sexta-feira, 24 de novembro de 2017

No meu tempo é que era!

É uma expressão que se ouve de tempos a tempos, aqui e ali, normalmente dita por pessoas a partir, pelo menos, de meia-idade. No meio escolar, então, isso é o prato do dia! No capítulo dos valores e das atitudes dos alunos, com frequência se ouvem professores a aludir que no seu tempo é que era, ou seja, que aqueles eram respeitadores, empenhados, que faziam os trabalhos de casa, etc. O mais curioso é que a dita expressão atravessa gerações. São os quarentões, os cinquentões, os sessentões e por aí adiante a desabafar… “no meu tempo é que era!” Então em que é que ficamos? Melhor dizendo, em que tempo é que era? Entendamo-nos!
Concluí o ensino secundário em finais da década de 80 do milénio passado. Sim, acertaram, tenho a aparência de Gandalf! Durante esta, e ao longo dos agora designados 2º e 3º ciclo do ensino básico, vivi e presenciei uma série de acontecimentos muito semelhantes aos que agora se assiste. Desinteresse pelas aulas e pelo estudo, absentismo, indisciplina, ofensas a professores, faltas disciplinares, castigos, expulsões, etc. E atenção que não estou a falar de escolas que são notícia pelas piores razões, tal como para os lados do Monte da Caparica ou do Cerco, só para dar dois exemplos. Passei por duas, uma preparatória e uma secundária, relativamente pacatas, de uma cidade de média dimensão.
Sei que na década anterior, a de 70, registavam-se casos semelhantes. Então se falarmos dos meados dessa década, do 25 de Abril ou do PREC, então muito haveria a dizer acerca do comportamento dos alunos… e até de alguns professores! Se quisermos recuar ainda mais no tempo, entrando pelo período da ditadura, em especial na década de 60, num contexto político e social muito particular, onde vigorava a censura, a perseguição política, as prisões arbitrárias, o conluio, etc., também poderíamos relatar um sem número de casos (geralmente abafados) de insubordinação ou afronta à autoridade, pese embora o controlo e disciplina rigorosos da época. As consequências, nalguns casos, acabava no recrutamento forçado para a guerra nas ex-colónias. Neste caso estou naturalmente a falar de alunos universitários.
Enquanto professor, e a caminho de comemorar as bodas de prata do meu “matrimónio” com a Escola, passaram pelas minhas mãos mais de 2000 alunos, de pelo menos duas gerações. Se contar com a docência no ensino superior, então somam-se mais umas centenas, distribuídas por mais duas gerações. Tive um pouco de tudo. Uns mais interessados do que outros, uns mais empenhados do que outros, uns mais cumpridores do que outros, uns mais criativos do que outros, etc. Permiti, como continuo a permitir, momentos de descontracção (porque são necessários, e até recomendáveis), mas sem que nunca tal coloque a minha autoridade em causa. Daí que raramente ou quase nunca se ouçam da minha boca críticas sobre indisciplina relativamente aos meus alunos. Não significa isto que eu tenha sequer a veleidade de me considerar infalível ou inatacável, e muito menos que pretenda dar lições de pedagogia a quem quer que seja. Sabe muito bem quem melhor está por dentro da escola e do ensino, falo obviamente dos professores, que as questões do comportamento e do empenho do aluno dependem muito do “berço” onde ele nasce e dos pais/encarregados de educação que o acompanha. Aliás, o recente estudo publicado pela Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, sobre os resultados escolares dos alunos do 3º ciclo do ensino público no ano lectivo 2014-2015, aponta em certa medida nesse sentido. Por outro lado, penso que muitas vezes a questão tem mais a ver com aquele adágio que diz que “a ocasião faz o ladrão”. Se o terreno é fértil à errância, alguns alunos não perderão a oportunidade para se aproveitarem do momento. 
Com a mudança dos tempos, e de tudo aquilo que isso envolve ou acarreta, num ritmo cada vez mais acelerado, como é possível pensar-se que, no ensino, as práticas, as metodologias, as pedagogias, os currículos, e até o modelo de autonomia das escolas, se possam manter inalteráveis? Reflictamos, pois!

