segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O corolário da desconsideração e do desinvestimento

Raro é o dia em que as notícias sobre escola, ensino ou educação não sejam manchete dos jornais ou abram noticiários. Com uma certa frequência, para não dizer preferencialmente, uma boa parte das vezes debruçam-se sobre casos polémicos ou que nem sequer merecem o estatuto de notícia. Então não são estes que vendem e que fazem subir as audiências, dando gáudio à plebe!? Para tal, muito têm contribuído as redes sociais. E quem conta um conto…! Os exemplos de boas práticas educativas raramente são motivo de interesse. O que importa mesmo é o sensacionalismo, a maledicência ou o achincalhamento na praça pública, sendo os mais visados os professores.
Embora não seja de agora, nos últimos tempos foram profusas as notícias sobre agressões dentro ou à porta da escola, envolvendo alunos, professores ou pais. Mais recentemente tem-se falado acerca da dificuldade em encontrar alojamento com rendas acessíveis por parte de professores, acabando muitos destes por desistir de leccionar, contribuindo assim para o problema crescente da falta destes profissionais em várias escolas. Fala-se ainda da falta de pessoal não docente, de equipamentos e recursos materiais, do estado de degradação de algumas escolas ou do problema das coberturas em amianto. Estes são apenas alguns dos vários problemas que assolam a escola e o ensino. A ponta do iceberg. Um outro tem a ver com a sistemática e perigosa desconsideração pela classe docente perpetrada por sucessivos governos, logo secundada por uma selectiva opinião pública, onde se incluem os “profissionais do comentário”, sempre pronta a verter o seu fel. Depois admiram-se da detracção e da violência sobre professores! Em matéria de desinformação, ainda recentemente, no seu tempo de antena, ao Domingo, no Jornal da Noite da SIC, Marques Mendes, fazendo uso da sua prosápia costumeira, dizia barbaridades acerca de um tema que se tornou polémico e envolto de muita demagogia, o da (não) retenção dos alunos até ao 9º ano, revelando uma confrangedora ignorância acerca da organização das escolas e do nosso sistema de ensino. Nada que surpreenda quem está verdadeiramente por dentro do tema da educação ou simplesmente os mais sensatos ou intelectualmente honestos.
Num resumo, poderia ainda discorrer acerca de outros problemas, tais como: o regime de concursos de professores, onde alguns são ultrapassados por outros com menor graduação; o envelhecimento da classe docente; o ataque aos professores e a desvalorização da carreira docente; os cursos de formação inicial de professores sem candidatos (pudera!); o processo de municipalização, com um olho franzido na redução da autonomia das escolas, abrindo caminho à ingerência na sua organização interna, logo, na usurpação de poderes das suas direcções; o actual modelo de gestão escolar, que distancia cada vez mais a generalidade dos docentes dos níveis de decisão, e que em vários casos desencadeia situações de autocracia e arbitrariedade. Que dizer então da chamada flexibilidade curricular, que pouco adicionou ao que já se fazia em grande parte das escolas, antes sobrecarregando ainda mais os professores com mais burocracias e reuniões, para além das perplexidades que suscita na sua aplicação!? O que se percebe é que este “cozinhado” curricular se tem prestado a experimentalismos incongruentes e sem o devido cálculo dos seus impactos, e em que seus principais intervenientes, os professores, não são tidos nem achados. Só para dar um exemplo, à conta desta situação, um professor (em especial do quadro) não está seguro de que no ano seguinte poderá dar continuidade pedagógica (entenda-se, continuar a leccionar as turmas que iniciou) e/ou a manter projectos pedagógicos com provas dadas, nem iniciar aqueles que desenhou para o ano lectivo seguinte. Ou seja, não pode pensar o seu trabalho a longo prazo porque, e como às vezes acontece, no ano seguinte tudo muda, quer a nível de turmas, de níveis de ensino, disciplinas, etc.
Toda esta convulsão que se vai vivendo no seio da escola torna cada vez mais difícil a tarefa de ensinar, formar e educar, comprometendo o prazer e o sentido de missão que dá substrato a esta tão nobre profissão, que é a de professor, bem como, e consequentemente, o futuro do país. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Abstenção: da indignação à acção


