sábado, 28 de janeiro de 2017

Por uma literacia mediática em prol da democracia


Há duas semanas teve lugar no cinema São Jorge, em Lisboa, o 4.º Congresso dos Jornalistas, subordinado ao tema "Afirmar o Jornalismo". Durante quatro dias, profissionais da comunicação social discutiram uma série de questões e problemas que afectam a sua profissão e ameaçam a liberdade de imprensa e o jornalismo credível.
De um lado, na óptica empresarial, os presidentes de grupos de comunicação social (Impresa, Global Media e Media Capital) defenderam a necessidade de haver empresas de média sustentáveis para haver jornalismo de qualidade em Portugal, advogando, para tal, a necessidade de capital e redução de custos. Do outro, os jornalistas denunciaram a elevada percentagem de vínculos precários, salários em geral baixos, redacções depauperadas e o risco de encerramento de vários órgãos de informação.
Uma questão transversal ao congresso foi a concorrência das redes sociais, acusadas de trazer graves desequilíbrios na prestação de informação fidedigna. Hoje, sabemos, pululam na Internet muitos pseudojornalistas. Gente que, como dizia Francisco Seixas da Costa num artigo publicado no JN (13/01/2017), lança “notícias” sem escrutínio dos factos, frequentemente embrulhados em opiniões de qualidade duvidosa. Mas o mais grave é que temos profissionais (?) da comunicação a ir a reboque desses internautas. É precisamente o que sublinha Seixas da Costa, quando refere que a comunicação social, “em lugar de se distanciar, de reforçar o seu papel de referente da verdade, da precisão e do rigor, deixou-se embalar por essa moda”. Acrescenta ainda que a defesa de “um jornalismo que se pretenda de qualidade passa pela total autonomização face às redes sociais, resistindo ao imediatismo destas, praticando por sistema o "fact-checking", confrontando fontes e ouvindo partes.” Este será, sem dúvida, e como alerta Pacheco Pereira, o caminho a tomar para combater determinado “tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação”. Como o mesmo acrescenta, “não é por acaso que o grande reservatório do populismo político e social nas sociedades ocidentais são as redes sociais, que, não sendo a causa do populismo, são um seu grande factor de crescimento e consolidação” (Público, 31/12/2016). Temos, por exemplo, o caso das recentes eleições americanas, onde a indústria das notícias falsas assumiu proporções desmesuradas. Onde o candidato vencedor serviu-se (como continua a servir-se) das redes sociais, esse palco de espectáculo de variedades, para forjar as suas verdades, iludindo assim os eleitores menos precavidos de sentido crítico. Falo de um cenário em que os boatos ou afirmações improcedentes causam, como sublinha Pacheco Pereira, efeitos devastadores no debate público. E por consequência, acrescento, fazem perigar a própria democracia. 
Sobre esta questão, das redes sociais, na realidade, face ao dilúvio de boatos, mentiras e desinformação, imperativo se torna o exigente exercício de distinguir o verdadeiro do falso. Aliás, não será certamente por acaso que na resolução final do referido congresso de jornalistas apela-se à urgente promoção de uma “literacia mediática”, a começar na educação pré-universitária e junto da população em geral. Aprender a ser crítico e interventivo face aos média, como em tantas outras questões, constitui uma dimensão capital da formação dos cidadãos, desde os mais jovens aos mais velhos. Esta é, sem dúvida, uma exigente mas necessária empreitada. Mas tal não vai lá com paliativos avulsos. Em contexto educativo não pode, como é recorrente, ser única e simplesmente uma responsabilidade dos Directores de Turma, que se materializa normalmente nas aulas de Educação para a Cidadania. Uma educação para os média deverá ser transversal a todas as disciplinas. Mas para tal, há que romper com o acantonamento que habitualmente as resguarda. A aprendizagem e domínio de uma literacia informativa e mediática, como garante e revigoramento da democracia, é uma responsabilidade de todos.