terça-feira, 30 de novembro de 2021

Da estima à desacreditação

Em poucas décadas a figura do professor passou de pessoa estimada a pessoa desacreditada. Vários agentes e conjunturas têm contribuído para que se tenha chegado a este cenário. Mas já lá iremos. Entretanto, e em jeito de preâmbulo, começarei por lembrar uma realidade muito noticiada nos últimos dias, mas que se arrasta há muito tempo: a falta de professores em várias disciplinas.
Um recente estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa dá conta de que irão ser necessários contratar mais de 34000 docentes para o ensino público até 2030. Nada que surpreenda académicos e sindicatos de professores, que desde há muito vêm alertando para este problema, dado o agravamento que se vem registando de ano para ano. Dos sucessivos governantes responsáveis pela pasta da Educação, só assistimos a um passa-culpas, regado de muita hipocrisia, e a remendos com pretensos efeitos placebos no sistema educativo. É vê-los a desdobrarem-se em entrevistas nas televisões e na imprensa escrita descartando responsabilidades, a apontar o dedo uns aos outros.
É verdade que o problema da falta de professores não é exclusivo do nosso país, registando-se o mesmo na maioria dos países europeus, como aliás já o anunciara o último relatório “Professores na Europa”, publicado em Março pela rede europeia Eurydice. O mesmo foi reconhecido pelo Conselho Europeu, numa reunião em Maio do ano passado. Na declaração resultante desse encontro importa destacar a consciencialização nela plasmada, em jeito de alerta, quando reconhece que os professores respondem hoje a “crescentes exigências, responsabilidades e expectativas”, que afectam o seu bem-estar e a atractividade da profissão.
Apesar de um aumento tímido nos últimos dois anos, mas insignificante face ao panorama actual, o número de candidatos aos cursos de formação de professores, no Ensino Superior, conheceu uma quebra brutal (mais de 70%) nos últimos 15 anos. Às políticas erráticas e desastrosas na área da gestão dos recursos humanos na Educação seguidas pelos sucessivos governos, que não foram capazes de reflectir e agir preventivamente sobre o número de aposentações de docentes previstas, junta-se, e aqui volto ao início do texto, um conjunto de circunstâncias que retiram aos jovens, que acabam o secundário, o desejo de apostar numa carreira profissional no ensino. Pois certamente não lhes passará despercebido os conhecidos contractos precários de milhar de docentes, que andam de mochila às costas a percorrer o país de norte a sul, a auferirem salários miseráveis, impossíveis de suportar a renda de uma casa ou quarto, sem perspectivas de futuro. É o resultado, como diz Paulo Guinote (Publico, 18/11/2021), da precarização e proletarização da docência em nome de uma “eficácia financeira”. É igualmente conhecida a carga burocrática a que os professores são sujeitos, o cansaço e o desgaste físico e emocional acumulado, a frustração de verem uma carreira estagnada, desvalorizada, que não reconhece o esforço e a dedicação ao ensino dos (filhos dos) outros. É a sujeição a uma panóplia de legislação que cai em catadupa sobre os ombros dos professores (quanta dela absurda e inconsequente), de reformas e contra-reformas curriculares cozinhadas por um conjunto de iluminados acampados no Ministério da Educação, que fazem dos professores e alunos ratos de laboratório. Como se não bastasse, ainda temos de arcar com um número, cada vez mais crescente, de pais e encarregados de educação que apenas se deslocam à escola, não para contribuir, de uma forma ou de outra, para dar solução aos problemas de comportamento e de aprendizagem dos seus educandos, mas sim para abordagens intriguistas, para tirar satisfações (quantas vezes acompanhadas de ameaças) acerca de um suposto “diz que disse” na aula de um determinado professor, predispondo-se para o enxovalhar na escola ou na praça pública, por vezes com a agravante de prestarem um triste exemplo aos seus educandos.
A autoridade e a honorabilidade dos professores são hoje postas em causa com a maior desfaçatez e cumplicidade por parte de governantes, comentadores sabichões, pais e encarregados de educação e muita da vox populi.
Não, não prevejo melhores dias no ensino e nas escolas.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Entre a prudência e a incoerência

