sábado, 28 de março de 2009

Educação democrática participativa


À semelhança do que acontece com outro tipo de aprendizagens, parece-nos evidente que a aprendizagem da democracia reivindica uma prática efectiva, um saber de experiência feito.
São inúmeros os autores que têm desenvolvido abordagens sobre a participação democrática nas instituições, em particular na escola. Apesar de alguns condicionalismos que, por vezes, a escola nos coloca (a nível organizativo, burocrático, curricular, etc.), a participação democrática permite-nos compreender como as instituições, as organizações ou as comunidades funcionam, bem como os mecanismos necessários para promover e defender valores democráticos. Contudo, esta é uma tarefa que não tem sido fácil, particularmente para aqueles que lutam por uma escola democrática.
No livro Escolas Democráticas, Michael Apple & James Beane (2000) defendem que, apesar da ideia generalizada de democracia verificada na sociedade, as escolas norte-americanas têm-se revelado como instituições amplamente antidemocráticas. Esta reflexão resulta da recolha e análise de um conjunto de depoimentos de professores de quatro escolas públicas norte-americanas, que se dedicaram a preparar estudantes para um modo de vida democrático, mas que entretanto se viram confrontados perante alguns problemas.
[1] Apple & Beane concebem a democracia como a base que nos permite o auto-governo e bem assim a avaliação da pertinência das políticas.
O conceito de democracia tornou-se abrangente. Hoje, é impensável falarmos em democracia sem nos pronunciarmos sobre a participação ou sobre a defesa dos direitos humanos, só para citar dois exemplos. Para Mª Josefa Martínez (2003: 63), a democracia deverá ser considerada “como elemento de aprendizagem prática através do ensaio de formas de vida democrática”. Enquanto processo contínuo e construtivo, a democracia reivindica a participação de todos[2], devendo esta crescer e fortificar-se logo nos primeiros anos da escolaridade básica.
Numa visão optimista dos poderes da educação, Conceição Nogueira & Isabel Silva (2001: 102-103) concebem a “possibilidade de actualizar na escola uma democracia participativa”, capaz de “promover a aprendizagem de práticas de cidadania mais activas e emancipatórias”. Uma escola que se deseje democrática, cidadã e promotora de práticas de cidadania, exige, como sublinha Manuel Barbosa (1999: 106), uma educação que se desenvolva num “clima democrático que potencie a participação dos jovens no seu governo”. Naturalmente que ninguém, à partida, estará predisposto para participar se não sentir uma determinada pulsão, uma necessidade real. A este respeito, Paulo Castro (2003: 59) declara: “Participar nasce da necessidade de resolver problemas e, no sentido restrito da palavra, efectiva-se quando actua”.
Parece-nos claro que a democracia não pode circunscrever-se à aprendizagem de um conjunto de normas constitucionais. Deverá, sim, emergir e suportar-se num conjunto de vivências, de partilhas, de responsabilidades individuais e colectivas. Como afiança Frederico Zaragoza (2002: 17): “Não pode haver democracia se não há democratas; tampouco sem uma cidadania consciente e activa”. O autor fala-nos da necessidade da criação de uma verdadeira cultura democrática para que efectivamente a democracia seja viável, constituindo aquela, no seu modo de ver, “o ponto de síntese de quatro conceitos fundamentais: o civismo, a tolerância, a livre comunicação de ideias e de pessoas e a educação”. Por último, conclui: “Aprender a cultura democrática, ensiná-la, praticá-la, experimentá-la e difundi-la têm de ser metas que todos devemos assumir para assegurar a vigência e o enraizamento definitivo da democracia no futuro” (Zaragoza, 2002: 21).
Num contributo para um programa de trabalho pedagógico, que inclua conteúdos de aprendizagens e práticas para a construção de uma cidadania, José Sacristán (2003) apresenta uma lista de propostas sistematizadas, à qual lhe chama carta da educação democrática do cidadão, que atende à sua liberdade e autonomia, à igualdade e à solidariedade, assente em cinco planos: (i) o acesso à educação; (ii) os conteúdos do ensino e da educação; (iii) as práticas de organização e metodologias; (iv) as relações interpessoais; (v) as relações escola e comunidade.[3]
Em jeito de conclusão, e retomando o primeiro parágrafo desta alínea, evocamos uma reflexão de Philippe Perrenoud. Para este estudioso, a aprendizagem da democracia por parte das crianças ou jovens deve ser feita à semelhança da aprendizagem da leitura; passo a passo, com o acompanhamento do adulto, “que, a fim de que a acção seja possível, guia e compensa as lacunas provisórias de quem aprende e retira-se à medida que a sua assistência se torna supérflua” (Perrenoud, 2002: 46).