Eleições após eleições, a taxa de abstenção tem vindo a aumentar. Nas mais recentes, para a Assembleia da República, bateu-se um novo record: 51,43%. Já nem falemos das Europeias, também deste ano, que se cifrou nuns escandalosos 69,27%!
Conhecidos os resultados de cada acto eleitoral, certo é que nos dias seguintes abundam os artigos de opinião, nos quais se manifesta a maior indignação e repúdio por todos aqueles que se escusam a exercer o seu dever cívico de votar. De nada têm servido os apelos ao voto por parte dos sucessivos Presidentes da República, nem de outros responsáveis políticos. Passadas uma ou duas semanas o assunto é votado de novo ao esquecimento até às próximas eleições. Parece que estamos perante um ciclo vicioso, um mal irresolúvel.
As desculpas para não votar são as costumeiras. Para simplificar, poderíamos agregá-las em dois grupos: um deles, aquele onde se incluem todos os abstencionistas que se apoiam naquele velho e absurdo cliché de que os políticos ou partidos são todos iguais, ou seja, no descrédito da classe política em geral; no outro incluem-se aqueles que não prescindem de passar o dia na praia, no centro comercial, de ir ao cinema ou a qualquer outro lugar de entretenimento, ou simplesmente ficar alapado no sofá. Qualquer um dos casos é revelador de uma ausência total de consciência e dever cívicos. Por isso, mais do que os apelos à mobilização do eleitorado e as efémeras indignações, importa reflectir no que se poderá e deverá fazer, sobretudo ao nível dos mais jovens, pois sobre os mais graúdos não restam grandes esperanças.
A escola poderá certamente dar um contributo importante, senão mesmo decisivo, para contrariar estas taxas de abstenção inauditas. Para tal, impõe-se uma acção pedagógica que implica, desde logo, uma (sempre difícil) mudança de mentalidades no seu interior, com o propósito de convocar os alunos a participar na vida democrática da escola. Que cidadania se espera de uma criança ou jovem que não é convidado a participar directamente, por exemplo, na construção do Regulamento Interno da escola ou no Plano Anual de Actividades? Que pulsão cívica se espera de uma criança ou jovem que não é chamado a ser parte na solução dos mais variados assuntos ou problemas que afectam a escola, e em que ele é parte interessada? Que consciência crítica e cívica se espera de uma criança ou jovem que não é levado a reflectir e a discutir problemas que tocam as sociedades contemporâneas? É verdade que com o fim, há relativamente poucos anos, do modelo de gestão democrática que vigorava nas escolas, em que as direcções eram eleitas de forma colegial, perdeu-se um referencial de democracia participativa. Mas isto são contas de outro rosário…
Não é com a mudança de terminologias ou roupagens, que habitualmente acompanham as rotineiras reformas educativas que surgem ao sabor ou capricho de cada governo, que se mudarão mentalidades. Não é com a criação, melhor dizendo, renomeação de disciplinas de formação cívica que se mudarão comportamentos. Como se tem visto, as modas pegam facilmente, quantas vezes de forma acrítica, no seio das escolas. Há “novidades”, e logo o séquito segue atrás, prestando-se a todo o tipo de experimentalismos, sem calcular os impactos!
Educar para a cidadania implica, sim, que os alunos sejam ouvidos e chamados a participar em diversas iniciativas educativas, venham de dentro ou de fora da escola, e que se traduzam numa participação cívica, bem entendido, numa prática reflexiva e transformadora. E aqui as temáticas podem ser inúmeras, tais como: o ambiente, a igualdade de género, o racismo e a xenofobia, o encontro de culturas, a corrupção, a interioridade, o desenvolvimento económico, a cultura e as artes, o Estado Social, etc. São estas temáticas que, grosso modo, são visadas em muitas das políticas dos governos. Façamos, pois, com que os alunos se vão familiarizando com elas ao longo do seu percurso escolar.
Votar num partido político, votar para eleger um governo é pensar antecipadamente no país que queremos para um futuro mais ou menos próximo. Mais do que um desígnio nacional, é comprometermo-nos com a qualidade da democracia. Claro está que o discurso e as práticas dos políticos e governantes terão que mudar. Que casos como o de nepotismo, corrupção, abuso de poder, enriquecimento ilícito, entre outros, deixem de abrir noticiários. Que as promessas não passem disso mesmo, mas que se parta para a efectiva resolução dos problemas que afectam as pessoas. Que os extensos e intragáveis programas eleitorais deixem de ser um repositório de ficções ou demagogias, para além das omissões. A este propósito, seria interessante iniciar os mais jovens na hermenêutica do texto e discurso político-partidário!