Ao longo da pandemia, que ainda não acabou, publiquei aqui alguns artigos sobre o tema e algumas das suas implicações, sobretudo a nível social. O último foi em Março deste ano. Dado o enfado decorrente das notícias diárias sobre a covid-19, entendi virar-me para outros assuntos igualmente marcantes. Todavia, e tal como eu vaticinara, apesar do sucesso da vacinação e do levantamento da maior parte das restrições, continuamos a assistir a comportamentos que pouco ou nada têm de preventivo, mas mais, e a meu ver, de anti-social. Deparamo-nos com ‘muros’ erigidos entre e pelas pessoas. Repescando o que eu dissera no referido artigo, presenciamos, embora em menor grau, a um ambiente social marcado pela desconfiança, medo e esquiva, que menoriza os prejuízos daí resultantes. Será bom lembrar que, exceptuando o pico de mortes que tivemos no início deste ano por covid-19, morrem diariamente mais pessoas devido a outras doenças e/ou acidentes variados. Mas enfim, o foco continua centrado no boletim diário da pandemia!
São conhecidas as consequências dos confinamentos e restrições às liberdades e à mobilidade das pessoas, com destaque para o aumento exponencial das doenças do foro psiquiátrico. Mas a saúde mental continua fora dos radares de muita gente. Nem os frequentes esclarecimentos de vários especialistas no campo da saúde, particularmente no que toca às relações humanas nas diferentes faixas etárias, parecem sossegar as populações. O medo e a irracionalidade continuam a trilhar caminho, enfraquecendo a confiança e a amizade entre pares.
Jorge Torgal, médico, Professor Catedrático jubilado e com um vasto currículo académico e científico, deu recentemente uma entrevista ao jornal Público (2 de Outubro), onde punha a descoberto um conjunto de incongruências e contrariedades resultantes de algumas decisões políticas, e por consequência da DGS. O especialista em Saúde Pública não compreende porque é que no contexto actual, e face ao nível elevado de vacinação conseguido no nosso país, a DGS continue a pensar e a agir como se fosse possível controlar a infecção na comunidade, quando diz ser evidente que isso não é possível. Justifica-o dizendo que “quando temos um conjunto de outras patologias que levam a três vezes mais mortes e hospitalizações do que a covid, é porque a covid não é um problema de saúde pública”. Acresce que vários especialistas têm vindo a terreiro dizer que a pandemia passará, mas que a doença não. Disso mesmo nos deu conta, recentemente, o director da OMS para a Europa, Hans Kluge, sublinhando que passaremos para “uma situação endémica”, em que teremos de aprender a viver com a covid, como acontece com a gripe. Um dos cenários apontados é que a vacina contra esta doença venha a integrar os planos de vacinação, sendo dada uma vez por ano, para garantir imunidade.
Sobre algumas medidas restritivas que ainda persistem, Jorge Torgal insurge-se contra a manutenção do uso de máscara nalgumas situações, ao contrário do que se já verifica noutros países com uma taxa de vacinação inferior à nossa. Exceptuando os casos de alto risco, em particular as pessoas de idade avançada, e em contexto de lares e estabelecimentos de saúde, o especialista não vê razão para que a máscara continue a ser obrigatória em sala de aula. Diz mesmo que “é absurdo que não adoecendo as crianças e estando os adultos das escolas vacinados, se esteja a pedir que estejam numa situação de uso de máscara quando não há uma justificação científica para isso”, acrescentando, e aqui convém sublinhar, que “é atentatório da qualidade do discurso que elas vão ter, da expressão, da aprendizagem, etc.”. Enquanto professor posso atestar da validade desta afirmação. Em contexto de sala de aula a máscara tem sido uma barreira à comunicação entre professor e alunos, comprometendo uma clara compreensão do que é verbalizado, uma sã convivência, o estabelecimento e reforço de laços sociais, de afectividade e confiança, acabando por prejudicar as aprendizagens.
Não quero sequer imaginar que esta situação lesiva se possa prolongar por muito tempo.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Regionalização (in)adiável