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Autárquicas 2021

Já só faltam 4 anos!
Confesso que fiquei surpreendido com o resultado das últimas autárquicas no nosso concelho. Esperava que o PS vencesse por uma diferença de 1470 votos sobre o segundo classificado. Ora aconteceu exactamente o contrário. O PSD venceu, imaginem só, precisamente por esse número! Não, não vou lançar suspeitas sobre a contagem dos votos, nem enveredar pelas teorias da conspiração. O erro foi mesmo meu. Isto de fazer contas de cabeça tem os seus riscos. Acho que falhei na prova dos nove! Para a próxima vai de calculadora. Não deixo, todavia, de achar que houve muita mão trémula… 
Como dizia, já só faltam 4 anos para as próximas eleições autárquicas. E como o futuro se começa a desenhar no presente, há que começar a traçar o plano para o “assalto ao castelo”. Por isso, caros aguiarenses, apresento, hoje mesmo, a minha candidatura a presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, para o quadriénio 2021-2025. Faço-o como independente. Primeiro, porque está na moda; segundo, porque assim não tenho que sofrer pressões por parte dos barões de um partido qualquer no momento da constituição da equipa candidata à câmara.
Depois de muito ponderar e retiradas as devidas ilações (um exercício que não passou de minuto e meio), cheguei à conclusão que o que tinha mesmo de fazer era aprender com os vencedores e vencidos. Sobretudo com os primeiros. Isto de ser sincero e honesto está visto que não rende votos. Temos, sim, que seguir a receita que dá frutos, juntando-lhe, claro está, algumas inovações. A este respeito, já lá irei. Vamos com calma!
Depois de uma primeira tentativa frustrada, acabei por encontrar a pessoa certa para meu mandatário de campanha. Depois da recusa de Gollum, por estar comprometido com as filmagens do novo filme da saga, “O Senhor dos Anéis”, tinha que encontrar alguém que se movesse bem no mundo “subterrâneo”. Logo, a pessoa certa seria a toupeira. Em troca pelos seus serviços de intriga e bajulação ser-lhe-á garantido um lugar (tão cobiçado) na mesa dos comensais, que poderá passar por uma assessoria, a chefia de um gabinete, ou então a direcção de um agrupamento escolar.
O responsável pelo meu manifesto eleitoral será o insuspeito Tony Carreira. Não será tarefa difícil para o artista, dado o seu talento em plagiar. No entanto, avanço já com algumas ideias. A nível do desporto, serão organizados campeonatos concelhios e regionais de matraquilhos, sueca, malha e malhão. Na cultura, não deixando de aproveitar as ideias (muito originais) já existentes, como a corrida de cavalos ou a chega de bois, juntar-se-ão as touradas. Aproveitando igualmente o que já se fez a nível de actividades de promoção do património mineiro no nosso concelho, incluiremos no Festival do Ouro Romano a luta de gladiadores, que decorrerá no campo de treinos do Sport Clube de Vila Pouca de Aguiar, entretanto transformado em coliseu. O cabeça de cartaz será Russell Crowe. Transformaremos o Village & Camping numa aldeia gaulesa, onde não faltará javali assado, vinho, música e a habitual recepção calorosa aos romanos. Tudo isto no último sábado de cada mês e à borla. No domínio da economia e obras públicas, arrancaremos com a I Feira do Xisto na freguesia de Tresminas. Levantaremos todo o alcatrão do concelho para substitui-lo pela calçada à portuguesa. Com esta iniciativa, juntamente com a construção do referido coliseu, estaremos a contribuir, garantidamente, para o aumento da indústria de exploração e transformação de granito da nossa terra, assim como para a criação de emprego na construção civil, resultante dos contractos (por ajuste directo) estabelecidos com os empreiteiros da terra. A nível da agricultura, de forma a não só dar escoamento aos nossos produtos agrícolas, como inclusive aumentar a sua produção, será servida uma ementa vegan em todas as cantinas, escolares e não escolares. No que respeita ao apoio aos idosos, como as viagens de autocarros já estão démodé, levaremos os nossos seniores a viajar em cruzeiros para destinos exóticos. A nossa juventude terá igualmente a atenção que merece (e tem merecido). Será criado um gabinete de apoio ao jovem, onde ser-lhe-á prestado todo a ajuda necessária para emigrar tranquilamente.
Quanto à constituição da equipa que presidirei, assim como a da assembleia municipal e as das juntas de freguesia, não há pressa. Há que ser paciente e esperar até ao final do mercado de transferências que, como é sabido, só termina às 24 horas do último dia de Agosto. Em todo o caso, delegarei funções a uma equipa de batedores mercadores, que palmilhará cada centímetro quadrado do concelho, e tratará de propor a melhor oferta. Se do outro lado oferecerem 100, nós ofereceremos 200, e ainda um vale de compras no mesmo valor, a gastar numa qualquer mercearia da terra. E assim estaremos a ajudar o comércio local.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Para todos ou só para alguns?

A tenda está montada há meses. Animação, muita animação. Festas e festins, música, saltimbancos, cigarras e outros talentos de rua. Tempo de inaugurações e promessas. Muitas promessas! Acompanhado de “ilustres”, nativos e convidados (faça-se número!), o candidato encabeça o cortejo. Neste contam-se interessados e interesseiros, vendedores e alienados, zelosos e profanadores. Monta-se o palanque para os momentos de oratória. Nele acedem sofistas, coristas, malabaristas, oportunistas e outros “artistas”. Na esteira de Martin Scorsese diria, “tudo bons rapazes”. Os pedagogos demagogos também têm direito à palavra. Proferem vacuidades, pois a originalidade é algo que ainda não se compra ou se obtém por decreto. Gente que atulha o seu discurso de humanismo e pedagogia, mas cujo seu dia-a-dia é feito de cinismo e hipocrisia. Gente que, encostando-se aos poderes instalados, espreita pela primeira oportunidade para chegar à sua cadeira de sonho. Não a do FCP, obviamente! Aposta-se nas curtas-metragens, tendo como protagonista o actual presidente da Câmara Municipal e candidato do PSD, a ensaiar um estilo do tipo Marcelo Rebelo de Sousa, encenando beijinhos e abraços. Um espectáculo hilariante digno de se ver.
E este arraial laranja leva já 16 anos! Entretanto, impõe-se a questão de um milhão de dólares: em que é que a vida dos aguiarenses melhorou? Sim, em quê? Como é possível que Vila Pouca de Aguiar, que goza de uma situação geográfica privilegiada e com variados recursos, consegue ser ultrapassada por outros concelhos de menor dimensão (alguns situados em lugares recônditos), quer no plano económico, social, cultural, etc. O despovoamento e o desemprego mantem-se, a emigração prossegue, o tecido empresarial é exíguo, a agricultura continua, grosso modo, a ser de subsistência.
Bom, mas nem tudo foi mau. Na verdade, a vida melhorou para alguns. Para quem?! Ora, para alguns daqueles que facilmente encontramos no dito cortejo ou num qualquer gabinete ou departamento sob alçada camarária. Para aí chegar basta ser amigo, partidário, seguir a cartilha imposta (quantas vezes feita de chantagem ou ameaça), ou então vender a alma ao diabo! Dito isto, se é para “continuar a trabalhar” para os mesmos, a resposta só pode ser uma: NÃO, obrigado!
Chegou a hora de decidirmos se queremos uma autarquia a trabalhar para todos os aguiarenses ou só para alguns. PARA TODOS, é precisamente este, o lema do candidato do Partido Socialista às eleições autárquicas, o Dr. José Carlos Rendeiro. Acredito neste seu propósito pela simples razão de admitir que só ele será capaz de trabalhar para todos e não apenas para uma pequena clientela, como aquela que foi sendo servida e alimentada ao longo, repito, de 16 anos de governo autárquico do PSD.
Não me vou alongar na exposição das qualidades do candidato socialista. Já outros o fizeram, e de forma concisa e honesta. Basta-me considerar duas delas, que só por si me dão inteira confiança numa Vila Pouca de Aguiar trilhada no e para o progresso das suas gentes. Uma delas tem a ver com o tratamento por igual, feito de respeito e consideração, que o Dr. José Carlos Rendeiro concede a TODOS, partilhem ou não da sua opinião ou ideias, sejam ou não seus partidários. A outra prende-se com a escolha livre, sublinho, dos melhores para trabalhar com ele, tendo como único critério o mérito, de modo a retirar Vila Pouca de Aguiar do atraso e do marasmo em que se encontra, devolvendo a esperança de um futuro mais risonho para as diferentes gerações de aguiarenses.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Dom de Mischabel


