sexta-feira, 13 de maio de 2011

AMANTES

Que inveja tenho daqueles que escrevem bem! É verdade. São dignos de admiração todos os que com pouco dizem muito; que em escassas palavras vertem ideias ou pensamentos profundos, capazes de penetrar e despertar as almas mais empedernidas. Quantos, pelo dom e poder da palavra, conseguiram mobilizar as massas e desencadear as maiores revoluções sociais, culturais, literárias ou artísticas, ao ponto de hoje constarem nos anais da História… para o bem ou para o mal! Eu mais não consigo do que me fazer seguir (ou perseguir!) por uma dúzia de galinhas, não pela minha capacidade de retórica, mas se me fizer acompanhar de um punhado de milho para satisfazer a voracidade destas!
Bem, o que me traz hoje aqui é precisamente as palavras de um ilustre escritor: Eça de Queirós. Embora escassos, os meus conhecimentos sobre literatura permitem-me, sem a menor hesitação, concordar com aqueles que apelidam este poeta e romancista de “mestre da literatura”, de “génio”, de “talentoso” ou de “artista”. Até à data, dele apenas tinha lido “Os Maias” e “A Ilustre Casa dos Ramires”.
Recentemente adquiri um livro intitulado, “Citações e pensamentos de Eça de Queirós”, uma colectânea de textos do autor, feita por Paulo Neves da Silva. É impressionante a actualidade desses pensamentos do Eça! Destaco, por exemplo, o que ele diz a respeito de alguns temas ou conceitos, como por exemplo: Arte, Crise, Crítica, Democracia, Economia, Governo, Humanidade, Política, Religião, etc., sobretudo quando explanados no contexto luso.
Desse livro, elegi um desses pensamentos, que trago à colação, precisamente porque dá que pensar! É sobre os AMANTES. Pois, por vezes não imaginamos (ou não nos atrevemos a imaginar) o que representará ou o que poderá ocultar um gesto, um olhar, um sinal de aparente indiferença ou distracção, sei lá, tantos propósitos! Quem se der ao trabalho ou tiver especial interesse, e com a devida perspicácia, claro, poderá fazer esse exercício hermenêutico, independentemente dos seus resultados. Foi precisamente isto que Eça de Queirós fez no texto que passo a citar.



O encanto de ter um(a) amante

“Para a generalidade das mulheres, ter um amante significa ter uma quantidade de ocupações, de factos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação, acham um encanto inefável. Ter um amante - não é para elas abrir de noite a porta do seu jardim. Ter um amante é ter a feliz, a doce ocasião destes pequeninos afazeres - escrever cartas às escondidas, tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar, estendida no sofá; ter o orgulho de possuir um segredo; ter aquela ideia dele e do seu amor, acompanhando com uma melodia em surdina todos os seus movimentos, a toilette, o banho, o bordado, o penteado: é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles dois estarem no encanto do mistério; é procurar uma certa flor que se combinou pôr no cabelo; é estar triste por ideias amorosas, nos dias de chuva, ao canto de um fogão; é a felicidade de andar melancólica no fundo do cupé; é fazer toilette com intenção, o maior dos encantos femininos! Etc.
Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a complicam em cor-de-rosa, que a idealizam - são a sua grande atracção. É o que amam. O homem amam-no pela quantidade do mistério, de interesse, de ocupação romanesca que ele dá à sua existência. De resto, amam o amor. Havia muito deste sentimento nas místicas e nas antigas noivas de Jesus. Amavam a Deus porque ele era o pretexto do culto.”

(Eça de Queirós, in “Uma Campanha Alegre”)