Há pelo menos três décadas que se discute o tema da regionalização. Prevista na Constituição desde de 1976, esta reforma tem sido sucessivamente adiada por sucessivos governos. Em 1991, durante o governo de Cavaco Silva, era aprovada a Lei-quadro das Regiões Administrativas (Lei nº 56/91, de 21 de Agosto), que abria portas ao processo, com a definição dos órgãos de poder a criar em cada região (Juntas Regionais e Assembleias Regionais), das respectivas competências e atribuições, da forma como as regiões iriam ser instituídas, e do regime eleitoral das futuras regiões, ficando apenas por definir o seu número e a sua delimitação. A partir de meados da década de 1990 a discussão em torno da regionalização intensificou-se. E é em 1997, aquando da revisão constitucional desse ano, que ficou definido que a criação das regiões em Portugal teria de passar, obrigatoriamente, por um referendo. Nesse mesmo ano são apresentadas duas propostas (mapas de regiões), uma do PS e outra do PCP e PEV, que acabariam por chegar a um entendimento, depois de cedências de ambas as partes. Da proposta conjunta resultaria a Lei da Criação das Regiões Administrativas (Lei 19/98, de 28 de Agosto). Do outro lado, PSD e CDS não apresentaram qualquer proposta, partidos que se bateram contra a regionalização, não fossem os seus respectivos líderes de então, Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas, assumidos anti-regionalistas, mesmo contra a opinião de destacadas figuras dos seus partidos, em particular do PSD. A data escolhida para a consulta popular foi o dia 8 de Novembro de 2008. Até lá cerraram-se fileiras entre aqueles que eram a favor e os que eram contra a regionalização. A campanha para o referendo ficou marcada, entre outras diligências, por muita desinformação e jogadas de bastidores. Venceria o “Não”, com 60%, contra os 34% do “Sim”. Com os “soluços” dos governos que se seguiram e os bloqueios dos partidos do chamado arco de governação (PS, PSD e CDS), certo é que a regionalização mantem-se, ainda hoje, um projecto adiado.
De momento, a questão que se tem discutido, com alguma frequência, é da descentralização. Inscrita no programa do executivo de António Costa, o processo tem sofrido atrasos sucessivos, levando os autarcas a manifestações de descontentamento. Entre outros quesitos, reclamam os “envelopes” (€) que não chegam para suportar os custos das novas competências. O executivo previa aprovar até Junho de 2021 as novas competências a descentralizar para as entidades intermunicipais, municípios e freguesias no ciclo autárquico 2021-2025, mas ainda nem sequer a primeira fase da transferência de funções foi fechada, sabendo-se que se irá prolongar-se até 2022.
No recente congresso do partido socialista António Costa reintroduziu a regionalização na agenda, apontando para a próxima legislatura uma discussão sobre o tema. Na moção ali apresentada, o secretário-geral do PS comprometeu-se a “proceder à avaliação, no final de 2024, do impacto das transformações relacionadas com os processos de descentralização autárquica”, para então, e depois de feito um balanço, “promover um debate público nacional alargado sobre concretização da regionalização nos termos da Constituição”. O mesmo repetiria, dias depois, numa entrevista à TVi (a 6 de Setembro).
Portanto, antes de 2025 seguramente que não haverá regionalização. Até lá continuaremos a viver num país inclinado para o litoral, com o ralo situado na capital, enquanto o interior definha a olhos vistos. É caso para lembrar palavras sábias e tão actuais de Eça de Queirós: “A centralização, pois, chamando toda a vida política do país ao centro, à capital, à cabeça da Nação, cria, por assim dizer, um estado pletórico e apopléctico, em que é o centro que tem todo o sangue, todo o vigor, e as extremidades, onde não chega a circulação necessária para que elas se conservem num calor benéfico e saudável, arrefecem, e, em breve, definham, ficando como organismos mortos (…)” (da obra “O conde d´Abranhos”).

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Sentir na pele

Chega a ser de indignação o sentimento que me provoca a ligeireza com que muita gente utiliza certos conceitos, com destaque para os de justiça, liberdade ou democracia. Torna-se revoltante o seu mau emprego ou desvalorização, que só pode ser fruto de uma ignorância inaudita ou de um pensamento pérfido. Apenas posso concluir que só quem não sente ou sentiu na pele as consequências da governação de regimes déspotas, é que pode subestimar os valores que tais conceitos representam e, como no caso português, o quanto que custaram a conquistar. Bem vistas as coisas, não surpreende. Numa sociedade que banaliza, quando não estimula, o insulto, a mentira, a xenofobia, o racismo, o ostracismo, a discriminação de género ou sexual, o conluio, enfim, uma lista interminável de formas e atitudes de desrespeito por outrem, tão amplamente veiculadas nas redes sociais e até nalguns media, só se podia mesmo esperar esta triste forma de pensar e de estar na vida.
Vem isto a propósito dos resultados de um estudo recentemente publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian, conduzido pelos investigadores Alice Ramos e Pedro Magalhães, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, intitulado “Os valores dos portugueses”, que por sua vez faz parte de um outro mais alargado, a nível europeu, e que se intitula European Values Study. Como se pode ler na introdução do documento, esses resultados reflectem os valores, as atitudes e as opiniões dos cidadãos acerca de uma multiplicidade de temas centrais na vida quotidiana, como sejam a família, a religião, a política e o trabalho, assim como questões relacionadas com a percepção de bem-estar e felicidade, a moralidade, os movimentos migratórios, o papel de Estado-Providência, as redes sociais ou as alterações climáticas. Sem desmerecer as demais questões aí tratadas, sobressai uma em particular: a avaliação do regime. Segundo o estudo, 37% dos portugueses rejeitam um líder autoritário que não responda perante o Parlamento ou o voto popular, o que significa que a grande maioria dos inquiridos, 63%, admite outras formas não democráticas de governação! Curiosamente, a maior disponibilidade dos portugueses para regimes autoritários, tecnocráticos ou militares coexiste, por outro lado, com uma avaliação crescentemente positiva da democracia! Quase nove em cada dez dos inquiridos afirmam que um sistema político democrático é uma maneira boa ou mesmo muito boa de governar o país. Em resposta à perplexidade ou estupefacção que estes dados poderão suscitar ao mais comum dos mortais, a hipótese avançada pelos investigadores para esta discrepância entre uma adesão sólida à democracia e o recuo na rejeição de formas não democráticas de governação está numa definição imperfeita de democracia entre os inquiridos. Eu não diria ‘imperfeita’, mas sim ‘deficiente’!
Num primeiro impulso, seria levado a dizer que para quem não valoriza ou não reconhece o valor da liberdade ou da democracia, uma estadia, mais ou menos prolongada, num país governado por um regime autocrático ou autoritário seria recomendável. A sugestão é extensível a alguns radicais e populistas, amplamente mediatizados, assim como aos saudosistas do Estado Novo. Mas numa análise mais fria o problema terá logicamente de ser tratado de outras maneiras, porventura mais pensadas, trabalhadas e prolongadas no tempo. Imperativamente, uma delas passará pela educação.
De uma vez por todas, urge abordar estes e outros conceitos/valores na escola, de uma forma regular, analítica, contextualizada, multidimensional, multidisciplinar, suportada numa prática-reflexiva, através dos mais variados projectos e actividades educativas e com múltiplos parceiros. Primazia deverá ser dada ao desmontar das narrativas populistas, segregadoras e demagógicas que borbulham nos palcos mediáticos. Mas enquanto a prioridade se centrar, para muitas doutas almas no seio do corpo docente, no cumprimento obsessivo dos programas disciplinares, quantas vezes ignorando os diferentes ritmos de aprendizagem no seio da turma, na preparação dos alunos para exames, para que depois políticos, governantes e demagogos cavalguem os rankings, ou em iniciativas que não trazem qualquer valor acrescentado à educação cívica das crianças e jovens, iremos continuar a confrontar-nos com resultados idênticos aos que o estudo aqui referido revela.

