terça-feira, 30 de junho de 2020

Sem fins lucrativos


“(…) as humanidades e as artes proporcionam competências
essenciais para manter a democracia de boa saúde (…)”

Martha C. Nussbaum


Este é o título dado a um livro de Martha C. Nussbaum, filósofa norte-americana com uma vasta obra sobre temas diversos, dos quais destacaria a filosofia grega, a filosofia política e a ética. Publicado pela primeira vez em 2010, o livro tem como subtítulo, “Porque precisa a democracia das humanidades”. Num período em que várias democracias se vêem ameaçadas por extremismos, pelo renascer de movimentos xenófobos e racistas, pela ascensão de partidos de extrema-direita ao poder, juntando-se ainda as manifestações a que temos assistido um pouco por todo o mundo, despoletadas pela morte do afroamericano George Floyd às mãos de um polícia, a obra em referência merece ser lida, para que paremos um pouco para reflectir sobre o rumo que humanidade perigosamente vem seguindo. Tendo por base a maiêutica socrática, Nussbaum destaca a importância central das humanidades em todos os níveis de ensino, discorrendo sobre as razões pelas quais deverão ser consideradas incontornáveis para a criação de cidadãos democráticos competentes e para a coesão social.
O título, “Sem fins lucrativos”, surge a propósito de uma certa mentalidade instalada, que começa desde logo em casa, mas que está igualmente presente na sociedade em geral, nos governos e no ensino. Qual o pai ou mãe que não sustem a respiração quando um filho decide enveredar por um curso superior de artes ou de humanidades? Logo são tomados pela preocupação com o futuro económico ou financeiro do seu educando, revelando, deste modo, um ponto de vista centrado apenas na rentabilidade. Nussbaum rejeita a ideia de que a educação seja vista, acima de tudo ou quase em exclusivo, como um instrumento para o crescimento económico. Tomando como principal exemplo o sistema educativo americano, a autora ilustra vários casos em que as humanidades e as artes têm sido subalternizadas nos diferentes níveis de ensino, destacando o superior. Neste, a aposta continua a fazer-se nas ciências, nas tecnologias, nas engenharias, na matemática e afins. As disciplinas que permitem o estudo da literatura, das artes, da filosofia e de outras áreas das humanidades têm sido paulatinamente eliminadas, por se considerarem “inúteis” ou supérfluas, ficando os currículos esvaziados desta componente essencial ao desenvolvimento do pensamento crítico e independente, do sentimento de comunidade, de uma consciência ecológica e de uma cidadania plena. E assim estarão os decisores a contribuir para que continuemos enredados neste mundo da “pós-verdade” e dos “factos alternativos”!
No entanto, partindo de vários exemplos elucidativos, a autora faz ver como as humanidades são importantes para a inovação e para o tão desejado sucesso económico e empresarial. Inclusive cita casos de responsáveis de grandes empresas que reconhecem a importância de ter nos seus quadros mentes abertas, flexíveis, criativas, com pensamento crítico, com capacidade de resolução de problemas, competências, estas, tão caras às humanidades e às artes. Outro argumento apresentado pela autora, ao qual não são indissociáveis as questões que atrás mencionei, quando me referia a extremismos e aos acontecimentos que têm estado na praça pública, prende-se com questões existenciais, com a nossa relação com os outros e com a cidadania. Aqui, sublinho duas das conclusões de Nussbaum, quando defende o papel das humanidades na educação do sujeito: a primeira, a de que a batalha por uma democracia responsável e uma cidadania vigilante não só é urgente como possível vencer; a segunda, e aqui cito, “Uma educação adequada para viver numa democracia pluralista deve ser multicultural, isto é, deve familiarizar os estudantes com alguns aspectos fundamentais das histórias e culturas dos muitos grupos diferentes com quem partilham leis e instituições. Estes devem incluir grupos de cariz religioso, étnico, económico, social e de género”.
Em síntese, Nussbaum defende uma educação naquilo que designa de “artes liberais” (e que abarca as humanidades e as artes), que reconhece que o ensino superior deve preparar os estudantes não só para uma carreira, mas também para uma plena cidadania e para a vida.