No dia 30 de Julho ascendi ao topo de uma das montanhas mais altas dos Alpes Suiços. O Dom de Mischabel ou Monte Dom é uma montanha dos Alpes Peninos, situada no cantão de Valais. Com 4545 m de altitude e 1046 m de proeminência topográfica, é a mais alta montanha inteiramente em território suíço e faz parte dos cumes dos Alpes com mais de 4000 m. Se o ponto culminante é este cimo, na realidade o Maciço dos Mischabel é formado por três cumes; o Dom ao centro, o Täschhorn a Sul, e o Alphubel a Norte, e formam o mais importante grupo montanhoso dos Alpes suíços. 
Desde o ponto de desembarque, da estação de comboios da localidade de Randa, calcorreie um desnível de mais de 3000 m, apenas com uma paragem para acampar/dormir, antes atingir o cume, no dia seguinte. Após saída à 3h30, e depois de ultrapassar um esporão rochoso com cerca de 100 m de altura e ter cruzado dois glaciares, atingi o cume da referida montanha pelas 10h30, na companhia de dois companheiros suíços. Poucos dias depois voltei a tentar mais uma montanha com mais de 4000 m, o Pollux, mas o mau tempo fez com que abortasse a tentativa. 

terça-feira, 25 de julho de 2017

‘Este pelo menos fez’

Há cerca de um mês, mais precisamente a 30 de Junho, o Jornal de Notícias (JN) publicava um artigo que se debruçava sobre uma realidade que se verifica há vários anos no nosso país, e que embora não sendo de todo surpreendente não deixa de revelar pormenores interessantes sobre as características de determinada franja do eleitorado luso.
Partindo de uma série de entrevistas feitas a alguns investigadores, o JN apresentava um retracto do comportamento dos portugueses, no momento da ida às urnas. Maria Antónia Pires de Almeida, José Adelino Maltez, Carlos Jalali e Luís de Sousa foram alguns dos investigadores que contribuíram com os seus preciosos conhecimentos sobre o tema em questão, fruto dos vários estudos que vêm desenvolvendo há longo tempo.
No referido artigo, o JN começava por dizer que “os portugueses têm tendência para amnistiar os políticos e tolerar o fenómeno da corrupção, optando por não fazer qualquer tipo de punição eleitoral, sobretudo a nível local.” A questão não surge por acaso. É do conhecimento público que são muitos os ex-autarcas, alguns deles figuras bem populares, que regressam para a corrida às autárquicas de 1 de Outubro. Curioso é verificar, tal como é dito no artigo, que “alguns candidatos com processos a decorrer e até condenados conseguem ser reeleitos.” O mais preocupante, como salienta a investigadora Maria Almeida, é a amnistia popular dada a esses autarcas, sabendo-se, como revelam os estudos, que “a longevidade com que grande parte dos presidentes permaneceu no cargo potenciou casos de clientelismo, falta de transparência e corrupção.” A investigadora adianta que mais de metade dos eleitores portugueses (53%) aceita a corrupção desde que “praticada por uma boa causa”, e cerca de dois terços (61%) toleram o fenómeno desde que isso resulte em benefícios para as populações. José Adelino Maltez refere que este comportamento verifica-se no eleitorado que se situa na faixa etária entre os 40 e os 60 anos, como diz, “habituado a votar em padrinhos”. O investigador acrescenta que o eleitorado mais jovem é o que tem mais tendência a punir esse tipo de autarcas.
A propensão para tolerar actos ilícitos ao nível local parte, essencialmente, de um conceito, há muito enraizado, que espelha uma visão distorcida do que deveria ser o exercício governativo autárquico numa sociedade democraticamente evoluída. Carlos Jalali ilustra-o da seguinte forma: “o eleitor escolhe mediante um leque de opções, empregando expressões como ‘este pelo menos fez’; por outro lado, a simpatia que nutre pela pessoa leva-o a desvalorizar os factos”. Na versão de Luís de Sousa, trata-se do “autarca Robin dos bosques”, acerca do qual o dito eleitorado, na altura de votar, justifica: “pode ser corrupto mas fez obra.” 
De um modo geral vemos pessoas, no dia-a-dia, a condenar este tipo de comportamento, os desvarios da governação, mas na hora de decidir pela honestidade, seriedade e rigor, aí a mão não treme, e a condescendência prevalece. Ora este padrão de comportamento é revelador de uma falta de ética, sentido de justiça e rigor cívico, que nos deveria envergonhar. Não ter um sentido crítico e fiscalizador e, quando justificável, uma atitude punitiva da actividade governativa, é colocar em causa a qualidade da própria democracia. É contribuir para um sistema vicioso em que a factura, mais cedo do que tarde, acaba sempre por ser paga pelos mesmos, inclusive pelos tais que proferem as expressões atrás descritas para justificarem o seu voto!

