terça-feira, 31 de maio de 2022

Linha vermelha

Com o título “WhatsApp: a nova arma dos pais”, a revista Expresso, do dia 20 de Maio, edita um longo e interessante artigo, assinado pelas jornalistas Isabel Leiria e Joana Bastos, que analisa os efeitos do desenvolvimento da tecnologia na relação entre pais e escola, com o contributo de testemunhos de professores, pais, especialistas, entre outros. Segundo as autoras, aquela aplicação de mensagens instantâneas e chamadas de voz, se por um lado aproximou os pais da escola, também é verdade que veio criar situações de abuso e conflito. Uma maior participação e envolvimento dos pais nos assuntos que dizem respeito aos seus educandos é louvável e até desejável. Diria mesmo, imprescindível. Mas quando esse envolvimento se faz de forma desregulada e, pior de tudo, ultrapassando o limite das suas competências, aí entramos em terreno perigoso. Esta é uma situação que já decorre há vários anos, mas que se agravou com a pandemia e com o confinamento dela decorrente, mantendo-se até à data.
Com o WhatsApp, os professores, mas muito em particular os Directores de Turma, passaram a estar sob permanente escrutínio por partes dos encarregados de educação. Para tal têm contribuído as “assembleias de pais”, entretanto criadas, quantas vezes apenas para aí se fazerem insinuações, acusações recíprocas ou dirigidas a professores, desencadear insurgências, isto tudo feito sem moderador, sem filtros e por detrás de uma cortina. Alguns pais revelam inclusive falta de respeito pela vida privada dos professores, ao contactá-los a qualquer hora do dia, incluindo fins-de-semana.
No tempo em que o contacto entre pais e professores se dava apenas presencialmente, olhos nos olhos, as reuniões faziam-se geralmente com respeito e polidez. Hoje, apesar de estas ainda acontecerem, muitos pais, quantas vezes por comodismo, optam pelo contacto por meios digitais, como o WhatsApp.
Através deste a postura dos pais tornou-se, como sublinha Paulo Guinote, muito abusiva em termos psicológicos. Tal como descreve este professor, “os pais atuam como matilha e fazem ameaças de queixas dos professores porque não deixaram o filho ir à casa de banho, por exemplo”. Este é apenas um entre outros exemplos mesquinhos com que um professor se confronta hoje em dia.
Georgina Torrado fala-nos de um não problema que facilmente se transforma numa bola de neve, desencadeado por pura especulação de um determinado pai. Esta professora refere-se ao que diz ser uma contaminação da informação, e que se por um lado acha que os pais têm o direito de querer saber e perguntar, por outro têm de perceber que há limites. Sublinha, e bem, que os professores não têm de explicar à exaustão os seus métodos, estratégias e opções, porque, e como explica, “o que se passa na escola não é fruto do acaso; é discutido e trabalhado entre os professores”.
A autoridade do professor tem vindo a ser posta em causa num crescendo preocupante. A pressão e as ameaças a docentes tornaram-se, infelizmente, correntes. Em tempos idos a autoridade dos docentes raramente era questionada. Hoje o tom e a forma de abordagem são outros, tendo o contacto virtual contribuído muito para que se chegasse ao estado em que se encontram as relações entre pais e professores/escola. Como bem refere Benedita Salema, também docente, hoje em dia “comunica-se de forma mais leviana, mais agressiva, com termos e frases que os pais nunca usariam numa reunião presencial. Cara a cara, as pessoas tendem a ser mais cuidadosas (…). Agora, são muito mais impulsivas e irreflectidas”.
Hugo Rodrigues, pediatra, acusa o excesso de zelo dos pais sobre os filhos, levando-os a uma intervenção exagerada na vida escolar destes, com prejuízo para o seu crescimento. Para o especialista, “as crianças têm de perceber que cada contexto em que se movem tem as suas autoridades. Em casa são os pais, nos clubes os treinadores e nas escolas os professores e funcionários. É importante que os pais deixem os filhos resolver os problemas com a autoridade de cada um desses espaços, sem a sua intromissão. Têm de confiar e perceber que não são os donos da verdade e que não têm de estar sempre a contestar, quais treinadores de bancada. Caso contrário, estão a contribuir para minar o poder dessas autoridades”.
Na mesma direcção vão as declarações da psicóloga Margarida Matos, quando denuncia a ingerência abusiva das famílias no espaço escolar. Para esta especialista em comportamento adolescente, “os filhos não são flores de estufa que tenham de ser protegidos de tudo, nomeadamente dos professores, e nos casos por vezes relatados de abusos a escola tem de ter modos de se regular sem um take over [controlo] por parte dos grupos de pais (…)”, e que a sobreprotecção “atrasa o processo de autonomia e responsabilização dos jovens, tornando-os dependentes e pouco resistentes a qualquer frustração”. Enquanto seres humanos, os professores têm naturalmente os seus defeitos, comentem erros. Mas jamais a sua autoridade poderá ser posta em causa, pois os próprios estão bem cientes da sua missão, que se poderia resumir no desejo do sucesso dos seus alunos. E aqui está uma linha vermelha que qualquer professor deve considerar intransponível. No meu caso em particular, nunca o permiti e jamais o permitirei.