terça-feira, 25 de maio de 2021

Alma lusa

Acostumámo-nos a ouvir os mais variados louvores atribuídos ao povo lusitano. Que somos gente de brandos costumes, solidária, que sabe e gosta de receber quem nos visita, enfim, um povo que derrama virtudes. Um recente caso (há muito e por muitos conhecido) vindo a público, a respeito da exploração de mão-de-obra escrava na agricultura intensiva, obriga-nos a reflectir sobre a alma lusa. Refiro-me obviamente ao caso de Odemira, altamente mediatizado, devido à cerca sanitária montada em duas das suas freguesias, como resposta aos casos de infecção por COVID-19 aí registados. Mas outras situações são igualmente conhecidas por outras paragens, como no Algarve, Ribatejo ou Beiras.
A mirada ou atitude preconceituosa, receosa, discriminatória, por vezes soez de muitos portugueses ficou a descoberto através de algumas reportagens televisivas levadas a cabo em Odemira. Quantas das pessoas que se lamentavam, perante as câmaras, do infortúnio dos muitos emigrantes explorados nas estufas eram e serão coniventes com o que se estava e está a passar? Quantas delas, de forma omissa, estarão a contribuir para o acentuar da vida desgraçada desses miseráveis, através, por exemplo, da cobrança de uma renda exorbitante, por um alojamento em condições degradantes? Face a esta realidade indesmentível, dirá o nosso Presidente da República, pela enésima vez, que somos os melhores do mundo?
A exploração de mão-de-obra escrava por alguns empresários agrícolas, com o auxílio de empresas fantasma de recrutamento (os ditos intermediários) começa logo, imaginem só, pela cobrança por cabeça de uma soma avultada, milhares de euros, para que os trabalhadores possam vir trabalhar para Portugal. Acresce o pagamento (quando ele não falha!) de um ordenado aquém do prometido, jornadas de 10 ou mais horas de labor, que se estendem ao fim-de-semana, ausência de protecção social, para além da clara violação de Direitos Humanos.
Já nem sequer me vou debruçar sobre questões/atentados ambientais, resultantes da agricultura intensiva, predatória de recurso naturais, violadora de zonas/reservas naturais protegidas, sobre as quais muito haveria a dizer, a começar pela omissão e negligência de actuais e anteriores governantes.
Uma nação que se esquece que fomos e continuamos, infelizmente, a ser um país de emigrantes, como pode fazer vista grossa a esta situação? Porventura já se esqueceram ou desconhecem o que foram os “bidonvilles”, em França, desde meados da década de 50 até início da de 70 do século passado? Bairros de lata que proliferavam um pouco por todo o país, em que dezenas de milhares de portugueses viviam em condições miseráveis e cujo trabalho era mal pago?
Como bem dizia Miguel Sousa Tavares, num artigo publicado no Expresso do dia 14 deste mês, aludindo ao que se passa em Odemira ou na região do Alqueva, a exploração de uma massa de trabalhadores imigrantes não se fica apenas pelos empresários e as máfias dos intermediários. São igualmente, como acrescenta, “os locais, o povo, sim, o bom povo português, que não tem escrúpulos em cobrar 130 euros mensais por uma enxerga miserável num pardieiro onde vivem 18 imigrantes (2340 euros mensais pelo pardieiro) e onde nem animais deveriam viver. E não é só o facto de toda esta próspera economia viver à margem da lei, do Fisco, da Segurança Social, do Estado de Direito: é a miséria moral que tudo isto revela sobre nós mesmos. A indecência colectiva de quem se tem aproveitado, mas também de quem sabia e nada fez, de quem não quis ver e de quem — depois de saber e de ver — continua a fingir que vai resolver o problema, sabendo bem que nada de essencial vai mudar”.
Valha-nos, ao menos, alguns casos exemplares como nos deu conta, recentemente, uma reportagem feita no Fundão, numa propriedade produtora de cereja, em que os imigrantes, de várias nacionalidades (europeia e asiática) usufruíam de condições condignas de trabalho, alojamento, vencimentos e respeito por parte dos seus empregadores.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Do justicialismo