domingo, 25 de junho de 2017

As tropelias de Trump

As coisas não correm de feição ao presidente dos EUA, quer a nível externo, quer interno. Depois de ter jogado todas as fichas no populismo dos partidos europeus de extrema-direita, tentando influenciar as eleições que foram ocorrendo nalguns países deste continente, e com uma “perninha” da Rússia, Trump perdeu em toda a linha. Assim aconteceu, em particular, na Holanda e na França. Já acontecera com o Brexit, com o seu apoio a Nigel Farage, líder de um partido xenófobo que foi praticamente varrido nas recentes eleições britânicas.
No passado mês Trump levou a cabo um périplo internacional, tendo passado pelo Médio Oriente, seguindo-se a Europa. No primeiro país visitado, a Arábia Saudita, tratou daquilo que mais gosta: negócios. E que negócios! Daqui resultou o maior contrato de venda de armas da história norte-americana, num valor de 110 bilhões de dólares. Em Riad, a recebê-lo, para além do rei saudita estiveram igualmente outros líderes do Golfo. Também eles negociantes honestos e filantropos! Aqui, podemos dizer que o presidente norte-americano foi bem-sucedido. Entretanto, aproveitou para renovar as ameaças em romper com o acordo nuclear com Teerão, conseguido a muito custo pelo seu antecessor, Barack Obama. Música celestial para os ouvidos das autoridades sauditas e de outros vizinhos, com destaque para Israel! E foi precisamente para este país que seguiu. Pelo caminho teve ainda tempo para acender o rastilho de uma bomba de efeitos retardatários para o Qatar e a região.
O presidente norte coreano, com um nome que soa a gemido, por já se ter dado conta do bluff do charlatão loiro, a respeito da ameaça de uma intervenção militar americana, continua com o seu foguetório e as suas marchas “populares”! Este conceito deve ser entendido em toda a sua polissemia. 
Seguiu-se Jerusalém e Belém (Cisjordânia) para encontros com Benjamin Netanyahu e Mahmud Abbas, para renovadas encenações sobre a paz neste caldeirão. No Vaticano aguardava-o Sua Santidade, o Papa Francisco. As fotos do encontro falam por si! 
Depois veio Bruxelas, com Trump a ser recebido pelos presidentes da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do Conselho Europeu, Donald Tusk, numa reunião da NATO, onde aproveitou para mandar mais algumas farpas aos seus parceiros europeus, acerca do défice de participação de alguns destes no orçamento daquela organização. Apesar de alguma razão na “alfinetada”, não evitou que angariasse mais alguns comentários e olhares de repulsa. 
Por último, a visita a Taormina, na Sicília, para uma cimeira do G7. Nesta, Trump voltou a dar conta do seu antagonismo em matérias como globalização, economia, ambiente e política de refugiados, renovando recados à Alemanha, a respeito do défice comercial que os Estados Unidos mantêm nas relações com este país. Enfim, poder-se-á dizer que Trump foi um verdadeiro elefante numa loja de porcelanas! Foi o suficiente para a Europa ter percebido que pouco ou nada poderia contar com os EUA como parceiro comercial, enquanto Donald Trump estiver na presidência, tal como sublinhou a chanceler Merkel no final da cimeira. Aplaudo. Os principais líderes europeus começam a mostrar as suas garras. Veremos até quando!
Regressado aos EUA, Trump não tardou em anunciar que rasgava o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, dando continuidade à reversão de boa parte das políticas ambientais adoptadas pela administração Obama. Mas logo alguns dos seus estados, como Pensilvânia e Nova York, recusaram-se a alinhar nesta tropelia. Para além de ex-presidentes norte-americanos, juntaram-se grandes empresa, tais como, Tesla, Apple, General Electric, Google, Amazon, Twitter, Microsoft, IBM, etc., no coro de críticas ao inquilino da Casa Branca.
A justiça americana também não lhe dá tréguas. O presidente está oficialmente sob investigação na sequência do despedimento do director do FBI, James Comey. Poderá ser acusado de obstrução à Justiça no caso da alegada influência russa nas eleições presidenciais norte-americanas.
Veremos os próximos capítulos, que não auguram nada de bom para Donald… e para o mundo!