domingo, 29 de setembro de 2019

Legislativas 2019

Estamos a poucos dias de eleger um novo parlamento, podendo-se já fazer um breve balanço do que foi a campanha eleitoral protagonizada pelos diferentes partidos, não faltando, claro está, o escrutínio da governação socialista. Com pequenas variações, as sondagens apontam para uma vitória clara do PS. Permanece apenas a dúvida se ela será por maioria relativa ou absoluta. À direita e à esquerda a luta tem sido intensa para que esta última não se concretize. 
Os debates a dois ou em grupo não parecem ter alterado significativamente a “tabela classificativa” dos partidos. António Costa tem-se limitado a gerir os créditos alcançados dentro e fora do país. A descida do desemprego e o aumento do emprego, a redução e o controlo do défice, a subida paulatina do rating da dívida portuguesa pelas agências de notação financeira, o aumento das pensões e do ordenado mínimo, os passes sociais, entre outros, têm sido as bandeiras do PS e do governo, embora algumas delas tenham a paternidade dos partidos mais à sua esquerda (BE e PCP/PEV). 
Entretanto, à esquerda e à direita, a oposição não se tem feito rogada nas críticas à governação de António Costa relativamente a algumas matérias. Por muito que este aponte os milhões investidos aqui ou ali, a verdade é que o SNS continua a padecer de algumas patologias. Acumulam-se as dívidas, aumentam as listas de espera e as reclamações, quer de utentes, quer dos profissionais de saúde. O investimento público está em mínimos históricos. Na educação, o problema da falta de assistentes operacionais em muitas escolas mantem-se, o melhoramento do parque escolar não se fez ao ritmo do recomendável, o reconhecimento de todo o tempo de serviço trabalhado (sublinho) pelos professores teve o desfecho que é conhecido (mas não está esquecido…), o envelhecimento da classe docente é uma realidade preocupante. O “fordismo” legislativo, a autonomia e o modelo de gestão das escolas, bem como a municipalização, são outros dossiês cheios de espinhos. O apelidado “Ronaldo do Eurogrupo” na União Europeia é, dentro de portas, designado de “Centeno, o cativador”. Saúde e Educação são dois dos sectores em que as limitações nas despesas são bem notórias.
Por outro lado, e à direita, PSD e CDS não conseguem libertar-se do espartilho que foi a troika e a sua governação. É crível que em matéria de política de finanças, tal como de economia, um governo liderado pelo PSD, coligado ou não com o CDS, não seria muito distinto do governo socialista.
À esquerda, BE e PCP/PEV, parceiros de governação, mas agora correndo naturalmente em pistas próprias, fazem pela vida para, como atrás referi, impedir uma maioria absoluta do PS. Assim, para além de comungar de algumas críticas feitas pela direita, juntam-se as bandeiras que sempre os caracterizaram ideologicamente, em particular as da defesa do Estado Social e do mundo laboral. 
O PAN, que conseguiu inteligentemente fazer com que o ambiente e os animais fossem tema central, pelo menos nos debates em que participou, é um partido que não deixou de revelar fraquezas noutros domínios. Pelos vistos, uma experiência parlamentar de quatro anos não parece ter sido suficiente para este partido apresentar propostas governativas fiáveis em áreas como a educação, saúde, economia, etc., pese embora eu não pactue com a demonização que lhe tem sido feita, quer pelos outros partidos, quer por alguns comentadores de serviço. 
Por falta de uma cobertura mediática mais equitativa ficam por conhecer melhor as propostas apresentadas por outros partidos mais pequenos, tais como o Livre, o Aliança, o Iniciativa Liberal, entre outros. Para os interessados resta-lhes uma visita às respectivas páginas na Internet!
No dia 7 veremos qual será o xadrez político e a relação de forças na assembleia da república, e se daí resultará ou não um novo acordo parlamentar ou coligação e com que partidos. Espero acima de tudo que os eleitores cumpram o dever cívico de votar, que é simultaneamente um direito que custou muito a conquistar, de modo que a abstenção não seja a grande vencedora da noite das eleições

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Plano Nacional das Artes

No dia 18 de Junho os ministérios da Educação e da Cultura apresentaram, em conjunto, o designado Plano Nacional das Artes (PNA), já aprovado a 7 de Fevereiro através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2019. A iniciativa aponta para o horizonte temporal 2019-2029, e visa criar maior proximidade entre alunos e o mundo artístico. No seu preâmbulo, o diploma destaca a relevância da cultura e das artes como factores de desenvolvimento e promoção da coesão territorial, reconhecendo o seu potencial “na multiplicidade das suas manifestações, para cultivar o respeito pela diversidade, liberdade, expressão pessoal, abertura ao outro, valorização da experiência estética e preservação do património”. 
Ainda segundo o referido documento, o PNA tem por objectivo conjugar várias iniciativas já existentes, como a Rede de Bibliotecas Escolares, o Plano Nacional de Cinema, o Programa de Educação Estética e Artística, o Plano Nacional de Leitura, e a Rede Portuguesa de Museus, entre outros programas igualmente ligados às áreas artísticas. Aliás, esta é umas das linhas orientadoras do projecto, juntamente com outras, tais como: a colaboração com entidades públicas e privadas; o envolvimento da comunidade educativa nas actividades culturais; a aproximação dos cidadãos às artes; as parcerias entre artistas, professores e alunos; a articulação entre equipamentos e agentes culturais, sociais e profissionais; etc. Estão igualmente previstos cursos de formação continuada destinados a professores e educadores, bem como a artistas e outros agentes culturais e sociais. 
Em comunicações previamente enviadas à Agência Lusa os responsáveis pelos Ministérios da Educação e da Cultura destacaram os propósitos gerais do PNA. Tiago Brandão Rodrigues sublinhou que este tem “como missão garantir que a arte existe porque existe escola e a escola existe porque existe arte”, e que “o perfil dos alunos determina que a sensibilidade estética e artística é uma competência essencial a desenvolver”. Por sua vez, Graça Fonseca fez saber que “com o Plano Nacional das Artes, as escolas vão ter um projecto cultural desenhado à sua medida e as artes terão um papel preponderante nos recursos pedagógicos disponíveis para a comunidade educativa”. A ministra destacou a possibilidade da convivência entre artistas e comunidade escolar, através daquilo a que chama de “residências artísticas”. Ou seja, as escolas poderão contar com um artista residente, durante um determinado período de tempo, de modo a proporcionar aos alunos um contacto directo com o processo criativo e, quem sabe, fazerem parte dele. 
Para algumas escolas a iniciativa não trará grandes dificuldades de ajustamento. É o caso do Agrupamento de Escolas Gomes Monteiro, em Boticas, que há 5 anos tem um projecto que vai nesse sentido. Falo do Plano de Promoção das Artes, sobre o qual já me referi neste mesmo jornal e que merece ser lembrado, visto que muito do que propõe o PNA é trabalhado neste agrupamento de escolas desde a criação do seu projecto. No ano lectivo que há pouco findou foi criado o Espaço CriARTE, que permitiu aos alunos o contacto com artistas, e bem assim com a arte, dentro e fora da escola, contando com a colaboração da comunidade educativa, autarquia e outros agentes sociais. 
Todas as medidas ou iniciativas que se destinem a promover as artes na escola, e desse modo contribuírem para a formação do aluno/cidadão e para elevar o seu nível cultural, recomendações frequentemente feitas por várias instâncias nacionais e internacionais (CNE, UNESCO, OCDE, Eurydice, etc.), são sempre louváveis e bem-vindas. Esperemos agora, e no âmbito da política cultural, que não faltem os prometidos apoios, em especial a abertura de uma linha de financiamento público da Direcção Geral das Artes e do Instituto do Cinema para apoiar as actividades deste plano que, segundo a ministra da Cultura, contará com uma verba inicial de 500 mil euros. Por outro lado, torna-se imperiosa uma mudança de mentalidades/cultura no seio da escola e, por arrasto, na própria sociedade, para que as artes ganhem o espaço que merecem.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