A decisão instrutória do Processo Marquês provocou estilhaços. As manifestações de ódio a José Sócrates e ao juiz Ivo Rosa não se fizeram esperar. A reacção da vox populi era já expectável, uma vez que na sua mente colectiva está bem recalcado o juízo de que os políticos são todos iguais, ou seja, que são todos corruptos e de que a justiça continua a marcar passo. Daqui ao pedido da cabeça do dito juiz foi um curto passo, logo surgindo uma petição a pedir o seu afastamento. Já da parte de políticos e de certos comentadores, sobretudo com formação jurídica, exigia-se que houvesse mais decoro, prudência e seriedade, antes de tomarem o megafone na mão. Uns mais exaltados do que outros apressaram-se a condenar Ivo Rosa na praça pública, chegando ao ponto de haver quem o considerasse “um perigo à solta”, palavras de Marques Mendes no seu comentário dominical, na SIC. Enquanto advogado não lhe cai nada bem, por razões óbvias. Aqueles que dizem que se deve deixar a justiça seguir os seus trâmites, são os mesmos que vêm agora rasgar as vestes na praça pública, condenando juízes, procuradores, tribunais, molduras penais, etc. Tal investida e exasperação, tais discursos apocalípticos não se verificaram relativamente a outros casos de julgamento de políticos e ex-governantes, que viriam a ser absolvidos, ou não, de crimes de que eram acusados, e que muitos bem se lembrarão. Quiçá porque faziam (e ainda farão) parte da mesma irmandade!
Tentando pôr alguma água na fervura e apelar à clarividência, Boaventura Sousa Santos e Conceição Gomes, num excelente artigo publicado no Público no passado dia 15 deste mês, fazem notar, e bem, que “as ineficiências e as perplexidades da acção da justiça não podem colocar em causa pilares fundamentais do Estado de direito, como a independência e a autonomia dos juízes. Em democracia, as decisões dos tribunais, além da avaliação pela via do recurso, devem ser criticamente escrutinadas pela sociedade no seu conjunto. Mas são totalmente inaceitáveis abaixo-assinados e outras atitudes persecutórias contra juízes por tomarem decisões que não agradam a determinados grupos”. O clamor que se levantou em torno do ex-Primeiro-Ministro e do juiz Ivo Rosa apenas contribui, como dizem estes académicos, para “enfraquecer a democracia e descredibilizar a justiça”, e que o “poder judicial tem obrigação de rejeitar inequivocamente a ideia de que deve ser “justiceiro” em determinado caso concreto”. Por outro lado, e ainda a respeito de Sócrates, estou inteiramente de acordo com o apelo do vice-presidente da bancada socialista, Pedro Delgado Alves, feito no programa “Sem Moderação”, do Canal Q, para que o partido fizesse uma “introspecção” sobre o percurso do ex-Primeiro-ministro até chegar ao que chegou, subentendendo-se da sua alocução que foram muitos os camaradas que ao longo do tempo fecharam os olhos. No dia seguinte, numa reunião do grupo parlamentar do PS, Pedro Delgado seria silenciado pela líder Ana Catarina Mendes! Outros partidos de poder não terão razão para deleite com o caso Sócrates, pois também eles não se deitam em lençóis imaculados.
Nunca nutri simpatia por José Sócrates. Nunca ele granjeou o meu voto. Tenho a minha opinião (nada abonatória) acerca daquilo de que é acusado no Processo Marquês. Enquanto cidadão interessado na coisa pública, não me privo de tecer críticas a alguns dos seus comportamentos, quer enquanto governante, quer enquanto simples cidadão. Mas daí até diabolizar o sistema judicial vai um grande e perigoso passo que me abstenho de tomar. Este alvoroço a que assistimos, com incitamento e proveito da imprensa tablóide, que promete novos capítulos, é um fertilizante para os populismos, prestando um péssimo serviço à defesa do Estado de direito, à separação de poderes e à própria democracia. Sem dúvida que ainda há muito por fazer para melhorar a justiça. Haja em definitivo honestidade intelectual, seriedade e determinação, livres de querelas e interesses partidários, da parte da classe política parlamentar, ou seja, dos deputados, para dotar o sistema judicial dos meios e recursos necessários, para tornar as leis mais fortes para punir a corrupção e o enriquecimento ilícito ou injustificado, e sobretudo para tornar a justiça mais célere.