[1] Apesar de se encontrarem em áreas problemáticas, os professores destas escolas básicas, onde se concentram crianças e jovens de nível económico baixo, foram capazes de criar um ambiente transformador, academicamente rigoroso e socialmente crítico; articularam a escolaridade com mundo do trabalho; relacionaram o currículo com as múltiplas culturas e etnias do seu público; envolveram as comunidades na educação dos seus filhos; transformaram a escola num local aprazível aos professores com conquistas burocráticas e transformações ideológicas. Todavia, enfrentaram inúmeros problemas com a prestação de contas, crescimento da pobreza, falta de emprego e insegurança social. Cf. Apple & Bean (2000).
[2] Na defesa da construção de uma escola democrática, Licínio Lima reclama precisamente a participação activa e co-responsável de vários agentes; não só aqueles que (con)vivem na escola (professores ou alunos), mas também de outros sectores da sociedade e ainda de outros actores – dos quais se espera um pleno exercício da cidadania crítica. Cf. LIMA (2000: 42).
[3] Esta carta apresenta-se sob a forma de um quadro, permitindo, deste modo, uma leitura organizada e objectiva. Cf. Sacristán (2003: 32-33).

BIBLIOGRAFIA
- APPLE Michael & BEANE James (orgs.) (2000). Escolas Democráticas. Porto: Porto Editora.
- BARBOSA, Manuel (1999). “Para construir uma nova utilidade da escola: educar para a autonomia e preparar para a cidadania”. In Barbosa, Manuel (coord.) Olhares sobre a Educação, Autonomia e Cidadania. Braga: Instituto de Educação e Psicologia – Universidade do Minho, p. 79-112.
- CASTRO, Paulo (2003). “Escola e Cidadania”. In Ferreira, José & Estevão, Carlos (orgs.). A construção de uma escola cidadã: público e privado em educação. Braga: Externato Infante D. Henrique, pp. 57-77.
- LIMA, Licínio (2000). Organização escolar e a democracia radical. Paulo Freire e a governação democrática na escola pública. São Paulo: Cortez / Instituto Paulo Freire.
- MARTÍNEZ, Mª Josefa (2003). “Imaginar e instituir la educación globalizada”. In Bonafé, Jaume (coord.). Ciudadanía, poder y educación. Barcelona: Editorial Graó, pp. 35-55.
- NOGUEIRA, Conceição & SILVA, Isabel (2001). Cidadania: construção de novas práticas em contexto educativo. Porto: Edições Asa.
- PERRENOUD, Philippe (2002). A escola e a aprendizagem da democracia. Porto: Edições Asa.
- SACRISTÁN, José Gimeno (2003). “Volver a leer la educación desde la ciudadanía”. In Bonafé, Jaume (coord.). Ciudadanía, poder y educación. Barcelona: Editorial Graó, pp. 11-34.
- ZARAGOZA, Frederico (2002). “Ciudadanía democrática: reiventar la democracia, la cultura de paz, la formación cívica y el pluralismo”. In Imbernón, Francisco (org.). Cinco ciudadanías para una nueva educación. Barcelona: Editorial Graó, pp 15-27.