terça-feira, 30 de novembro de 2021

Da estima à desacreditação

Em poucas décadas a figura do professor passou de pessoa estimada a pessoa desacreditada. Vários agentes e conjunturas têm contribuído para que se tenha chegado a este cenário. Mas já lá iremos. Entretanto, e em jeito de preâmbulo, começarei por lembrar uma realidade muito noticiada nos últimos dias, mas que se arrasta há muito tempo: a falta de professores em várias disciplinas.
Um recente estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa dá conta de que irão ser necessários contratar mais de 34000 docentes para o ensino público até 2030. Nada que surpreenda académicos e sindicatos de professores, que desde há muito vêm alertando para este problema, dado o agravamento que se vem registando de ano para ano. Dos sucessivos governantes responsáveis pela pasta da Educação, só assistimos a um passa-culpas, regado de muita hipocrisia, e a remendos com pretensos efeitos placebos no sistema educativo. É vê-los a desdobrarem-se em entrevistas nas televisões e na imprensa escrita descartando responsabilidades, a apontar o dedo uns aos outros.
É verdade que o problema da falta de professores não é exclusivo do nosso país, registando-se o mesmo na maioria dos países europeus, como aliás já o anunciara o último relatório “Professores na Europa”, publicado em Março pela rede europeia Eurydice. O mesmo foi reconhecido pelo Conselho Europeu, numa reunião em Maio do ano passado. Na declaração resultante desse encontro importa destacar a consciencialização nela plasmada, em jeito de alerta, quando reconhece que os professores respondem hoje a “crescentes exigências, responsabilidades e expectativas”, que afectam o seu bem-estar e a atractividade da profissão.
Apesar de um aumento tímido nos últimos dois anos, mas insignificante face ao panorama actual, o número de candidatos aos cursos de formação de professores, no Ensino Superior, conheceu uma quebra brutal (mais de 70%) nos últimos 15 anos. Às políticas erráticas e desastrosas na área da gestão dos recursos humanos na Educação seguidas pelos sucessivos governos, que não foram capazes de reflectir e agir preventivamente sobre o número de aposentações de docentes previstas, junta-se, e aqui volto ao início do texto, um conjunto de circunstâncias que retiram aos jovens, que acabam o secundário, o desejo de apostar numa carreira profissional no ensino. Pois certamente não lhes passará despercebido os conhecidos contractos precários de milhar de docentes, que andam de mochila às costas a percorrer o país de norte a sul, a auferirem salários miseráveis, impossíveis de suportar a renda de uma casa ou quarto, sem perspectivas de futuro. É o resultado, como diz Paulo Guinote (Publico, 18/11/2021), da precarização e proletarização da docência em nome de uma “eficácia financeira”. É igualmente conhecida a carga burocrática a que os professores são sujeitos, o cansaço e o desgaste físico e emocional acumulado, a frustração de verem uma carreira estagnada, desvalorizada, que não reconhece o esforço e a dedicação ao ensino dos (filhos dos) outros. É a sujeição a uma panóplia de legislação que cai em catadupa sobre os ombros dos professores (quanta dela absurda e inconsequente), de reformas e contra-reformas curriculares cozinhadas por um conjunto de iluminados acampados no Ministério da Educação, que fazem dos professores e alunos ratos de laboratório. Como se não bastasse, ainda temos de arcar com um número, cada vez mais crescente, de pais e encarregados de educação que apenas se deslocam à escola, não para contribuir, de uma forma ou de outra, para dar solução aos problemas de comportamento e de aprendizagem dos seus educandos, mas sim para abordagens intriguistas, para tirar satisfações (quantas vezes acompanhadas de ameaças) acerca de um suposto “diz que disse” na aula de um determinado professor, predispondo-se para o enxovalhar na escola ou na praça pública, por vezes com a agravante de prestarem um triste exemplo aos seus educandos.
A autoridade e a honorabilidade dos professores são hoje postas em causa com a maior desfaçatez e cumplicidade por parte de governantes, comentadores sabichões, pais e encarregados de educação e muita da vox populi.
Não, não prevejo melhores dias no ensino e nas escolas.