sábado, 27 de maio de 2017

Uma opinião que conta


Há cerca de duas semanas, mais precisamente no dia 16 de Maio, numa passagem por Lisboa, o director de Departamento de Educação e Competências da OCDE, Andreas Schleicher, apontava Portugal como um exemplo a seguir, a respeito da consulta pública feita pelo Ministério da Educação (ME) junto de alunos de vários níveis de ensino, em Novembro passado, em Leiria, sobre o novo perfil de competências à saída da escolaridade obrigatória e da flexibilização curricular em preparação. No âmbito do programa Educação 2030 daquela organização, Lisboa serviu, pois, de palco para o lançamento internacional desta iniciativa do ME, que o próprio intitulara de “A voz dos alunos”. O referido programa tem como objectivo, precisamente, conceber novos currículos escolares, por forma a responder a um mundo em permanente mudança e à aquisição de competências tidas como imprescindíveis na formação dos cidadãos do século XXI. Nessa sessão de apresentação voltaram a estar presentes alguns dos alunos que em Leiria fizeram várias propostas ao ministro da Educação, assim como outros de vários países, para debater a mudança dos currículos e da própria escola.
O que importa, então, aqui destacar? Começaria exactamente por uma das observações de Andreas Schleicher, que nos refere o seguinte: “Se os sistemas educativos conseguirem levar em conta as ideias e capacidades dos seus alunos e professores, tal poderá ajudar na construção de uma melhor educação. Por isso o que Portugal está a fazer neste campo é realmente importante” (Público, 16/05/2017).
Por vezes tendemos a menosprezar a opinião dos alunos. Certo é que eles são capazes de nos surpreender com algumas das suas ideias ou propostas. Quem sabe devido à forma pragmática como analisam determinados temas, questões ou contextos. Apesar dos muitos anos de docência que registo, não deixo de ser colhido, ocasionalmente, por tiradas de alguns dos meus alunos, das mais variadas idades. Daquelas que às vezes nos deixam perplexos e nos faz meditar: “Que raio, olha que o dito cujo até tem razão!” Mas alguém que conheça por dentro o sistema de ensino, em particular os professores, poderá subvalorizar uma opinião que conta? Atrever-se-á a considerar desenquadradas ou destemperadas algumas sugestões feitas por alunos, como aquelas que tiveram lugar na referida consulta, em Leiria, que teve como anfitrião o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues? Transcrevo algumas delas, que de certo modo dão conta de uma análise, nada ingénua, que esses jovens portugueses fazem da escola: “mais aulas práticas, mais debates, mais trabalhos de grupo, mais visitas de estudo, possibilidade de no secundário poderem escolher disciplinas em vez de áreas compartimentadas, mais arte, mais cidadania, maior ligação à prática, mais espírito crítico, turmas mais pequenas, professores motivados e que não desistam dos alunos” (Público, 16/05/2017). 
Apesar de louvável a iniciativa do ME em consultar os alunos, ao ponto de ser elogiada e tida como referência pela OCDE, na realidade esta não é caso único. Na Finlândia, uma iniciativa do género está em curso. Foi estabelecido um compromisso com os alunos, para auscultá-los na definição dos currículos.
Em síntese, trata-se de construir uma escola voltada para o futuro, rompendo com conceitos e práticas pedagógicas que são característicos de uma escola do século XIX. Tenhamos presente que os alunos de hoje são diferentes de os de há 15, 20, 30 ou 40 anos atrás. Nem melhores, nem piores. Simplesmente diferentes. E não venham com essa frase feita, tantas vezes pronunciada de forma imponderada, ao estilo vox populi, de que “no meu tempo ou há alguns anos atrás é que eles eram bons!”.
Termino com um apanhado de algumas das observações de Andreas Schleicher, na referida apresentação do programa Educação 2030, que traduzem bem o espírito que deverá presidir na construção de uma escola para o século XXI: “Os professores e as escolas do futuro têm de olhar para fora e colaborar com os outros docentes e com outras escolas (…); o futuro precisa de integração e de ligação com o mundo real” (…); passa por “personalizar as experiências educativas de modo a reforçar a motivação e os talentos dos alunos” (Público, 16/05/2017).

