segunda-feira, 24 de abril de 2023

O espaço das artes e da cultura na escola

O desenvolvimento e o progresso de uma sociedade ou de um país podem medir-se pela importância que atribui às artes e à cultura, e daí no investimento que nelas faz. A UNESCO e a OCDE são duas organizações, entre outras, que têm apontado para esta realidade insofismável, através dos diferentes relatórios e pareceres que têm produzido ao longo dos tempos. Infelizmente ainda são muitos os países que não priorizam esse desígnio. Nestes casos, o desfecho é claro: sociedades menos educadas, menos humanistas, menos criativas, menos livres.
Para além dos necessários recursos que deverão ser proporcionados pelos governos aos diferentes agentes e instituições culturais, o investimento nas artes e na cultura passa igual e forçosamente pela educação. Dotar as escolas de espaços adequados e dos mais variados equipamentos e recursos materiais, assim como fixar uma carga horária semanal decente às disciplinas de ensino artístico, são condição sine qua non para a sua leccionação eficiente, assim como para levar a cabo projectos de educação para as artes e para a cultura. Quando me refiro a uma “carga horária decente”, faço-o para dar conta da aleatoriedade que a chamada “flexibilização curricular” permite às direcções das escolas fazer em matéria de horários escolares, e que em muitos casos resulta na subtracção de tempos lectivos às disciplinas de ensino artístico (Educação Visual, Educação Musical, teatro, etc.), para cedê-los a outras disciplinas. Aquelas que um douto ex-ministro da Educação, Nuno Crato, apelidou de “fundamentais”! Não surpreende este (pre)conceito e esta visão estreita, pois ela é, ainda hoje, partilhada dentro das escolas por alguns professores, e fora delas por vários pais. Veja-se, a respeito destes últimos, já assisti a manifestações de preocupação, quando não mesmo de indignação, quando são confrontados com o desejo dos seus filhos, terminado o ensino secundário, quererem seguir um curso superior de artes. A vocação ou a realização pessoal dos filhos é secundarizada face à vontade, 
aos desejos ou aos sonhos dos progenitores!
Apesar destas desmesuras, ainda podemos contar com o altruísmo e o empenho de gente que conhece as potencialidades das artes na humanização e progresso das sociedades, seja dentro ou fora das escolas. E aqui chego a um relevante projecto de âmbito nacional, iniciado em 2019, o chamado Plano Nacional das Artes (PNA). A iniciativa partiu de Graça Fonseca (na altura ministra da Cultura) e João Costa (então secretário de Estado e actual ministro da Educação), numa parceria entre os dois ministérios, e pretendia criar uma plataforma com o propósito de fundir cultura e escola. Para tal, seria convidado Paulo Pires do Vale, investigador, filósofo e curador de exposições, para conceber e comissariar esse projecto, tendo o próprio começado por se interrogar: “O que pode a arte? Como se constrói uma comunidade onde a cultura seja transformadora na vida dos cidadãos?” No momento, Paulo Vale manifestou a sua convicção de que “a cultura possa ser um depósito da Humanidade”, e “a arte um veículo que nos transporta na descoberta de lugares que por vezes nem sabemos que temos dentro de nós.” (Expresso - Revista Especial nº4, de 10/03/2023)
O PNA começou com a adesão de 65 agrupamentos e hoje conta já com 403. Tive o privilégio de ter participado nesta iniciativa, há poucos anos, num dos que a ela aderiu, o Agrupamento de Escolas Gomes Monteiro, de Boticas, através daquilo que o mesmo intitulou de Plano de Promoção das Artes, no qual projectei e dinamizei algumas actividades, com destaque para a criação daquilo que apelidei de “Espaço CriARTE”. Na prática, tratou-se de uma transformação que operei na sala de aula de Educação Visual (3º ciclo), convertendo-a num espaço polivalente que, para além da actividade lectiva, funcionou como galeria de exposições, oficina de artes plásticas, espaço para workshops levados a cabo por artistas convidados, e ainda para actividades/apoio a alunos com necessidades específicas. Saliento ainda a minha colaboração, no âmbito da disciplina de Educação Visual, num projecto de parceria entre o agrupamento, a autarquia e a Universidade do Minho, que incidiu no estudo dos castros existentes no concelho. Para estas e outras actividades, foi determinante a sensibilidade, a visão e o apoio da direcção dessa escola, que não poupou esforços para dar todas as condições e recursos para levar a cabo as inúmeras actividades projectadas. Algumas delas tiveram a colaboração da autarquia, da biblioteca municipal, entre outras entidades.
Este é apenas um exemplo, entre muitos outros, do trabalho que se pode desenvolver nas escolas, com impacto na educação e formação dos jovens. Basta, para tal, haver sapiência, sensibilidade, capacidade de visão e vontade da parte de quem tem o poder de decidir e apoiar este tipo de iniciativas, dentro e fora da escola.