terça-feira, 30 de março de 2021

Entre a confiança e a alienação

O recente episódio com a vacina Astrazeneca, que levou à sua suspensão durante alguns dias nalguns países europeus, incluindo Portugal, para além das guerras políticas e comerciais entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido, com os interesses pouco claros das farmacêuticas à mistura, trouxe uma vez mais à evidência o tresvario que vai em muitas cabeças. Alguns preferirão chamar-lhe desconfiança. A culpabilização das redes sociais pela desinformação que por aí grassa tem sido um pretexto abusivamente utilizado por várias vozes. Conheço pessoas bem formadas e com informação credível à sua disposição, que desde que a pandemia teve início não mais pararam de olhar com suspeita para tudo e para todos. Amigos, colegas, vizinhos, conhecidos, família. Por várias vezes aqui referi que basta passear pela rua para facilmente nos apercebermos de inúmeros comportamentos que causam estupefacção. O mais icónico é o daquelas pessoas que vão a conduzir a sua viatura, sozinhas no habitáculo, de máscara posta! E que dizer da variedade de formas hilariantes de cumprimento ou do embaraço que a sua ausência por vezes provoca? Agora surge a desconfiança nas vacinas, em especial na Astrazeneca, com pessoas a recearem o processo de imunização. Um recente estudo de parceria entre o ISAG-EBS e o CICET-FCVC [1] revelou que 12,8% dos inquiridos, em Portugal, não deseja ser vacinado. Ao medo da doença junta-se agora o medo da vacinação. Tudo o que vai para além das medidas de protecção recomendadas, e bem, pelas autoridades sanitárias roça o absurdo, o paranóico. Alguma dessa gente, que manifesta este tipo de conduta, diz confiar na classe médica e nos especialistas, algo que depois choca com a sua prática. Eu acredito na ciência quando, por exemplo, ela diz que o álcool-gel mata o SARS-Cov-2 no prazo de 15 segundos (até podia ser mais), aquando da desinfecção das mãos. Daí que o meu receio em contrair a COVID-19 após ter tocado num objecto, produto ou superfície é exactamente o mesmo depois de ter dado um aperto de mão a um amigo ou conhecido, ou seja, nenhum. Em qualquer das situações, bastará, claro está, proceder à respectiva Lavagem/desinfecção das mãos. Terá sido esta a premissa que o Papa Francisco eventualmente terá tido em conta quando, na sua recentemente visita ao Iraque, estendeu a mão para um aperto firme e prolongado ao seu anfitrião, o primeiro-ministro iraquiano, assim que desceu o último degrau do avião, no aeroporto de Bagdad. Alguns apressar-se-ão a alegar que o Papa já está vacinado contra a COVID-19, mas também sabemos que o sumo pontífice não vai para jovem. Para além de já contar 84 anos, lembremos que a respectiva vacina não garante uma imunidade total, tal como outras, aliás. Mais, e reiterando à minha confiança na ciência, a autoridade reguladora do medicamento dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration, e o Departamento de Agricultura asseguraram, após uma análise das provas científicas disponíveis, que as probabilidades de infecção pelo novo coronavírus através de superfícies, alimentos ou embalagens de alimentos são extremamente baixas[2]
Não sou vidente, nem faço profecias, mas as minhas previsões sobre várias matérias no domínio do social têm, grosso modo, batido certas. No domínio da saúde, e com base naquilo que foi sendo perspectivado por vários especialistas ao longo de 2020, houve uma previsão em que fiquei contente por ter errado: a data da descoberta da vacina contra a COVID-19. Prognosticava-se que ela, dificilmente chegaria antes do final do 1º trimestre de 2021. Alguns diziam mesmo que só no 2º semestre. A verdade é que a vacina chegou antes do final de 2020. Entretanto, e devido às falhas das farmacêuticas nos prazos e quantidades contratualizados com a UE, deu-se um atraso na vacinação em vários países. Em Portugal as autoridades de saúde apontam para 70% da população vacinada até ao final do Verão. Veremos. É provável que cheguemos ao final deste ano sem ter toda a população portuguesa inoculada. Mas o que eu queria mesmo salientar é que prevejo que ainda durante o ano 2022 iremos continuar a assistir a um ambiente social marcado pela desconfiança, receio, medo, ostracismo e bizarria. Oxalá que volte a enganar-me… para bem da sanidade mental global!

