segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O corolário da desconsideração e do desinvestimento

Raro é o dia em que as notícias sobre escola, ensino ou educação não sejam manchete dos jornais ou abram noticiários. Com uma certa frequência, para não dizer preferencialmente, uma boa parte das vezes debruçam-se sobre casos polémicos ou que nem sequer merecem o estatuto de notícia. Então não são estes que vendem e que fazem subir as audiências, dando gáudio à plebe!? Para tal, muito têm contribuído as redes sociais. E quem conta um conto…! Os exemplos de boas práticas educativas raramente são motivo de interesse. O que importa mesmo é o sensacionalismo, a maledicência ou o achincalhamento na praça pública, sendo os mais visados os professores.
Embora não seja de agora, nos últimos tempos foram profusas as notícias sobre agressões dentro ou à porta da escola, envolvendo alunos, professores ou pais. Mais recentemente tem-se falado acerca da dificuldade em encontrar alojamento com rendas acessíveis por parte de professores, acabando muitos destes por desistir de leccionar, contribuindo assim para o problema crescente da falta destes profissionais em várias escolas. Fala-se ainda da falta de pessoal não docente, de equipamentos e recursos materiais, do estado de degradação de algumas escolas ou do problema das coberturas em amianto. Estes são apenas alguns dos vários problemas que assolam a escola e o ensino. A ponta do iceberg. Um outro tem a ver com a sistemática e perigosa desconsideração pela classe docente perpetrada por sucessivos governos, logo secundada por uma selectiva opinião pública, onde se incluem os “profissionais do comentário”, sempre pronta a verter o seu fel. Depois admiram-se da detracção e da violência sobre professores! Em matéria de desinformação, ainda recentemente, no seu tempo de antena, ao Domingo, no Jornal da Noite da SIC, Marques Mendes, fazendo uso da sua prosápia costumeira, dizia barbaridades acerca de um tema que se tornou polémico e envolto de muita demagogia, o da (não) retenção dos alunos até ao 9º ano, revelando uma confrangedora ignorância acerca da organização das escolas e do nosso sistema de ensino. Nada que surpreenda quem está verdadeiramente por dentro do tema da educação ou simplesmente os mais sensatos ou intelectualmente honestos.
Num resumo, poderia ainda discorrer acerca de outros problemas, tais como: o regime de concursos de professores, onde alguns são ultrapassados por outros com menor graduação; o envelhecimento da classe docente; o ataque aos professores e a desvalorização da carreira docente; os cursos de formação inicial de professores sem candidatos (pudera!); o processo de municipalização, com um olho franzido na redução da autonomia das escolas, abrindo caminho à ingerência na sua organização interna, logo, na usurpação de poderes das suas direcções; o actual modelo de gestão escolar, que distancia cada vez mais a generalidade dos docentes dos níveis de decisão, e que em vários casos desencadeia situações de autocracia e arbitrariedade. Que dizer então da chamada flexibilidade curricular, que pouco adicionou ao que já se fazia em grande parte das escolas, antes sobrecarregando ainda mais os professores com mais burocracias e reuniões, para além das perplexidades que suscita na sua aplicação!? O que se percebe é que este “cozinhado” curricular se tem prestado a experimentalismos incongruentes e sem o devido cálculo dos seus impactos, e em que seus principais intervenientes, os professores, não são tidos nem achados. Só para dar um exemplo, à conta desta situação, um professor (em especial do quadro) não está seguro de que no ano seguinte poderá dar continuidade pedagógica (entenda-se, continuar a leccionar as turmas que iniciou) e/ou a manter projectos pedagógicos com provas dadas, nem iniciar aqueles que desenhou para o ano lectivo seguinte. Ou seja, não pode pensar o seu trabalho a longo prazo porque, e como às vezes acontece, no ano seguinte tudo muda, quer a nível de turmas, de níveis de ensino, disciplinas, etc.
Toda esta convulsão que se vai vivendo no seio da escola torna cada vez mais difícil a tarefa de ensinar, formar e educar, comprometendo o prazer e o sentido de missão que dá substrato a esta tão nobre profissão, que é a de professor, bem como, e consequentemente, o futuro do país.