terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Sobre democracia

O facto de hoje em dia ser maior o número de portugueses que chegam ao ensino superior tem levado a anunciar-se que estamos perante aquilo que se diz ser a geração mais preparada de sempre. Isto tem sido repetido incansavelmente pela opinião pública e publicada.
Num artigo publicado no jornal Público, a 5 de Novembro passado, Pacheco Pereira põe em causa esta apreciação. O historiador e comentador político sublinha que tal juízo desvaloriza uma análise que deveria ser mais abrangente e profunda. Entende o mesmo que a actual geração não tem dado sinais de estar preparada para dar resposta à crise da democracia, por se notar “uma crescente degradação dos factores culturais e de mundivisão”, que implica saber como proceder perante a conflitualidade e desestruturação social a que vamos assistindo. Para tal, Pacheco Pereira defende que contrariar este rumo “implica educação, saber, vontade de saber, ler, ouvir e ver com olhos de ver, procurar informação, reconhecer desinformação, falar com voz alta quando é preciso, e ser prudente na fala quando é preciso, reconhecer o valor da privacidade, não ir em ondas mediáticas e da moda (…).” Ora isto representa exactamente o oposto daquilo que revelou o mais recente e lamentável episódio registado em Brasília, protagonizado por uma turba de imbecis e delinquentes, que decidiram atacar o coração do poder político brasileiro. Para além de preocupante, foi confrangedor assistir àquela invasão bárbara, àquele protesto grotesco de milhares de fanáticos.
Há muito que as campainhas soaram. Se por um lado estes casos de insurreição, já verificados noutras latitudes (quem não se lembra do assalto ao Capitólio, em Janeiro de 2021?), merece um profunda reflexão e uma acção pensada e estruturada para tentar atacar o mal pela raiz, por outro não pode haver complacência para acções que ponham em causa o Estado de direito. Como dizia Manuel Carvalho, no editorial do Público de 10 de Janeiro, “A inteligência nem sempre demove os imbecis”, isto a propósito da dificuldade em usar da razão para confrontar estes actos de puro atentado à democracia, algo que, como o próprio diz, “escapa às nossas categorias de entendimento”, e que carece de uma acção mais musculada.
Numa acção preventiva, diga-se nada fácil, o primeiro passo passará por agir sobre a desinformação e as fake news que campeiam nas redes sociais, e mesmo nalguma imprensa escrita, sobretudo a de facção. Torna-se imperativo não dar tréguas a uma estratégia que visa confundir as pessoas, o senso comum, frequentemente concebida por alguns charlatães que pretendem tirar proveitos políticos, partidários ou mesmo económicos, e que põem em casa os pilares do Estado de direito e da própria democracia. A informação, como diz Pacheco Pereira, “é substituída pelo consumo do ‘engraçadismo’, pelo desprezo pela privacidade, pela raiva, pela calúnia, pelo comportamento em matilha, pelo julgamento imediato, pelo desprezo pelo outro (…).”
A democracia defende-se praticando-a todos os dias e em vários contextos. Faz-se acompanhando o desenvolvimento cognitivo, ou seja, desde a infância, através de uma educação para os valores e para a cidadania. Faz-se na escola, em casa e no espaço público por diferentes intervenientes com responsabilidades educativas e sociais.
Defender a democracia passa por INFORMAR, no sentido lato do termo. E informar significa ou implica, como poderemos encontrar em qualquer dicionário ou enciclopédia, esclarecer, avisar, instruir, fundamentar, indagar, documentar-se, entre outros. É disto que se trata.