quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Relatório do FMI: Nada mais do que a agenda ideológica do governo de Passos Coelho!

“A sua [do governo] ambição fundamental é a mercantilização integral da sociedade, num quadro em que a competição dispensa completamente a cooperação, e em que o mercado é afirmado e assumido como a única forma de organização social plenamente legítima. Nada mais conta!” (Manuel M. Carrilho)


Do muito que já se disse e escreveu acerca do famigerado relatório do FMI, divulgado no dia 9 de Janeiro, e que certamente terá novos capítulos, ficou bem claro que o mesmo resultou de uma encomenda feita pelo nosso governo. Isto foi, aliás, confirmado pelo próprio FMI, em declarações feitas à Rádio Renascença, no dia 16 do mesmo mês, quando admitiu ter-se baseado nos argumentos do governo português para a elaboração do relatório final, que, entre outras medidas, sugere cortes nos salários e nas pensões, e o aumento das taxas moderadoras e das propinas. Querer fazer passar uma encomenda, urdida por uma elite ultraliberal, por um estudo independente, tem tanto de ingenuidade como de perfídia! 
Depois de uma leitura crítica do dito relatório, as poucas dúvidas que tinha acerca das intenções “reformadoras” do governo cedo se dissiparam. Para mim, ficou translúcido que a tão apregoada “refundação do Estado”, mais não é do que a destruição do Estado Social. Iria mesmo mais longe: trata-se da destruição do próprio Estado, tal como uma sociedade democrática e progressista o concebe. Daí o anunciado (mas ainda não esclarecido!) corte de quatro mil milhões de euros nas suas funções.
Há já algum tempo que pouco ou nada nos tem surpreendido o governo de Passos Coelho. Tornou-se frequente virem a público os seus elementos, com o primeiro-ministro à cabeça, darem “o dito pelo não dito”! Basta lembrar muitas das promessas (quebradas!) que Passos Coelho fez na campanha eleitoral para as legislativas de 2011! O que hoje é verdade, amanhã é mentira, e vice-versa! Estamos perante uma espécie de ciclo vicioso, em que a táctica é a do princípio da negação, ou, como diria Manuel Carrilho, “é a táctica de avançar mascarado, jurando sempre respeitar o que se despreza, e rejeitar o que se venera. O resto são meros expedientes e pequenos truques, fáceis para quem gere o poder[1]. E um desses truques é o de, por exemplo, anunciar-se um “debate nacional” sobre a reforma do Estado, para logo depois se tornar num “debate privado”! E assim foi! Ao invés de estabelecer um diálogo sério, entenda-se, sem demagogias, nem manobras de diversão, com os parceiros sociais, partidos políticos, agentes das mais variadas entidades e instituições da sociedade civil, enfim, com a res publica, Passos Coelho optou por uma outra estratégia. Seleccionou um conjunto de figuras notáveis, escolhidas a dedo, e trancou-se com elas entre as paredes do Palácio Foz, promovendo um fórum, intitulado, "Pensar o Futuro - um Estado para a Sociedade", cujas conclusões foram entregues ao primeiro-ministro uma semana depois, também à porta fechada! Quer num caso, quer noutro, a comunicação social foi fortemente condicionada, ao ponto de ficar impedida de desenvolver o seu legítimo trabalho, ou seja, informar os portugueses. Eis o sentido de ética e de honestidade intelectual do nosso primeiro-ministro! Resumindo: o governo encomenda um relatório ao FMI, ao qual, e no mesmo momento, tem a ‘amabilidade’ de sugerir um guião com as linhas políticas/orientadoras que o próprio deseja (sequiosamente) ver implementadas; segue-se o anúncio do referido corte de quatro mil milhões de euros nas funções sociais do Estado (isto como quem atira barro à parede!); no seguimento, eis que surge um arauto acenando com a dita “refundação do Estado”; cerca de um mês depois é divulgado publicamente o dito relatório; gera-se e gere-se o pânico, e, por último, promete-se um “debate nacional”, mas não com quem e no espaço em que tal se impunha! Pois o que se tem visto, é que ao longo de todo este processo o governo tem demonstrado um total desprezo para com os seus principais parceiros sociais!
