terça-feira, 30 de março de 2021

Entre a confiança e a alienação

O recente episódio com a vacina Astrazeneca, que levou à sua suspensão durante alguns dias nalguns países europeus, incluindo Portugal, para além das guerras políticas e comerciais entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido, com os interesses pouco claros das farmacêuticas à mistura, trouxe uma vez mais à evidência o tresvario que vai em muitas cabeças. Alguns preferirão chamar-lhe desconfiança. A culpabilização das redes sociais pela desinformação que por aí grassa tem sido um pretexto abusivamente utilizado por várias vozes. Conheço pessoas bem formadas e com informação credível à sua disposição, que desde que a pandemia teve início não mais pararam de olhar com suspeita para tudo e para todos. Amigos, colegas, vizinhos, conhecidos, família. Por várias vezes aqui referi que basta passear pela rua para facilmente nos apercebermos de inúmeros comportamentos que causam estupefacção. O mais icónico é o daquelas pessoas que vão a conduzir a sua viatura, sozinhas no habitáculo, de máscara posta! E que dizer da variedade de formas hilariantes de cumprimento ou do embaraço que a sua ausência por vezes provoca? Agora surge a desconfiança nas vacinas, em especial na Astrazeneca, com pessoas a recearem o processo de imunização. Um recente estudo de parceria entre o ISAG-EBS e o CICET-FCVC [1] revelou que 12,8% dos inquiridos, em Portugal, não deseja ser vacinado. Ao medo da doença junta-se agora o medo da vacinação. Tudo o que vai para além das medidas de protecção recomendadas, e bem, pelas autoridades sanitárias roça o absurdo, o paranóico. Alguma dessa gente, que manifesta este tipo de conduta, diz confiar na classe médica e nos especialistas, algo que depois choca com a sua prática. Eu acredito na ciência quando, por exemplo, ela diz que o álcool-gel mata o SARS-Cov-2 no prazo de 15 segundos (até podia ser mais), aquando da desinfecção das mãos. Daí que o meu receio em contrair a COVID-19 após ter tocado num objecto, produto ou superfície é exactamente o mesmo depois de ter dado um aperto de mão a um amigo ou conhecido, ou seja, nenhum. Em qualquer das situações, bastará, claro está, proceder à respectiva Lavagem/desinfecção das mãos. Terá sido esta a premissa que o Papa Francisco eventualmente terá tido em conta quando, na sua recentemente visita ao Iraque, estendeu a mão para um aperto firme e prolongado ao seu anfitrião, o primeiro-ministro iraquiano, assim que desceu o último degrau do avião, no aeroporto de Bagdad. Alguns apressar-se-ão a alegar que o Papa já está vacinado contra a COVID-19, mas também sabemos que o sumo pontífice não vai para jovem. Para além de já contar 84 anos, lembremos que a respectiva vacina não garante uma imunidade total, tal como outras, aliás. Mais, e reiterando à minha confiança na ciência, a autoridade reguladora do medicamento dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration, e o Departamento de Agricultura asseguraram, após uma análise das provas científicas disponíveis, que as probabilidades de infecção pelo novo coronavírus através de superfícies, alimentos ou embalagens de alimentos são extremamente baixas[2]
Não sou vidente, nem faço profecias, mas as minhas previsões sobre várias matérias no domínio do social têm, grosso modo, batido certas. No domínio da saúde, e com base naquilo que foi sendo perspectivado por vários especialistas ao longo de 2020, houve uma previsão em que fiquei contente por ter errado: a data da descoberta da vacina contra a COVID-19. Prognosticava-se que ela, dificilmente chegaria antes do final do 1º trimestre de 2021. Alguns diziam mesmo que só no 2º semestre. A verdade é que a vacina chegou antes do final de 2020. Entretanto, e devido às falhas das farmacêuticas nos prazos e quantidades contratualizados com a UE, deu-se um atraso na vacinação em vários países. Em Portugal as autoridades de saúde apontam para 70% da população vacinada até ao final do Verão. Veremos. É provável que cheguemos ao final deste ano sem ter toda a população portuguesa inoculada. Mas o que eu queria mesmo salientar é que prevejo que ainda durante o ano 2022 iremos continuar a assistir a um ambiente social marcado pela desconfiança, receio, medo, ostracismo e bizarria. Oxalá que volte a enganar-me… para bem da sanidade mental global!

[1] https://www.isag.pt/isag/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=10999