terça-feira, 17 de outubro de 2023

A falta de professores. Sobretudo dos “principais”!

As notícias sobre a falta de professores no ensino básico e secundário, nalgumas disciplinas, têm sido, infelizmente, recorrentes. É um problema sério, com um horizonte que não augura nada de bom. O número de docentes que se têm formado anualmente está muito longe de compensar os que se estão a aposentar. Nem as medidas agora avançadas pelo governo apontam para uma resolução eficaz, num prazo mais ou menos alargado. Diga-se, em abono da verdade, que a carreira de professor não consegue ser atractiva para os candidatos ao ensino superior. O nível de burocratização a que os professores estão sujeitos, a sua desqualificação por parte de governos e da sociedade em geral, as más condições de trabalho verificadas em muitas escolas e uma tabela salarial que não tem em conta as enormes responsabilidades, a carga de trabalho e as despesas que suportam (traduzido por miúdos, salários que não permitem ter uma vida estável, programada e, por isso, livre de freimas), de modo algum poderão seduzir os jovens, que terminam o ensino secundário, a enveredar por um curso de formação de professores. Poucos estarão dispostos a dar o corpo e a alma por uma profissão sujeita a todos os problemas que acabo de elencar, para além de outros, por muito vocacionados que se sintam.Imagino e compreendo o alívio dos pais que vêem os seus filhos com todos os professores presentes. Também há aqueles que, apesar de faltar um ou outro professor da turma, sentem também algum alívio por os seus filhos terem, pelo menos, os professores das “principais” disciplinas. E aqui chego ao que verdadeiramente motivou este texto.
Aqui há relativamente poucos anos, um sábio e esclarecido ex-ministro da Educação, que me escuso a nomear, não utilizava o termo “principais”, mas algo equivalente: “fundamentais”. Referia-se o dito governante às disciplinas de Matemática, Português, Ciências e pouco mais. Aquelas que vulgarmente se designam de “estudo”. Como se houvesse disciplinas em que não se tenha de estudar!
Ora este é um tema que já explorei em vários artigos e que já me fez perder a esperança de que algum dia isto mude, neste pequeno rectângulo banhado pelo Atlântico. Refiro-me, em concreto, à desvalorização das disciplinas de artes ou de ensino/educação artística por parte de sucessivos governos e pela sociedade em geral, ao contrário do que sucede, por exemplo, em países do centro e norte da Europa. O que as últimas décadas dão conta é das sucessivas reformas, melhor dizendo, remendos curriculares que acabam sempre ou quase sempre por penalizar as disciplinas artísticas, tidas, está visto, apenas como um adorno no currículo. Falo das Artes Visuais, da Educação Musical, da Dança ou Teatro. Estas duas últimas existentes em pouquíssimas escolas. Poderia juntar ao grupo, e bem, a Educação Física e a Educação Tecnológica, esta última nas ruas da amargura! E quando não são os governos a cortar-lhes na carga lectiva, reduzindo-as quase à insignificância, são os próprios directores, alguns deles, a fazê-lo de forma obsequiosa. O que dá conta da enorme sageza e mundividência destes gestores escolares para com esta questão, tal como para tantas outras!
É verdade que a falta de professores nestas disciplinas é coisa rara e circunstancial (por enquanto!), mas os meus 30 anos de serviço, passados por várias escolas, mais o que vou lendo e ouvindo, dão conta de que é algo que não tira o sono a muitos pais. O que interessa mesmo são as disciplinas “principais”! Pena é que muita gente não pare sequer um minuto para pensar e, perante o mundo distópico em que vivemos, se questione sobre quais as aprendizagens verdadeiramente prioritárias a considerar na educação dos jovens. Pena é que não se dêem conta de que o que tirou o homem das cavernas e o trouxe até à Inteligência Artificial se deu, em boa parte, graças à imaginação e à criatividade. Como dizia Dulce Maria Cardoso, “o criador encontra o que ainda não existe e apresenta-o ao mundo”. A escritora resume bem esta mentalidade lusa, de subvalorização daquele que tem a capacidade de criar, nestas breves palavras: “O menor respeito, ou desrespeito, que existe em relação à criação artística e aos criadores resulta de se considerar que a sociedade não sobrevive sem engenheiros, médicos, operários, agricultores, mas que seria possível sobreviver sem criadores, mesmo que isso correspondesse a uma sociedade estagnada em termos de progresso e imaginação”(JL, Ano XLIII, nº 1383). E de humanismo, acrescento eu.