A utilidade do inútil


“O verdadeiro inimigo da espécie humana não é o pensador temerário ou
irresponsável, esteja ele certo ou errado, mas sim aquele que tenta moldar o
 espírito humano de forma a que ele não se atreva a abrir as asas e voar (…)”
Nuccio Ordine


Este é título que dá nome a um manifesto escrito por Nuccio Ordine, filósofo e professor de literatura italiana na Universida­de da Calábria. A obra dá conta de como a lógica utilitarista e o culto da propriedade acabam por definhar o espírito das pessoas, colocando em risco não só a cultura, a criatividade e as instituições de ensino, mas também valores fundamentais como a dignidade humana, a justiça, a solidariedade, a tolerância, a liberdade, ou tão-só o amor e a verdade. Valendo-se da reflexão de grandes filósofos e escritores, Nuccio Ordine faz-nos perceber que nem mesmo em tempo de crise só é útil o que gera lucro ou que tenha utilidade prática. Para tal, as suas considerações gravitam em torno da ideia de utilidade de todos aqueles saberes cujo valor substancial se encontra despojado de qualquer finalidade utilitária, saberes esses, como sublinha o autor, que podem ter um papel capital na educação do espírito e no desenvolvimento cívico e cultural da humanidade. 
Numa Europa da economia e da finança, dos negócios e dos orçamentos, dos números e das estatísticas, numa Europa da perda de direitos e apoios sociais e laborais, do ataque aos Direitos Humanos, o direito de ter direitos é, como diz Nuccio, “subordinado ao domínio do mercado, com um risco crescente de eliminar qualquer forma de respeito pela pessoa. Transformando os homens em mercadoria e dinheiro (…)”. O mesmo questiona, de forma algo indignada, se as dívidas soberanas terão o condão de apagar as “dívidas” mais importantes, contraídas ao longo dos séculos em relação a quem nos legou um extraordinário património artístico e literário, musical e filosófico, científico e arquitectónico. É, por isso, neste contexto bárbaro que o filósofo defende que “a utilidade dos saberes inúteis contrapõe-se radicalmente à utilidade dominante que, em nome de um interesse económico exclusivo, vai matando progressivamente a memória do passado, as disciplinas humanísticas, as línguas clássicas, a instrução, a investigação livre, a fantasia, a arte, o pensamento crítico e o horizonte cívico que deveria inspirar todas as actividades”. De forma irónica acrescenta que “no universo do utilitarismo um martelo vale mais do que uma sinfonia, uma faca mais do que um poema, uma chave inglesa mais do que um quadro, porque é fácil perceber a eficácia do utensílio e cada vez mais difícil compreender para que serve a música, a literatura ou a arte”. 
A campanha eleitoral para as europeias mostrou bem o vazio de ideias e propostas dos diferentes candidatos e partidos sobre a promoção e o investimento na Cultura, já para não falar noutros temas igualmente relevantes. Para além do discurso politiqueiro e remoques rotineiros, do equívoco entre as governações de S. Bento e de Bruxelas, a campanha e o debate teve como mote de discussão, ad nauseam, o corte de 7% para Portugal nos fundos europeus no próximo quadro comunitário, a que se juntou os costumeiros temas da economia, da banca e, claro está, de José Sócrates! 
Contra a corrente, um grupo de quatro ex-ministros e secretários de Estado que foram responsáveis, há relativamente pouco tempo, pela pasta da Cultura de França, Itália, Portugal e Espanha, juntaram-se para apresentar um conjunto de 7 propostas para afirmar a Cultura como um elemento essencial para a consolidação do projecto europeu, procurando sensibilizar os eleitores europeus e os candidatos ao Parlamento Europeu. “A Cultura no projecto europeu” é o título do artigo publicado no passado dia 20, no jornal Público, onde os quatro ex-governantes, a uma só voz, defendem que a Cultura tem um papel fundamental não só no desenvolvimento económico, mas também nas políticas de inclusão social, na promoção da diversidade cultural europeia, na afirmação de uma literacia plena e consequentemente de uma democracia dos cidadãos. Talvez essas propostas possam ser um bom ponto de partida para dar início a um processo de “depuração” e revitalização da sociedade, de modo a que a mesma tome consciência, como diz Nuccio Ordine, “de que a literatura e os saberes humanísticos, a cultura e a instrução, constituem o líquido amniótico ideal em que as ideias de democracia, de liberdade, de justiça, de laicidade, de igualdade, de direito à crítica, de tolerância, de solidariedade, de bem comum, podem conhecer um desenvolvimento vigoroso”.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