[1] https://www.isag.pt/isag/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=10999

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A respeito da salvação nacional

Recentemente um conjunto de notáveis veio a púbico defender um governo de salvação nacional, entenda-se, de bloco central. Em contracorrente, outras vozes se levantaram para criticar essa pretensão, tendo o veredicto final ficado a cargo do Presidente da República. Visse, o mais alto magistrado da nação, uma alternativa fiável à direita e talvez a decisão poderia, a prazo, ser outra.
A mais recente sondagem, feita pela Eurosondagem para o Porto Canal e semanário "Nascer do Sol", coloca o PS próximo dos 40% (39,3%), conseguindo o seu melhor resultado desde as legislativas de 2019. Mais: surge com quase a mesma percentagem do que toda a direita junta. Ora esta taxa de aprovação não parece indiciar uma crise de confiança no governo. Agora se alguma instabilidade puder ser anunciada, e tem havido sinais disso, ela só poderá ser assacada a António Costa e ao PS. Puxemos, então, a fita atrás.
A solução governativa encontrada na anterior legislatura, com um acordo parlamentar entre PS, BE, PCP e PEV, não tendo sido isenta de problemas, erros e até de algumas fricções entre parceiros, permitiu, contudo, paz social, devolução e aumento de rendimentos e alguns progressos sociais e económicos. Todavia, na recta final dessa legislatura, e após a aprovação do último orçamento de Estado, o PS começou a evidenciar o desejo de renovar o mandato, mas desta vez a solo. Pela voz de alguns dos seus barões, como Augusto Santos Silva ou Carlos César, começou uma campanha de hostilização aos seus parceiros, em particular ao BE. O PS apostava todas as fichas na maioria absoluta nas legislativas de 2019. Apostou e perdeu. É certo que cresceu, foi o partido mais votado, mas não conseguiu a tão ansiada maioria. Devido ao seu desastre eleitoral, o PCP colocou-se de fora de qualquer acordo escrito, e o PS recusou o apoio do BE na governação. À sua direita, António Costa descartou um entendimento com o PSD, batendo-lhe com a porta, quando numa entrevista ao Expresso, em Agosto do ano passado, afirmara que “No dia em que a subsistência deste governo depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou”. Parece ter ficado escrito na pedra! A partir daqui começava uma governação do tipo ‘pesca à linha’. Para piorar a situação veio a pandemia. Seguiram-se as acusações de deserção à esquerda e de antipatriotismo à direita, fazendo lembrar a célebre expressão “Por que no te callas?”.
Entretanto, os dados da execução orçamental de 2020 vieram revelar, uma vez mais, uma prática corrente dos governos de António Costa: as cativações. Ficaram por executar cerca de 7000 milhões de euros do orçamento de Estado para esse ano, ao qual já se juntara um orçamento rectificativo. Não surpreende, depois, que o Serviço Nacional de Saúde continue longe de ter os equipamentos e profissionais de saúde de que urgentemente necessita, ou que a maioria dos computadores para os alunos mais carenciados, prometidos vai para um ano, continuem por ser entregues, só para dar dois exemplos. As consequências lesivas destas decisões estão à vista, mais aquelas que advirão. Sem dúvida que o país precisa de ser salvo. Mas isso não passa, a meu ver, por acordos engenhosos e calculistas entre os partidos do chamado arco de governação. A salvação nacional passa, sim, por investir mais no SNS, não só para dar resposta à pandemia, mas também a todas as consultas, exames e cirurgias adiadas. Face aos dois milhões de pobres, passa pelo robustecimento da Segurança Social. Passa pela dotação de mais recursos humanos e materiais na educação. Passa pelo combate à precarização, pelo investimento na qualificação profissional e pela melhoria de salários. Passa por reformas na administração pública, pelo investimento público e privado, pela melhoria da rede de transportes, pelo (sempre adiado) desenvolvimento do interior, pelo tão falado programa de transição energética que priorize os mais necessitados. Por outro lado, a salvação nacional passa igualmente pela imperatividade de o Estado se livrar do parasitismo e rentismo de alguns grupos económicos, bem como do sorvedouro de dinheiros públicos, particularmente pela banca. E mais haveria a acrescentar

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

“Eu não sou racista, mas…”

