terça-feira, 19 de março de 2013

Do silêncio de Cavaco ao som da Grândola


Os diagnósticos sobre a actualidade política, económica e social do nosso país têm saído quase ao ritmo de pãezinhos quentes. Vindos dos mais diversos quadrantes políticos, de especialistas, analistas, comentadores, de diversas entidades ou instituições nacionais e internacionais, certo é que esses diagnósticos acabam, com mais ou menos apêndices, por ser convergentes num ponto: Portugal tornou-se num país empobrecido e pouco auspicioso.
Por haver gente bem mais versada do que eu para fazer diagnósticos do género, prefiro debruçar-me sobre outras questões, que no meu entender, e pela sua pertinência, merecem uma breve reflexão crítica. Mas antes, devo lembrar que o estado a que o país chegou não é culpa de um, mas de vários governos. Os do professor Cavaco Silva, por exemplo, foram os primeiros a lançarem-se em obras megalómanas, no despesismo de fundos europeus e em fraudes e na má gestão de dinheiros públicos.
Habituámo-nos a ver que o governo que chega a S. Bento, logo se apressa a culpabilizar o anterior, começando por bradar aos céus pelo estado em que encontrou as finanças públicas. Do passado há que retirar ilações dos erros cometidos, alguns deles anacrónicos, para que não se voltem a repetir no futuro, embora, e por razões culturais, não vislumbre uma mudança significativa a este nível!
Sobre o presente, bem, podemos começar pela mais recente manifestação nacional, verificada no passado dia 2 de Março. Uma vez mais, o povo, dos mais diversos extractos sociais e simpatias partidárias ou apartidários, voltou a sair à rua, mostrando, por um lado, um cartão vermelho ao governo de Passos Coelho, manifestando-se contra as políticas de austeridade que este tem implementado com a bitola da troika, e que têm conduzido o país para um terreno pantanoso, e assim ao risco de uma conflitualidade e fragmentação social; por outro, um descontentamento contra a classe política em geral, onde se incluem, obviamente, todos os partidos. O PS, um dos partidos do chamado arco do poder, se realmente quer apresentar-se como alternativa credível para governar o nosso país, se quer conquistar a confiança dos portugueses, então ainda tem muito trabalho de casa a fazer.
Se do governo apoiado pela coligação de direita PSD/CDS não se descortina uma inversão nas suas políticas desastrosas, impunha-se, pelo menos, que por parte do mais alto magistrado da nação surgisse uma posição clarificadora sobre o perigoso rumo que o país está a tomar. Sobre os brutais sacrifícios que têm sido impostos, em vão, aos portugueses, sobre o empobrecimento das famílias, sobre a forma leviana com que o Ministro das Finanças sistematicamente corrige as previsões económicas, sobre a subserviência de Passos Coelho e Vítor Gaspar à troika, do Presidente da República, também um dos visados na referida manifestação nacional, não vimos mais do que uma mão cheia de nada. Sobre o desemprego galopante, a contracção da economia, o elevado número de falências que se registam diariamente, ou o corte abusivo nos salários e pensões, apenas se registaram umas tímidas declarações de circunstância, alguns chavões, que surgiram apenas porque cruzou pelos jornalistas, como aconteceu no passado dia 6. Lastimosamente, Cavaco Silva, esquivando-se a questões “incómodas” quanto ao seu desempenho, aproveitou esse momento para, uma vez mais, propagandear a sua longa experiência política e sobre o seu número de horas diárias de trabalho, e ainda para fazer publicidade ao seu “Roteiros VII”, remetendo os portugueses (quais?) para a leitura do prefácio (de 20 páginas!), onde o próprio disserta sobre qual deverá ser o comportamento de um chefe de Estado em tempos de crise, qual “manual de boas maneiras”! Ao contrário do que acontecera no “Roteiros VI”, onde Cavaco Silva foi crítico para com o então Primeiro-Ministro José Sócrates, nesta nova “sequela”, Passos Coelho foi poupado!
Não basta fazer breves e subtis comentários, em jeito de diagnóstico, como os que fez novamente no passado dia 15, para juntar aos muitos que por aí abundam. Aos portugueses pouco lhes dirá o que o Presidente da República discute com o Primeiro-Ministro nas suas reuniões semanais, ou sobre o seu périplo diplomático junto de chefes de Estado e de Governo ou de representantes de instituições internacionais, sem resultados palpáveis! Ainda que importante, tal não basta. Enquanto chefe de Estado, enquanto garante da soberania e da coesão nacional importa, sim, saber que medidas concretas pretende ou estará disposto a tomar, dentro das suas competências, para ajudar Portugal a sair do atoleiro em que se encontra. Como irá, por exemplo, o Presidente da República responder à teimosia e arrogância de Passos Coelho, que diz, à boca cheia, que não governa em função de manifestações, e que continuará com as suas políticas de austeridade, custe o que custar e para além do memorando da troika? Como irá ele (re)agir perante os resultados (esperados!) desta sétima avaliação da troika, que reflectem o estrondoso fracasso das políticas de Gaspar & Passos?
Lembremos que, por muito menos do que tudo aquilo que se está a passar, e sem contenção nas palavras a que agora se remete, Cavaco Silva tratou de preparar o terreno para despachar o governo do Eng. José Sócrates. Aqui, lembro que há dois anos atrás, precisamente no dia 9 de Março de 2011, Cavaco Silva incitava a sociedade civil, em particular os mais jovens, a indignarem-se e a fazerem ouvir a sua voz de protesto. Enquanto Cavaco Silva se vai fechando no seu silêncio, na sua inoperância, o som da Grândola irá certamente continuar a fazer-se ouvir em qualquer lugar, público ou privado, como maior ou menor fragor, desafinação, desalinhamento ou conhecimento da letra, seja sob a batuta do ministro Miguel Relvas, seja sob a de um outro maestro (jogral ou não) qualquer!
Desenganem-se aqueles que pensam que a democracia e o exercício da cidadania se ficam ou se devem circunscrever apenas ao voto popular. Desenganem-se os que pensam ser possível governar, com ou sem memorando de entendimento, contra um povo sacrificado, revoltado e sem perspectivas de futuro. É que já não é só da oposição que surgem críticas às políticas do governo de Passos Coelho. Elementos do próprio elenco governativo, dos partidos que o suportam, bem como de ilustres figuras do PSD e do CDS têm-se juntado ao coro de vozes que denunciam que a receita da austeridade falhou clara e inequivocamente, e que chegou o momento de se investir, de uma vez por todas, em políticas de crescimento e de emprego.