobre a Filosofia da Educação. Porto: Porto Editora, pp. 115-124.
- COQUET, Eduarda (2004). “A Educação Multicultural”. In Ensinarte. Braga: Centro de Estudos da Criança/Universidade do Minho, p.1.
- FERNÁNDEZ, Sebastián & FRANCO, Mª Carmen (2002). Los relatos de convivência como recurso didáctico. Málaga: Ediciones Aljibe.
- IZQUIERDO, Juan Carlos (2001). “La educación visual en educación secundaria”. In Caja, Jordi (Coord.). La Educación Plástica y Visual hoy. Educar la mirada, la mano y el pensamiento. Barcelona: Editorial Graó, pp. 159-206.
- KOWALSKY, Isabel (2000). “Educação Estética: a fruição nos primeiros anos do ensino básico”. In VARÍOS. Educação pela Arte. Lisboa: Livros horizonte, pp. 119-126.
- LE GUYADER, Alain (2000). “Os direitos do homem e a questão dos limites. Notas para um panegírico”. In Carvalho, Adalberto (org.). A educação e os limites dos direitos humanos. Ensaios sobre a Filosofia da Educação. Porto: Porto Editora, pp. 11-29.
- SOARES, José (2003). Como abordar a cidadania na escola. Porto: Areal Editores.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Admiração, desejo e amor

São tantas as mulheres que poderemos admirar. Serão várias as que poderemos desejar. E as que poderemos amar? Onde começam e acabam os limites de cada um destes três sentimentos: admirar, desejar e amar? Qual a real dimensão de cada um deles? Como convivem entre si? Quais as suas implicações?
Ena, quem estiver a ler isto provavelmente interrogar-se-á se acordei atordoado! Não, não é o caso. Acontece que apeteceu-me escrever algo de uma forma desinteressada, e eis-me aqui a desdobrar algumas meditações. Além disso, penso que isto seria matéria mais para psicólogos! Por isso, desengane-se quem pensar que irei dar resposta a todas estas questões! Se calhar nem a uma única só! Não porque não seja capaz (Uau, temos HOMEM!), mas porque apenas as lancei para a plateia. Não sei porquê, mas… algo me diz que não consegui convencer o meu leitor! Pois é! Bem, vou ver se ao menos consigo atirar com mais algumas achas para a fogueira, e assim aumentar a balbúrdia! No final, espero que o resultado ou o impacto não seja o mesmo que o do Facebook, ou seja, milhões de divórcios, segundo um recente estudo britânico!

Às vezes, uma boa forma de nos pouparmos ao trabalho de prestar grandes explicações, é procurar quem as possa dar por nós. Mas olhem que isto também dá trabalho e tem os seus riscos! Logo, aproveitarei uma das minhas últimas leituras (melhor dizendo, releituras), mais precisamente, as “Viagens na minha Terra”, de Rui Duarte. Perdão, de Almeida Garrett! A dada altura, retive-me nuns pequenos parágrafos da referida obra, que me fizeram reflectir sobre o tema aqui em análise, e que passo a citar:

“Há três espécies de mulheres neste mundo: a mulher que se admira, a mulher que se deseja, a mulher que se ama.
A beleza, o espírito, a graça, os dotes de alma e do corpo geram a admiração.
Certas formas, certo ar voluptuoso criam o desejo.
O que produz o amor não se sabe; é tudo isto às vezes, é mais do que isto, não é nada disto.
Não sei o que é; mas sei que se pode admirar uma mulher sem a desejar, que se pode desejar sem a amar.
O amor não está definido, nem o pode ser nunca. O amor verdadeiro; que as outras coisas não são isso”
(p.208).

Bem, começando de cima para baixo, parece-me evidente que muitos serão os atributos da mulher que nos poderão levar a admirá-la ou a desejá-la. Também me parece consensual que se possa admirar uma mulher sem desejá-la, e desejá-la sem amá-la. Concordo igualmente que o amor não esteja definido, nem que o possa ser nunca. Melhor do que perder tempo na procura da sua definição, será vivê-lo, senti-lo!
Agora, e pegando na primeira questão que formulei no início deste texto, partindo do princípio que o amor implicará, entre outras coisas, admiração e desejo, parece-me natural, ou se preferirmos, aceitável, que se possa amar mais do que uma mulher…


NOTA: A foto que acompanha este texto ilustra um exemplo dos preparativos para um momento em que o homem se entregará à nobre e responsável tarefa de "admirar" a mulher. Apenas isso!