A hipocrisia e os seus representantes

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de apreço por História, cultura ou património não terá ficado indiferente ao incêndio na catedral de Notre-Dame. Ficarão certamente registadas na memória de quem assistiu, in loco ou por televisão, às chamas que consumiram parte do monumento. Pese embora a calamidade e destruição consequentes, não podemos deixar de estabelecer um paralelo com outros acontecimentos bem mais dramáticos, alguns deles recentes e a necessitar de resposta imediata. 
Escrevia alguém, não me recordo quem, no JN que a mobilização e angariação de fundos para a reconstrução da referida catedral fez-se bem mais célere e com maior proveito do que aquela que se verificou para com as vítimas de Moçambique, resultantes da passagem do ciclone Idai. Como se não bastasse, chegou por estes dias o ciclone Kenneth para aumentar a catástrofe humanitária! Dizia então o autor do artigo que para “pedra” não faltaram centenas de milhões de euros em tão pouco tempo, enquanto para as vidas humanas daquele país do continente africano apenas foram pingando ajudas monetárias bem menos generosas e ainda muito aquém das suas reais necessidades. Para o primeiro caso bastaram os cheques de um punhado de empresas e de grandes fortunas francesas. Ainda que bem mais modesto, juntemos ainda o pedido feito pelo presidente do Parlamento Europeu aos eurodeputados, para que contribuíssem com a quantia equivalente a um dia de salário para ajudar na reconstrução da catedral. Não me consta que tenha ocorrido a mesma iniciativa para com Moçambique! 
No dia seguinte ao incêndio de Notre-Dame, na comissão parlamentar de ambiente, em Estrasburgo, a conhecida activista sueca Greta Thunberg fazia uma intervenção acerca de outro “incêndio”. A jovem, de 16 anos, alertou os líderes europeus para a urgência de salvar o planeta, desafiando-os a ter o mesmo interesse e empenho que revelaram para restaurar a catedral parisiense. Pelo menos algumas partes do seu discurso, em alguns momentos emocionado, merecem bem ser aqui lembradas: “Quero que vocês entrem em pânico. Quero que ajam como se esta casa estivesse em chamas. Se a vossa casa estivesse a pegar fogo (…) vocês não organizariam três encontros de emergência para falar sobre o ‘Brexit’ e nenhum para falar das alterações climáticas.” (...) Um grande número de políticos já me disse que o pânico nunca conduz a um bom resultado e eu concordo. Entrar em pânico, a não ser que seja necessário, é uma ideia terrível. Mas quando a tua casa está a arder e queres impedir a tua casa de arder completamente, isso requer algum nível de pânico. (…) Ontem [dia 15], o mundo inteiro assistiu com tristeza e desespero ao fogo que assolou a Notre-Dame, em Paris. Alguns edifícios são mais do que apenas edifícios. Mas a Notre-Dame vai ser reconstruída. Espero que as fundações sejam fortes, espero que as nossas fundações sejam ainda mais fortes. Mas temo que não sejam. A erosão da camada fértil do solo, a desflorestação das nossas grandes florestas, a poluição aérea tóxica, a perda de insectos e de vida selvagem, a acidificação dos oceanos, são todas tendências desastrosas que se têm acelerado devido ao estilo de vida que nós, na nossa parte do mundo financeiramente próspera, consideramos nosso dever continuá-las.” No final da sua intervenção, e a respeito das próximas eleições europeias, exortou as gerações mais velhas, para que representem os mais novos e escolham aqueles (futuros eurodeputados) que não tentam esconder os problemas provocados pelas alterações climáticas. Pediu aos eleitores que façam uma escolha acertada, em nome das gerações futuras: “Nestas eleições vão votar nas futuras condições de vida da humanidade. E embora as políticas necessárias não existem hoje, algumas alternativas são menos más do que outras. E eu li que alguns partidos nem sequer querem que eu esteja aqui hoje, porque não querem de maneira nenhuma falar nas alterações climáticas”. Sobre esta tentativa de boicote à presença da jovem no Parlamento Europeu só me ocorre uma palavra: “miseráveis”. 
Agora fixemo-nos no que tem sido por cá a (pré-) campanha eleitoral para as europeias, que será muito provavelmente similar ao que se passa em outros países da União Europeia (UE). O que se tem falado acerca do ambiente? Que ideias ou que políticas ambientais têm sido propostas para combater os problemas que afectam o nosso planeta? Para além dos arreigados ataques pessoais e do anseio de transformar estas eleições numa moção de censura ao governo, fica uma mão cheia de nada acerca de questões ambientais. Dito isto, convenhamos que não é fácil para os eleitores escolher os seus representantes para o Parlamento Europeu. Mais ainda quando são conhecidas, por exemplo, as respostas dadas por alguns dos eurodeputados às legítimas e realistas preocupações de Greta Thunberg, que são universais, nas quais se desculparam com a burocracia e as "dificuldades" de contornar decisões do Conselho Europeu, enfim, sobre a máquina pesada da UE, lembrando ainda, e de forma compassiva, o muito que têm feito!? 
A menos de um mês das eleições europeias, é sobre esta hipocrisia reinante no seio da UE, como acontece noutras instituições representativas dos cidadãos, e sobre aqueles que poderão vir a sentar-se nas cadeiras do Parlamento Europeu que se impõe uma profunda reflexão, antes de colocar a “cruz”.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Espaço CriARTE, mais do que uma sala de aula