sábado, 29 de abril de 2017

Pontas soltas


Uma série de acontecimentos internacionais destacados pela imprensa não pode deixar tranquilos os mais lúcidos ou menos incautos. Um pouco por toda a parte vão-se registando casos que suscitam inquietação, sobretudo pela inércia ou abordagem deficiente dos mesmos.
Uma letargia parece trespassar na sociedade, em geral, face a um notório recrudescimento de movimentos populistas. A crescente desconfiança ou descrença na classe política e nalguns governos, por parte dos cidadãos, tem conduzido a elevadas taxas de abstenção e/ou dispersão de votos nos actos eleitorais, e bem assim, contribuído para o enfraquecimento da democracia e do Estado de direito. São vários os partidos que se têm servido do populismo para criar um caldo de cultura propenso a todo o tipo de condutas discriminatórias. 
Por cá, na Europa, vemos que os partidos ditos tradicionais, que se têm revezado nos governos de vários países ao longo dos anos, há muito abandonaram a social-democracia, e com ela a defesa do Estado social, para se renderem à cartilha neoliberal, tornando-se reféns dos mercados e da finança. O combate ao desemprego, à corrupção, à fuga aos impostos, aos paraísos fiscais, ao desequilíbrio tácito e táctico de poderes urdidos em Bruxelas, e a luta por uma sociedade solidária, igualitária e inclusiva pouco mais têm passado do que vagas promessas políticas, minando assim a confiança entre eleitores e eleitos.
Embora ainda persistam alguns grupos de cidadãos organizados que tentam fazer valer a sua voz de indignação na rua ou noutro tipo de acções cívicas, são ainda muitos aqueles que não trocam o conforto do lar, privilegiando as redes sociais como espaço de intervenção e (des)informação. E muitas das figuras da elite política sabem (oportunisticamente) como fazer uso delas. Daí a existência de demagogos e “ilusionistas” com poder, como aquele que preside à maior potência do mundo, Donald Trump, que faz do Twitter o seu canal de comunicação oficial. Veja-se, o Brexit deve-se, entre outras inabilidades políticas, como as de David Cameron, à campanha impostora levada a cabo por uma figura chamada Nigel Farage. Felizmente que por outras bandas isso não aconteceu, como na Áustria, ou mais recentemente na Holanda, onde os partidos nacionalistas e xenófobos não chegaram ao poder. Mas desenganem-se aqueles que julgam que o problema entorpecerá. Ele continua aí, alimentado pelo substrato do terrorismo e do medo. Em França esperamos pelo resultado da segunda volta das eleições presidenciais. Mesmo que se confirme o que profetizam as sondagens, ou seja, a eleição de Macron, Marine le Pen já conseguiu uma vitória: o alargamento da implantação regional da extrema-direita.
Na Turquia, Erdogan viu acrescido os seus poderes com a vitória no referendo para alterações à Constituição, ocorrido a 16 de Abril. Fica assim aberto o caminho para reforçar o seu regime autocrático, as purgas e a sua permanência no poder até 2029. É de fazer inveja a algumas monarquias!
Do outro lado do atlântico há a lamentar o que se passa na Venezuela, com outro populista a valer-se de todos os expedientes para controlar a oposição e as manifestações de rua, afundando cada vez mais o país numa crise política, económica e social. No Brasil, os escândalos de corrupção sucedem-se, com o envolvimento de diversos políticos, muitos deles membros do actual governo de Temer.
Numa clara tentativa de rejuvenescimento do imperialismo americano, Donald Trump vai fazendo manifestações de força, testando os seus brinquedos militares. O mais recente foi tão-só a designada “mãe de todas as bombas”. Ironia das ironias chamar de “mãe” a algo tão devastador! Os alarmes soam no sudeste asiático, com outro demente, Kim Jong-un, a exibir o seu arsenal e prosseguindo os testes com mísseis. 
São estas algumas das pontas soltas que têm como protagonistas uma série de “messias”, que vão anunciando a sua boa nova, sempre em nome do povo e dos mais desprotegidos, contra as elites, mas cuja acção se sustenta no nacionalismo, xenofobia, proteccionismo, prepotência, imperialismo, etc.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Que aluno, que cidadão, que sociedade queremos?

Com o despacho nº 9311/2016, de 21 de Julho, o Ministério da Educação (ME) criou um grupo de trabalho, coordenado por Guilherme de Oliveira Martins, a fim de elaborar um documento que viria a designar-se por “Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória”, e que representa a base para a definição das aprendizagens essenciais e flexibilização do currículo. O documento esteve em consulta pública até 13 de Março, abrangendo alunos, professores e diversas entidades, tendo daí resultado vários contributos, especialmente através de pareceres. Mas antes de me debruçar sobre estes, convirá apontar o propósito que nele perpassa.
Um dos atributos que lhe tem sido consignado é o de ser “marcadamente humanista”. Um perfil, como podemos ler no prefácio do documento em questão, que considera “uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais”. Esclarece-se ainda que o propósito não é o de tentar uma uniformização, “mas sim criar um quadro de referência que pressuponha a liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si próprio, a inserção familiar e comunitária e a participação na sociedade que nos rodeia”, com vista a “criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico (…), de formar pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos activos”. De modo a trabalhar para este desiderato, de preparar o aluno para a complexidade do mundo, proporcionando-lhe as condições e meios necessários para desenvolver as competências que lhe permitirá aprender ao longo da vida, o Perfil elenca um conjunto de princípios, valores e competências-chave, que vale a pena consultar no sítio do ME.
O Director do Departamento de Educação e Competências da OCDE, Andreas Schleicher, que acompanhou a equipa que, ao longo de meses, elaborou o “Perfil dos Alunos”, esteve em Portugal na sua apresentação, ocorrida no dia 11 de Fevereiro. Em sintonia com o documento, Schleicher defendeu que o ensino não se pode limitar à mera transmissão do conhecimento académico ou reprodução de matérias, mas sobretudo numa formação integral, assente em valores como a perseverança, resiliência, consciência, ética, coragem e liderança. Como sublinha, “as competências sociais, o pensar de forma diferente e a criatividade são determinantes”. Para tal, recomenda a flexibilização do currículo, no sentido de favorecer o trabalho experimental, interdisciplinar e de projecto.
O ME ainda não fez o balanço da consulta pública do projecto/documento em questão, até porque aguarda por mais pareceres, como o do Conselho Nacional da Educação, e também porque ainda estão em curso sessões de esclarecimento e auscultação com as confederações de pais, associações de directores e outros organismos. No entanto, dos pareceres já tornados públicos, a maioria coincide na conclusão de que a sua aplicação recomenda, naturalmente, ajustamentos em programas, currículos, cargas horárias das disciplinas, calendário escolar, modelo de avaliação, etc., e ainda a libertação dos professores da carga burocrática a que estão sujeitos.
Um precioso contributo chegou das associações de professores que representam a generalidade das disciplinas do ensino básico e secundário, através de uma carta conjunta. Embora não deixando de fazer recomendações, o parecer é globalmente positivo. Logo no primeiro parágrafo, a carta é clara no seu apoio ao projecto do Perfil, quando sublinha que, “se o sentido da educação é preparar os jovens para lidar com os problemas inerentes às sociedades multiculturais e tecnológicas (…), deve dotá-los, por um lado, de um domínio acrescido de competências emocionais, sociais, interculturais e de gestão da informação e, por outro, de maior capacidade de adaptação e de flexibilidade para solucionar problemas mobilizando conhecimentos, ferramentas e aplicações que se multiplicam em permanente evolução”. Entre outras questões, destacam o papel e a importância de todas as áreas disciplinares no incremento dos valores e competências assinalados no Perfil, e o trabalho interdisciplinar.
Na passada quarta-feira, dia 23, durante uma sessão de esclarecimento para jornalistas, o ministro da Educação garantiu que a gestão flexível do currículo, ou como prefere chamar, a “flexibilização pedagógica”, irá avançar no próximo ano lectivo nalgumas escolas, através de um projecto-piloto, abrangendo apenas os 1º, 5º, 7º e 10º anos.
Mas para que o documento do Perfil não passe de uma carta de boas intenções, urge resolver um outro problema que encalha todo o processo. Trata-se do actual modelo de gestão escolar. Fica bem evocar o interesse dos alunos, mas depois, e na prática, verifica-se que nem tudo concorre para esse fim. 
De modo genérico, o documento do Perfil eleva a necessidade da Escola contribuir para formar cidadãos críticos, responsáveis, autónomos, interventivos, recomendando ao mesmo tempo uma pedagogia participativa e democrática. Ironicamente, tudo isto num espaço que funciona em sentido contrário! Hoje temos nas escolas um órgão unipessoal, na figura do director, escolhido por um pequeno grupo de intervenientes/interesses, em detrimento da eleição pela comunidade escolar. Ora esta forma de governo presta-se a todo o tipo de arbitrariedades. O actual modelo de gestão pouco tem de democrático. O Conselho Pedagógico foi desvalorizado. Na prática deixou de ser consultivo para passar a ser “auditivo”, esvaziado de competências de decisão. Os seus membros praticamente não são tidos nem achados, como aliás acontece com a generalidade dos professores. Tudo isto afecta indiscutivelmente a motivação e entrega destes profissionais, que é condição sine qua non para qualquer reforma educativa que se queira pôr em prática. 