Este é um tipo de comentário, típico de conversa de café, que se vai ouvindo com alguma soltura por algumas paragens. Ainda recentemente um conhecido meu o fizera, dizendo precisamente que não era racista, mas que não gostaria de ter os ciganos a viverem à sua porta. Seguido da asserção surge a sua “declaração de interesses”. Portanto, a pessoa em causa não é racista, mas só não o é à condição: não ter os ciganos como vizinhos!
Este tipo de afirmações demonstra bem os preconceitos e a estigmatização que teimam em vigorar nalgumas sociedades. Sou dos que não considera que Portugal é um país racista, ou de que o racismo é endémico, mas que os casos existem por cá, isso parece evidente. Muitos até admitem a presença ou a permanência no nosso país de pessoas de outras culturas, oriundas de outras geografias, de outra cor ou etnia, desde que tal não lhe ponha em causa (aquilo que considera ser) a sua propriedade. Do tipo: “eu não tenho nada contra os negros, desde que qualquer um deles não ocupe um emprego que podia ser meu”; “eu não sou contra os ciganos, mas livrem-me de um deles vir a casar com uma filha minha”; “eu não tenho nada contra os chineses, desde que não abram uma loja em frente à minha”.
Este tipo de sentimentos prolifera um pouco por todo o lado, merecendo várias vezes destaque em noticiários e na imprensa, em geral. A par do preconceito, para tal estará certamente a contribuir aquilo a que se passou a designar de ‘pós-verdade’, conceito que define, grosso modo, a importância que as pessoas atribuem a notícias falsas, com base em emoções ou crenças pessoais, em detrimento da verdade objectiva ou dos factos apurados. Para João Barros, “é uma forma colectiva de estupidez que resulta da incapacidade de uma grande parte dos indivíduos de processar analiticamente a realidade e, ao invés de tentarem aprender e corrigir esta falha, refugiam-se em ideias estapafúrdias e deixam-se levar por falácias óbvias”.[1] E sobre esta questão, no panorama político internacional pululam alguns “messias”, hábeis a arregimentar uma tribo de fanáticos, naturalmente imbecis, numa cruzada contra um inimigo que varia conforme as circunstâncias ou o contexto. A receita é simples: diabolizar alguns grupos dominantes, desacreditar a comunidade científica, atemorizar adversários, mobilizar os deserdados, gerar bolsas de ódio contra imigrantes ou minorias. O mais proeminente percursor desta cartilha é naturalmente o recentemente “deportado” da cadeira mais poderosa do mundo, esse prodígio que dá pelo nome de Donald Trump que, para além dos seus nativos, granjeou muitos admiradores além-fronteiras. Por cá, numa versão requentada, o homo megafone segui-lhe o mesmo guião! À semelhança de Trump, que se rodeou de uma trupe, também o líder do Chega se guarneceu de “gente de bem”, como deu conta uma recente e esclarecedora reportagem que passou na SIC.
Nos EUA, os seguidores de Trump, mesmo sabendo que ele é um mentiroso compulsivo, boçal, arrogante, entre outros qualificativos, que foge aos impostos, que afrontou as instituições democráticas, nunca deixaram de o admirar. O mesmo se passa com Ventura, que muda de opinião conforme a meteorologia, que fabrica as suas próprias estatísticas, que constrói encenações (como a história do cigano de Bragança), que insulta os seus adversários, que ataca aqueles que designa de “subsídio-dependentes” (os beneficiários de RSI, globalmente pobres e desempregados, ignorando os maiores sugadores do Estado, como a EDP ou a Banca!), que tem um programa de governo que faria corar o Dr. Salazar, etc. E todavia, nas presidenciais, embora não tendo alcançado o tão desejado 2º lugar a nível nacional, almejou cerca de meio milhão de votos. Votos de protesto, dizem alguns!
É verdade que os sucessivos governos do pós-25 de Abril não impediram ou não fizeram o suficiente para corrigir desigualdades sociais que se foram acumulando, perpetuando o esquecimento de parcelas consideráveis da sociedade, que muitas promessas continuam por cumprir, que a corrupção continua a ser um problema, contra a qual a justiça revela dificuldades de resposta, pelo menos de forma célere e implacável, tal como noutros casos judiciais que ensombram a nossa democracia. Daí a razão de muitos acreditarem que é voltando-se para uma direita decrépita e autoritária que verão solucionadas as lacunas que a democracia, um sistema livre, aberto, tolerante e integrador, não preencheu integralmente. Mas, tal como assevera Sónia Sá, “desenganem-se aqueles que vêem no saudosismo atávico, autoritário e justicialista, mesmo que vestido com indumentária contemporânea e com uma voz mais suave do que esganiçada, uma solução para os seus problemas”.[2] O discurso populista, demagógico e insidioso, que promete uma panaceia para todos os males da república, esconde motivações sombrias e perigosas, cuja História amargamente lembra. Mas, como diz João Barros, “percebo que pensar custa e Filosofia, enquanto disciplina do secundário, é frequentemente um martírio. Mas uma boa parte deste pensamento falacioso provém da incapacidade dos indivíduos terem empatia por casos distantes da sua realidade”.
Muitos destes líderes populistas, redentores, que se apresentam como cristãos devotos, por vezes com uma encenação que causa náusea, deveriam sim, ler e interiorizar a encíclica “Fratelli Tutti”, do Papa Francisco. O mesmo conselho serve para os seus acólitos.
Para terminar, Ventura ficou em 2º lugar na maioria dos distritos, incluindo Vila Real. No nosso concelho ficou em 3º, praticamente ex aequo com Ana Gomes, a 2ª da lista. Pouco a pouco os esqueletos começam a despertar e a sair do armário. Isto promete!

[1] BARROS, João (2020). Pós-verdade, neo-tribalismo e estupidez. Jornal Económico, 25 de Junho.
[2] SÁ, Sónia (2021). Derrotar uma (a)ventura em cinco atos. Jornal Económico, 7 de Janeiro.