No âmbito do Plano de Promoção das Artes (PPA) do Agrupamento de Escolas Gomes Monteiro (AEGM), de Boticas, um projecto que decorre pelo quinto ano consecutivo, este ano lectivo foi criado por mim um novo espaço dedicado às artes plásticas. Trata-se do espaço CriARTE. Mas antes de passarmos a ele, passo a resumir em que consiste o PPA. 
É nada mais, nada menos do que um bom exemplo de como a escola pode e deve contribuir para a uma educação integral dos jovens. Assim, o AEGM apostou em espaços de aprendizagem não formais diversificados, onde o aluno é protagonista de um projecto que acomoda diferentes dimensões, a saber: lúdica, artística, estética, cultural, cívica e ética. E foi através da criação de diversas oficinas que o AEGM começou a trilhar um caminho, com o claro propósito de dar um contributo efectivo para a educação e formação do aluno. Esta resposta educativa não exclui ninguém, nem se fica pelo interior das paredes da escola. Para além das famílias, o PPA conta com o apoio da autarquia de Boticas. 
Do pré-escolar ao 9º ano, incluindo a educação especial, ninguém fica fora da fruição das artes, da cultura, e bem assim, da cidadania. O PPA inclui as oficinas da leitura & escrita, da dança, do jogo, da música, da imagem, assim como de artes plásticas. E daqui regressamos ao Espaço CriARTE. Em concreto, tratou-se de uma transformação que operei na minha sua sala de aula, de Educação Visual (3º ciclo), convertendo-a num espaço polivalente. Assim, para além da actividade lectiva, a sala funciona como galeria de exposições, ateliê/oficina de artes plásticas e espaço para worshops levados a cabo por artistas convidados. O espaço CriARTE conta, entre outros equipamentos/recursos, com computadores para pesquisas na Internet ou para a apresentação de ideias ou projectos dos alunos, bem como um pequena biblioteca com livros e revistas sobre arte, design e arquitectura. O trabalho de educação artística e estética levado a cabo não se restringe àquele espaço. Do projecto constam igualmente visitas de estudo a ateliês de artistas, galerias, museus e outros espaços onde os alunos possam fruir das artes. Para tal, a iniciativa conta naturalmente com a colaboração de outros agentes, como por exemplo os artistas que já referimos, mas também outras figuras ligadas às artes, tais como, arquitectos, designers, etc.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Ubiña Pequeña


Foi no passado dia 13 que alcancei mais um cume, desta vez na província das Astúrias. A Ubiña Pequeña, pertencente ao Parque Natural de Las Ubiñas-La Mesa, tem uma altitude de 2.193m, podendo ser ascendida por diversas vias. No entanto, porque tenho a “mania” de elevar os níveis de adrenalina, optei por conjugar uma série de troços de distintas vias, não só para dar mais “pica”, mas também para evitar algumas partes mais expostas a avalanches ou queda de pedras, que são frequentes na zona. Deste modo, a progressão no terreno fez-se através de uma escalada mista (de neve dura, gelo e rocha) por corredores, culminando na travessia de uma aresta exposta até chegar ao cume. Dado o dia de céu limpo que se verificava, a beleza da paisagem envolvente foi o melhor prémio que podia receber. 
Fica o registo da aventura através do vídeo que se encontra na página dos vídeos, neste mesmo blogue.