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Os meandros da indisciplina


Há cerca de três semanas foi tornado público um estudo sobre indisciplina nas nossas escolas, que dá pelo título, "2º Estudo Sobre Indisciplina em Portugal com Dados da Escola (2014-2916)". A pesquisa, da autoria de Alexandre Henriques, incidiu sobre 47 Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas públicas, que forneceram os dados necessários, com base num conjunto de medidas disciplinares aplicadas pelas mesmas, de acordo com a Lei n.º51/2012, de 5 de Setembro, mais conhecida por Estatuto do Aluno. Para um conhecimento mais detalhado do estudo bastará aceder ao blogue do seu autor: ComRegras. Por isso, focarei apenas alguns aspectos que considero mais pertinentes.
Embora merecendo o estudo todo o meu respeito e apreço, importa deixar claro que qualquer generalização abusiva (algo muito caro à imprensa tablóide, a alguns comentadores incendiários, que confrangem pela sua ignorância gritante, e ao senso comum) poderá induzir em erro o mais comum dos mortais, e até mesmo alguns docentes ou outros membros da comunidade educativa. Desde logo, e como o próprio autor sublinha, das 47 escolas, 15 não apresentaram dados referentes aos dois anos lectivos em análise (2014/2015 – 2015/2016).
Para além do próprio crescimento da indisciplina nos últimos anos, Alexandre Henriques alerta para a forma descuidada como se está a lidar com esta problemática e para os riscos do seu agravamento. E aqui, acrescento, ninguém está isento de responsabilidades, sejam governos, sociedade, pais e encarregados de educação, direcções de escolas, professores ou funcionários. O mea-culpa tem de ser assumido, por muito que isso fira o orgulho ou perturbe a jactância de alguns.
Dada a extensa lista de propostas para reduzir os índices de indisciplina apresentadas por Alexandre Henriques, destacaria apenas as seguintes: a formação/orientação dos directores escolares; a desburocratização do estatuto do aluno; a inclusão na formação de base de futuros docentes de uma componente teórico-prática de gestão/mediação de conflitos, uma formação extensível ao corpo docente e não docente em exercício; simplificar os percursos alternativos, dando-lhes uma forte componente prática, reduzindo a sua carga lectiva e apostando na formação cívica dos alunos; responsabilizar de forma efectiva os encarregados de educação que não cumpram com as suas obrigações, nomeadamente quando não comparecem à escola. Sobre esta última questão, os dirigentes da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, respectivamente, Ramos Pereira e Filinto Lima, são unânimes na denúncia do desapego de muitos dos principais responsáveis pela educação do aluno, entenda-se, os pais. Uma realidade que naturalmente os docentes, como eu, conhecem a fundo.
Outra questão de enorme relevância, também abordada pelos referidos dirigentes, e que justifica em parte a questão da indisciplina, prende-se com o muito de negativo que se passa na sociedade, onde, lembremos, estão inseridas as escolas. Na verdade essa está pejada de maus exemplos, de quem é desonesto, de quem foge à responsabilidade, de corrupção, de vandalismo, crimes, etc. Esses maus exemplos, por vezes vindos das famílias, de políticos ou governantes, ao não serem denunciados e combatidos exemplarmente, levantam sérias questões de ética. Certamente que os jovens se sentirão legitimados para os reproduzir! São, por isso, potenciadores de indisciplina em meio escolar.
Outras situações que não abonam a favor do combate à indisciplina são: a constituição dos mega agrupamentos; a extensão do currículo e o elevado número de disciplinas; o uso de métodos de ensino e modelos de aprendizagem ultrapassados; a resistência ao uso das novas tecnologias nas salas de aula; as matérias desinteressantes; a falta de recursos (materiais e humanos); a fraca participação dos alunos na discussão e criação de documentos estruturantes da escola (Projecto Educativo, Regulamento Interno, Plano Anual de Actividades, etc…), e também a desvalorização da profissão docente. Sobre esta, importa salientar que a motivação dos professores, imprescindível ao bom funcionamento do processo de ensino-aprendizagem, está fortemente afectada pela legítima falta de perspectivas de valorização das suas carreiras profissionais por parte da tutela. Lembro que há vários anos que a sua progressão se encontra congelada. Como se não bastasse, os professores ainda têm que lidar com uma sobrecarga de tarefas administrativas impostas pelas direcções de escolas. Nalgumas delas tal é feito de forma cirúrgica e discricionária, ou seja, recaindo o “fardo” sempre sobre os mesmos, enquanto outros gozam de um descanso ad eternum
Por último, o locus onde os casos de indisciplina são mais frequentes: a sala de aula. Aqui há algo que é sagrado: os alunos interessados não podem ser prejudicados pelos que não estão. Face à perturbação na aula, o professor deve ser o garante da estabilidade. A sensação de indisciplina parte muitas vezes das pessoas mais débeis, professores mais sensíveis. E estes merecem um respeito que deve vir logo trabalhado de fora, pelas famílias. O sistema está feito para perdoar, para retirar o estímulo ao castigo. Mas isso, e a nível de escola, pode ser acelerado através de uma resposta, melhor dizendo, punição célere e justa. E essa justiça acaba, mais cedo ou mais tarde, por ser compreendida e aceite pelo aluno, porque acabará por perceber que ela representa um combate à arbitrariedade, seja na escola ou na sociedade. Caso contrário a impunidade é um benefício para os infractores. Por isso, direcções escolares, funcionários e até alguns docentes não podem eximir-se das suas responsabilidades.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Por uma literacia mediática em prol da democracia