O primeiro-ministro tem razão quando veio a público dizer que o relatório do FMI não é a “bíblia do governo”. Certo! Na verdade, a bíblia de Passos Coelho, do governo e dos partidos que o apoiam é muito mais do que esse documento, por sinal cheio de grosseiros erros técnicos, tal como tem sido apontado por diversas figuras, quer das mais variadas cores partidárias (incluindo as do governo), quer de apartidários, quer do meio académico. A bíblia de Passos Coelho é, como sublinha Manuel Carrilho, “a de um ultraliberalismo estruturalmente fanático”, que tem passado despercebido a muitas almas! De modo simplificado, este ultraliberalismo materializa-se através da subjugação de todas as áreas e actividades da sociedade às leis de mercado, sejam aquelas de ordem social, política, cultural, educativa ou outra. É a política subjugada à economia. É esta a “refundação” idealizada por Passos Coelho. É esta a sua ‘bíblia’. Logo, os seus mandamentos estendem-se naturalmente a todas as áreas de governação.
No que respeita à Educação, as medidas propostas pelo governo para reduzir os encargos (e gulosamente apoiadas pelo FMI!) são de tal modo gravosas, que daqui só podemos esperar a aniquilação, por completo, da escola pública, e com ela o fim de uma educação democrática, plural e inclusiva. Aliás, logo no inicio do relatório, mais concretamente, no designado “Resumo Executivo”, esse cardápio está bem exposto[2].
De nada têm servido os pareceres e estudos feitos por organizações ou entidades altamente credenciadas, tal como a OCDE ou a Association for the Evaluation of Educational Achievemente, só para dar dois exemplos, que têm vindo a público certificar a qualidade e a excelência da escola pública. Aliás, esta última veio desmentir os dados avançados pelo relatório do FMI, no que respeita à Educação, tendo constatado um escamoteamento feito às conclusões de um grupo de trabalho do próprio Ministério da Educação e da Ciência (MEC), sobre os custos de um aluno do ensino público vs privado. Ao contrário do propagandeado pelo governo (com o apoio de alguma comunicação social!) esse grupo de trabalho concluiu que a despesa de um aluno no privado é maior do que no público! Por cá, o governo de Passos Coelho, e o ministro da Educação em particular, têm feito (convenientemente) tabula rasa de estudos académicos[3], dos pareceres do Conselho Nacional de Educação, assim como, imaginem só, dos dados recolhidos pelo próprio MEC relativos à Avaliação Externa das Escolas! O objectivo é claro: destruir a escola pública para servir interesses privados. Para tal, o governo tem-se apressado em implementar um conjunto de medidas, que têm como resultado mais imediato, o despedimento de dezenas de milhares de professores. Falamos de cortes orçamentais cegos na Educação, do aumento do número de alunos por turma, do aumento da carga lectiva, da descaracterização do currículo ou então dessa irracionalidade, dessa aberração que representa a criação dos chamados mega-agrupamentos. Sobre estes, e por enquanto, tenho apenas a dizer que do processo obscuro e atabalhoado de que têm resultado, ao menos que resulte na manutenção das direcções de escolas competentes e na extinção das que não o são!



[1] CARRILHO, Manuel Mª (2013). A Bíblia de Passos. Diário de Notícias, 18 de Janeiro de 2013.
[2] IMF (2013). Portugal: Rethinking The State - Selected Expenditure Reform Options. January.
[3] Um estudo da Universidade Porto, que analisou o percurso académico de 4280 estudantes admitidos no ano lectivo 2008/09, conclui que as escolas públicas preparam melhor os alunos para terem sucesso no ensino superior.