terça-feira, 26 de março de 2019

Na pegada de Greta Thunberg

No dia 15 deste mês assistimos, em dezenas de concelhos do país, a manifestações de jovens estudantes em defesa do meio ambiente, tendo, para o efeito, faltado às aulas. A iniciativa, designada de Greve Climática Estudantil, que ocorreu em mais de cem países, faz parte de um movimento global designado "SchoolStrike4Climate”, criado por Greta Thunberg, uma jovem sueca de 16 anos. Farta das promessas dos adultos, Greta instou políticos, governantes e outros agentes com poder de decisão a deixarem-se de hipocrisias e assumirem, de uma vez por todas, no curto/médio prazo, a implementação de medidas que efectivamente defendam o nosso planeta, tal como o alertam e recomendam os inúmeros relatórios produzidos desde há vários anos, e que sejam mais ambiciosos e respeitadores dos acordos climáticos internacionais assinados. Daí, a jovem tem sido incansável na mobilização de milhões de jovens de todo o mundo para a necessidade de lutar contra as alterações climáticas, e bem assim, pela humanidade. A activista teve mesmo direito a discursar nos palcos das maiores assembleias, como o Parlamento Europeu, o Fórum de Davos ou a Conferência da ONU sobre o Clima. Em todas elas não poupou nas críticas aos decisores políticos e à elite mundial, por “empurrarem com a barriga” os problemas ambientais, cujas medidas para os solucionar já há muito tempo deveriam estar no terreno. Por falarem tanto em futuro, mas pouco ou nada fazerem para o garantirem. Foi aí que a chama mobilizadora foi ascendida e se multiplicou de forma exponencial, convertendo-se hoje num movimento global. 
Contrariando o que muitas vezes se diz e se escreve injustamente acerca da consciência e actividade cívica dos jovens, a Greve Climática Estudantil demonstra bem a capacidade de afirmação dos jovens enquanto actores políticos e sociais, e em consequência, do seu necessário reconhecimento como agentes transformadores. Mais: são capazes de colocar na agenda política o debate e a reflexão sobre que modelo de sociedade sustentável queremos. 
Por cá, um grupo de cinco jovens conseguiu que governantes incluíssem na sua agenda uma reunião para debater um conjunto de problemas ambientais que se têm registado em Portugal. E assim aconteceu no dia 12, no ministério do Ambiente, três dias antes da manifestação. Matilde Alvim, Margarida Marques, Beatriz Barroso, Duarte Antão e Rita Vasconcelos, representantes do movimento nacional, foram recebidos pelo Ministro do Ambiente e pelos Secretários de Estado da Educação e da Energia. Nessa reunião os estudantes exortaram os governantes a tomarem medidas concretas para se acabar com a exploração dos combustíveis fósseis, a investirem nas energias renováveis e a encerrarem a central termoeléctrica de Sines. 
Na rua, na manifestação do dia 15, foram muitos os slogans que se fizeram ver e/ou ouvir, com recurso ao bom humor, ao sarcasmo ou à metáfora, e que ilustram bem a maturidade, a determinação e o conhecimento que os jovens têm acerca do estado do planeta. Destaco, a título ilustrativo, os seguintes: “Sejam capazes de ser adultos e agir para salvar o futuro que ainda pode ser salvo”, “Já não há tempo para esperar por nós, mas faremos o que é preciso”, “Não há planeta B, estamos aqui para salvar o mundo”, “Se o clima fosse um banco, já estaria salvo”. 
Não sei se a reboque da manifestação dos estudantes, ou quiçá da referida reunião que os seus representantes tiveram com o Ministro do Ambiente e Secretários de Estado, certo é que no passado dia 19 o governo arrancou com uma campanha a favor do meio ambiente. A abertura oficial deu-se na Escola Secundária de Loulé, na presença do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Miguel Freitas, e o Secretário de Estado da Educação, João Costa. A iniciativa, que conta com o apoio do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, pretende promover uma série de debates por todo o país, para sensibilizar e informar os alunos sobre a importância da floresta. Na Secundária de Loulé, os governantes foram confrontados com várias interpelações, “sem filtros”, dos alunos, demonstrando que não estavam ali apenas para marcar presença. Uma delas partiu da convidada de honra Matilde Alvim, umas das estudantes recebidas no ministério do Ambiente, que num discurso mobilizador disse, de forma clara: “Temos de pôr as mãos na massa” e “Desenganem-se os que pensam que os jovens estão adormecidos”. 
Espero que nunca deixe de faltar o apoio da comunidade educativa aos jovens estudantes, em especial, por parte dos pais/encarregados de educação e professores. Estes, enquanto adultos, esperemos que saibam dar o exemplo de responsabilidade e de mobilização. Ao invés de críticas infelizes ou deformadas, fixadas apenas no acessório, que apoiem este activismo, este movimento inspirador dos jovens na defesa da humanidade, que apadrinhem este juízo de consciência sobre o futuro do planeta, independentemente de alguma inocência revelada, característica própria destas idades, mas que no entanto revela um certo arrojo e coragem, atributos que infelizmente falta a muitos adultos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A prioridade da cultura


“É muito difícil, senão impossível, explicar a
um néscio a importância da cultura, pois ele
não tem cultura para perceber a falta dela”.

A citação que serve de intróito a este texto é do escritor Afonso Cruz, e colhi-a de um artigo intitulado “Ler”, que o próprio publicou no Jornal de Letras (de 30/01 a 12/02/2019), sendo que a ideia que nele perpassa é a da importância da cultura “como de pão para a boca”.
O autor começa por relatar uma situação que se passou com ele em Tunes. Num passeio pela capital tunisina, na companhia de um grupo de escritores da terra, durante a conversa considerou a cidade segura. Um dos elementos do grupo, Mohamed, corrigiu-o, dando-lhe conta de um episódio que ocorrera com este e mais dois amigos, em que tinham sido vítimas de um assalto. Acontecera que os larápios levaram carteiras e telemóveis, tendo escapado ao furto um alaúde caríssimo. O dono do instrumento musical revelou-se aliviado por não ter ficado sem o seu bem mais precioso, ao mesmo tempo que se considerava um sortudo pelo facto de os ladrões não terem reparado nele. Em desacordo, Afonso Cruz concluiu que os ladrões teriam reparado no instrumento musical, só que não lhe atribuíram grande valor. Como sintetiza: “Até para roubar é preciso cultura. O ignorante nunca saberá o que vale a pena roubar”. E acrescenta: “Isso é válido para o ladrão de rua bem como para o especulador ou político corrupto”.
Noutro ponto do texto Afonso Cruz relata a história, também passada na Tunísia, um ano antes da revolução, com um professor universitário, que foi forçado ao exílio apenas por ter lido, durante um programa televisivo, algumas passagens do Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago, que versavam a questão das acções ilegítimas e antidemocráticas de certos governos. Afonso Cruz lembra o que muitos de nós sabemos: a ameaça que a cultura representa para regimes autoritários, que não têm pejo em perseguir e censurar escritores e artistas, chegando ao ponto de os condenar ao desterro ou mesmo a eliminá-los. Mas mesmo nos regimes democráticos a intelectualidade causa, por vezes, incómodo ou azia a alguns políticos. Se dependessem deles, se pudessem, quantas vozes não tentariam emudecer? Basta lembrar a pressão junto da imprensa que alguns deles levam ou já levaram a cabo para evitar que uma notícia viesse a público pô-los em cheque.
Aqui chegados, importa ressaltar o valor das letras e das artes, enquanto veículos de produção e fruição de conhecimento e cultura. Falo evidentemente da cultura não como mero entretenimento, mas como via para o sustento e elevação do espírito humano. O menu da cultura é vasto. Serve-nos ética, estética, criatividade, consciência e responsabilidade social, humanismo e por aí adiante. Todas elas componentes indispensáveis e por isso determinantes para o exercício da cidadania crítica e participativa.
Eis aquela que deveria ser a prioridade das prioridades na educação e no sistema de ensino, ao invés das sucessivas reformas e contra-reformas, feitas ao sabor ou capricho dos sucessivos governos; da reciclagem de diplomas, currículos, orientações, metodologias e toda uma panóplia de documentos e instrumentos que mais não fazem do que criar confusão e intranquilidade nas escolas. 
Para encerrar, e a bem propósito das reivindicações a que vamos assistindo no nosso e noutros países, volto ao artigo de Afonso Cruz, para recolher e aqui deixar uma citação que o próprio faz de García Lorca: “E desde já ataco violentamente os que apenas falam de reivindicações económicas sem nunca mencionar as reivindicações culturais (…) Que gozem todos os frutos do espírito humano porque se assim não for será convertê-los em máquinas ao serviço do Estado, será convertê-los em escravos de uma terrível organização social (…)”.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Prefácio para 2019