Há duas semanas teve lugar no cinema São Jorge, em Lisboa, o 4.º Congresso dos Jornalistas, subordinado ao tema "Afirmar o Jornalismo". Durante quatro dias, profissionais da comunicação social discutiram uma série de questões e problemas que afectam a sua profissão e ameaçam a liberdade de imprensa e o jornalismo credível.
De um lado, na óptica empresarial, os presidentes de grupos de comunicação social (Impresa, Global Media e Media Capital) defenderam a necessidade de haver empresas de média sustentáveis para haver jornalismo de qualidade em Portugal, advogando, para tal, a necessidade de capital e redução de custos. Do outro, os jornalistas denunciaram a elevada percentagem de vínculos precários, salários em geral baixos, redacções depauperadas e o risco de encerramento de vários órgãos de informação.
Uma questão transversal ao congresso foi a concorrência das redes sociais, acusadas de trazer graves desequilíbrios na prestação de informação fidedigna. Hoje, sabemos, pululam na Internet muitos pseudojornalistas. Gente que, como dizia Francisco Seixas da Costa num artigo publicado no JN (13/01/2017), lança “notícias” sem escrutínio dos factos, frequentemente embrulhados em opiniões de qualidade duvidosa. Mas o mais grave é que temos profissionais (?) da comunicação a ir a reboque desses internautas. É precisamente o que sublinha Seixas da Costa, quando refere que a comunicação social, “em lugar de se distanciar, de reforçar o seu papel de referente da verdade, da precisão e do rigor, deixou-se embalar por essa moda”. Acrescenta ainda que a defesa de “um jornalismo que se pretenda de qualidade passa pela total autonomização face às redes sociais, resistindo ao imediatismo destas, praticando por sistema o "fact-checking", confrontando fontes e ouvindo partes.” Este será, sem dúvida, e como alerta Pacheco Pereira, o caminho a tomar para combater determinado “tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação”. Como o mesmo acrescenta, “não é por acaso que o grande reservatório do populismo político e social nas sociedades ocidentais são as redes sociais, que, não sendo a causa do populismo, são um seu grande factor de crescimento e consolidação” (Público, 31/12/2016). Temos, por exemplo, o caso das recentes eleições americanas, onde a indústria das notícias falsas assumiu proporções desmesuradas. Onde o candidato vencedor serviu-se (como continua a servir-se) das redes sociais, esse palco de espectáculo de variedades, para forjar as suas verdades, iludindo assim os eleitores menos precavidos de sentido crítico. Falo de um cenário em que os boatos ou afirmações improcedentes causam, como sublinha Pacheco Pereira, efeitos devastadores no debate público. E por consequência, acrescento, fazem perigar a própria democracia. 
Sobre esta questão, das redes sociais, na realidade, face ao dilúvio de boatos, mentiras e desinformação, imperativo se torna o exigente exercício de distinguir o verdadeiro do falso. Aliás, não será certamente por acaso que na resolução final do referido congresso de jornalistas apela-se à urgente promoção de uma “literacia mediática”, a começar na educação pré-universitária e junto da população em geral. Aprender a ser crítico e interventivo face aos média, como em tantas outras questões, constitui uma dimensão capital da formação dos cidadãos, desde os mais jovens aos mais velhos. Esta é, sem dúvida, uma exigente mas necessária empreitada. Mas tal não vai lá com paliativos avulsos. Em contexto educativo não pode, como é recorrente, ser única e simplesmente uma responsabilidade dos Directores de Turma, que se materializa normalmente nas aulas de Educação para a Cidadania. Uma educação para os média deverá ser transversal a todas as disciplinas. Mas para tal, há que romper com o acantonamento que habitualmente as resguarda. A aprendizagem e domínio de uma literacia informativa e mediática, como garante e revigoramento da democracia, é uma responsabilidade de todos.