terça-feira, 16 de maio de 2023

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado

As perspectivas de resolução dos principais problemas que afectam o sistema educativo não são as melhores. E ninguém melhor que os professores conhece a realidade das escolas e as suas lacunas. As suas legítimas reivindicações, tantas vezes levianamente distorcidas na praça pública, incidem, grosso modo, em melhores condições de trabalho, no reconhecimento e dignificação da figura do professor, da sua carreira profissional, e na defesa de uma escola pública dotada das melhores condições de aprendizagem para os seus alunos.
Começo pela carga burocrática que pesa sobre os ombros dos professores, que mais não faz do que lhes retirar tempo para a sua principal função, que é ensinar. Como sublinha Luís Vilar (DN, 13/03/2023), “A crescente exigência, burocrática e social, para que os nossos professores provem exaustivamente a adequação de uma qualquer acção e/ou decisão avaliativa e/ou disciplinar, por menor que seja, removeu-lhes a capacidade de cumprir com a função que justifica a sua existência.” Pegando num exemplo, lembra que hoje “obrigamos os professores a pensarem duas vezes antes de reprovar alunos, porque se arriscam a ter de passar o seu fim-de-semana a preencher relatórios e relatoriozinhos e verificar que encarregados de educação vêem as suas mais irrealistas reclamações surtirem efeito.”
Sigo para o labirinto da legislação que chega às escolas em catadupa (quantas vezes absurda ou inconsequente), alguma dela apenas para preparar o terreno para a transição administrativa de alunos que se entregaram, de alma e coração, ao ócio durante todo o ano lectivo. Disto se tem feito catecismo, com um crescendo de acólitos. Acrescente-se as reformas e contra-reformas curriculares que fazem dos professores e alunos ratos de laboratório. Junta-se o cansaço e o desgaste físico e emocional acumulado, a frustração de verem uma carreira estagnada, desvalorizada, que não reconhece o esforço e a dedicação ao ensino. E aqui importa denunciar um modelo de avaliação de professores envolto em controvérsia, por ser altamente penalizador e permeável a interesses nebulosos. Como destaca Paulo Sucena (JL, nº1370), estamos perante “um processo punitivo, porque construído sobre a existência de quotas e vagas de que resulta o impedimento dos professores e educadores terem o normal processo de progressão na carreira.”
O actual modelo de gestão das escolas é outro dos calcanhares de Aquiles que afecta a escola pública. Falamos de um modelo centralizador, que condiciona a actividade pedagógica dos professores. Juntemos-lhe a falta de infra-estruturas, salas adequadas, equipamentos, recursos humanos, etc.
Igualmente alarmante é a conhecida falta de professores, problema denunciado há muito e sobre o qual não se augura um futuro risonho, pois é do conhecimento público que têm sido mais os que se aposentam anualmente (mais os que desistem da profissão) do que aqueles que se formam. Não espanta! Às políticas erráticas e desastrosas na área da gestão dos recursos humanos na Educação, seguidas por sucessivos governos, junta-se um conjunto de circunstâncias que retiram aos jovens, que acabam o secundário, o desejo de apostar numa carreira profissional no ensino. Seguramente que não lhes passará despercebido, para além dos problemas atrás descritos, os conhecidos contractos precários de milhares de docentes, que percorrem o país de norte a sul, a auferirem salários miseráveis, impossíveis de suportar a renda de uma casa ou quarto, sem perspectivas de futuro.
Outro problema prende-se com a autoridade do professor. São conhecidos inúmeros e recorrentes casos de falta de respeito pela autoridade de várias figuras ou entidades com responsabilidades sociais, cívicas ou políticas. Assistimos a relatos diários de desrespeito para com profissionais de saúde, agentes policiais, magistrados, órgãos de soberania, etc. Não admira, pois, que este tipo de afronta já tenha chegado, desde há muito, aos professores. Como lembra António Cortez (DN, 6/02/2023), “Passou-se do autoritarismo mais sórdido que caracterizava a relação pedagógica do Salazarismo, para a absoluta falta de autoridade docente (…).” E aqui regresso a Luís Vilar para manifestar a minha total concordância, quando refere que “Temos de voltar a dar confiança e autoridade ao professor, para que este se permita ser exigente, competente para reprovar alunos pouco dedicados ao seu futuro (e ao futuro do país) e penalizar os pais que tenham usufruído do seu direito de ter filhos e abdicado do seu dever de os educar.” Mais adiante acrescenta que “A incapacidade de responsabilizar-se (ética, moral, social e até financeiramente) os encarregados de educação pelos comportamentos inadequados dos seus filhos na escola e a remoção da autoridade social e dignidade profissional do professor são passos decisivos para a deterioração da escola pública como hoje a conhecemos.” Luís Vilar termina o seu texto com uma advertência: “Como é possível compaginar o desenvolvimento civilizacional do nosso Estado democrático com professores cada vez mais limitados no exercício da sua actividade profissional?”
Como cantava Amália Rodrigues, “Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado”.