O ano de 2018, particularmente o seu último trimestre, vaticina o que poderá ser o de 2019.
A nível nacional, a pré-campanha para as eleições a realizar neste ano, sobretudo para o Parlamento Europeu e legislativas, já rola há algum tempo. As caravanas partidárias já circulam nas feiras, certames e outros eventos onde o povo acorre em massa. Temos, e iremos ter em crescendo, membros do executivo na estrada, a correr o país de lés-a-lés, anunciando grandes investimentos em obras públicas, algumas delas sem saber ao certo quando começarão, e muito menos quando acabarão, prevendo-se que se estendam para mais de uma ou duas legislaturas. E assim será até Outubro. Até lá iremos naturalmente assistir a acérrimas disputas partidárias, quer entre a oposição de direita e o governo, quer entre este/PS e os partidos que o apoiam (BE, PCP e PEV), neste caso cada um deles a reclamar louros da governação. Os discursos inflamados de dirigentes partidários terão seguramente a bênção dos comentadores políticos encartados. Contaremos, claro está, com o oráculo de Marques Mendes. Novas revelações rasteiras surgirão a colocar em causa este ou aquele político, este ou aqueloutro governante, com o pior da comunicação social a fazer julgamentos na praça pública.
A avaliar pelas manifestações e pelas greves em curso, mais as que estão anunciadas, perspectiva-se um ano quentinho! Com promessas (algumas em letra de lei) adiadas ou metidas na “gaveta” e os “paliativos” a esgotarem-se, esperam-se tempos de agitação social a perturbar o sono de António Costa. O apregoado projecto alternativo de governação de direita faz-se de movimentações no sentido de dar protagonismo não um “querido líder”, mas um líder que seja querido e congregador dos partidos que se situam neste espectro político-partidário, empunhando a bandeira da ofensiva contra a frente de esquerda.
Apesar do período de aparente acalmia dentro do PSD, após a prorrogação do “prazo de validade” de Rui Rio, a oposição interna manter-se-á preparada para, e a qualquer momento, voltar a mostrar as suas garras. E esse momento poderá ocorrer já em Maio, assim que forem conhecidos os resultados das europeias.
Marcelo Rebelo de Sousa continuará omnipresente, entrando nas nossas casas diariamente e nalguns directos televisivos, deixando sugestões, conselhos, reparos, “puxões de orelhas”, tudo isto temperado com as habituais e infindáveis selfies.
Economia, saúde, educação, transportes públicos, finanças, sistema bancário, cativações, estatísticas, sondagens, julgamentos mediáticos, dívida pública, déficit, Cristina Ferreira, entre outros, farão parte da agenda mediática usque ad nauseam.
Lá por fora continuaremos a assistir às tropelias de Trump, à guerra económica entre este e Xi Jinping, ao posicionamento geoestratégico e provocações de Putin, bem como aos sempiternos conflitos, massacres e êxodos no Médio Oriente e noutras partes do globo. Seguiremos assistindo a centenas de mortes de refugiados no mediterrâneo e à ampliação ou construção de novos muros para placar os sobreviventes. A extrema-direita seguirá, perigosamente, fazendo doutrina, e assim recrudescendo os populismos, os messianismos, os discursos identitários, e com estes o preconceito, a xenofobia, o racismo, a discriminação de género, o Estado securitário, etc., promovidos pelos “bolsonaros”, “trumps”, “orbáns”, “salvinis” e outros quejandos. Tudo isto num clima tóxico que irá marcar as eleições europeias, tentando abrir ainda mais fissuras no projecto europeu.
E que dizer desse imbróglio chamado de Brexit, cujos estilhaços ainda não estão completamente calculados, que ameaça contribuir para o anunciado abrandamento da economia a nível internacional?!
É caso para aguardar pelo “posfácio” com inquietação!