sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um despacho para despachar…


O ano lectivo acaba de terminar e o próximo já se começa a desenhar. Contudo, as perspectivas não são as melhores. As medidas que o actual governo tem tomado fazem com que a grande nuvem negra, que há muito tempo paira sobre as escolas, se vá adensando. Um diploma recentemente publicado em Diário da República (Despacho Normativo n.º 13-A/2012, de 5 de Junho), que define a organização do próximo ano lectivo, levanta as maiores dúvidas e preocupações quanto ao futuro da educação. Sob a forma de um presente envenenado oferecido às escolas, o Ministro da Educação, Nuno Crato, juntamente com a sua equipa, urdiu um plano que terá como resultado mais imediato, o despedimento de milhares de professores. Os números oficiais serão conhecidos em Setembro.
Depois de uma revisão curricular recheada de contradições e de propósitos artificiosos, à qual se juntam a constituição de mega agrupamentos escolares e o aumento do número de alunos por turma – medidas única e puramente economicistas –, este novo documento traça uma nova sentença às escolas: despedimentos e enfraquecimento do edifício educativo. Valendo-se da flauta de Hamelin, Nuno Crato toca uma melodia, cuja letra vem recheada de palavras muito sonantes e sedutoras, com versos notáveis, tais como, e só para citar uns poucos, “estabelecer mecanismos de exercício da autonomia pedagógica e organizativa de cada escola”, “conferir maior flexibilidade na organização das actividades lectivas”, “aumentar a eficiência na distribuição do serviço”, “valorizar os resultados escolares”, com o sub-reptício propósito de enfeitiçar e encerrar na “caverna” directores de escolas e professores, à semelhança do que narra o conto folclórico alemão dos Irmãos Grimm, a que aludo. Mas, de facto, a palavra que mais se destaca, não só pela frequência com que surge no referido diploma, mas também, e como dizia, pela ilusão que pretende criar junto dos mais incautos, é a palavra “autonomia”. Apesar da mesma, e num primeiro momento, sugerir “liberdade” ou “independência”, a verdade é que, tal como muito bem resume o Professor Santana Castilho, ela não passa de “uma autonomia cínica (…), decretada, envenenada por normas, disposições, critérios e limites. Uma autonomia centralizadora, reguladora, castradora (…)”. Uma autonomia que visa “transferir para o director (que não é a escola) competências blindadas por uma burocracia refinada (…)”[1].
Dirigindo-se recentemente ao Ministro da Educação através de uma carta aberta, a propósito das medidas que vêm sendo adoptadas por este, Santana Castilho, a dada altura, diz o seguinte: “Passos Coelho encarregou-o, e o senhor aceitou, de recuperar o horizonte de Salazar e de a reduzir [a educação] a uma lógica melhorada do aprender a ler, escrever e contar”[2]. Pois, na verdade é o que assistimos hoje, quando este nosso governante nos vem falar de “disciplinas estruturantes” ou “fundamentais”, entenda-se, o Português e a Matemática, sobrevalorizando-as relativamente às demais, fazendo ainda renascer a cultura de exames formatados, selectivos e discriminatórios de outrora.
Com este novo despacho o Ministro da Educação vem objectivamente aumentar o horário de trabalho dos professores (uma matéria que o Estatuto da Carreira Docente obriga a negociação com os sindicatos); reduzir o tempo destinado a cargos de natureza pedagógica, como é o caso das trabalhosas e desgastantes direcções de turma; reduzir consideravelmente as horas disponíveis para a gestão das escolas; reduzir o tempo destinado ao desporto escolar, e, mais surpreendente ainda, determinar que os docentes possam leccionar qualquer disciplina, seja de que ciclo ou nível de ensino for, independentemente do grupo de recrutamento, bastando para tal que o docente seja detentor de “certificação de idoneidade”(!), e que o director aleatoriamente assim o decida.
Levanta-se a questão: como irão as escolas organizar o próximo ano lectivo? Vão os seus directores – que, como muito bem dizia Santana Castilho, não são a escola – seguir religiosamente a cartilha impingida pelo Ministério da Educação, ou terão a coragem e lucidez de desenvolver todos os esforços necessários para garantir, simultaneamente, os postos de trabalho de professores que são efectivamente necessários às escolas, um ambiente de trabalho saudável (que há muito anda arredado das escolas), e uma educação e formação que fomente o pensamento crítico, a cidadania participativa, a curiosidade científica, a criatividade, o conhecimento e o interesse pela arte, literatura e cultura?


[1] Cf. http://santanacastilho.blogspot.pt/
[2] Cf. http://santanacastilho.blogspot.pt/