terça-feira, 22 de março de 2016

Uma Europa “à la carte”


A crise dos refugiados é por demais reveladora do preocupante caminho que a União Europeia tem vindo a tomar de há alguns anos para cá. As imagens sobre esse drama humano, que nos entram pela casa a dentro através da televisão, são bem ilustrativas, por uma lado, do sofrimento atroz que assoma esses seres, sem perspectivas de vida, e por outro, da incapacidade de gerar consensos entre vários países europeus para a resolução deste grave problema, cuja dimensão ainda está por calcular, ignorando-se as leis internacionais de acolhimentos de refugiados.
Para além do cemitério em que se tornou o Mediterrâneo, não podemos ficar indiferentes à agonia que transborda das vozes e dos olhares dessas populações migratórias. E muito menos do choro das crianças, essas sim, as mais vulneráveis. O Inverno veio agravar ainda mais as condições desta “transumância”. Apesar da frieza da expressão, não deixa de ser manifesto que é deste modo que algumas pessoas, povos ou Estados olham para estes desterrados.
Os sucessivos apelos das Nações Unidas, de ONG, de alguns países, em especial da Alemanha, entre outras entidades, não têm surtido grande efeito. Temos, sim, assistido a oportunismos despudorados por parte de alguns Estados, como o caso da Turquia, que utiliza os refugiados como moeda de troca para obter proveitos próprios, entre outros, dinheiro e o aceleramento do processo de adesão à UE. Falamos de um país que, pela mão do seu governo, segue violando, e em crescendo, os mais elementares direitos e liberdades cívicas do seu próprio povo. 
Do outro lado temos a Inglaterra e a ameaça do “Brexit”, que inclui no pacote de exigências (que não são permitidas a outros Estados da EU!) “contas de reduzir” com os refugiados. Fecham-se fronteiras, levantam-se cercas, criam-se leis para o confisco dos míseros bens transportados pelos refugiados e para dificultar a reunificação de famílias, tal como sucedeu na Dinamarca. Sucedem-se movimentos xenófobos aqui e ali, alguns terminando em ataques sobre aqueles infelizes. Campos de acolhimento sem o mínimo de condições sanitárias. Expulsam-se famílias inteiras, como se viu na Macedónia. Desaparecem crianças órfãs, suspeitando-se do envolvimento de redes de tráfico de seres humanos.
Entretanto, o primado da União Europeia continua a ser as políticas de austeridade. A crise das dívidas soberanas, o sistema financeiro, os mercados, o famoso Tratado Orçamental, etc., são os assuntos prioritários da agenda política. Veja-se, entre nós, e comparemos só a título de exemplo, o tratamento jornalístico que é dado ao drama dos refugiados, com aquele que é dado à economia do(s) Estado(s) e da União Europeia. Números mais do que pessoas. Sim, porque o que se tem visto é a Economia, uma ciência social (!), ao serviço de grandes grupos de interesse e de uma agenda ideológica ultraliberal. Para isso, conta com a preciosa e devota ajuda de uma plêiade de analistas sofistas, de piquete nos mais variados órgãos de comunicação social. Alguns deles podemos facilmente encontrá-los em administrações de grandes grupos económicos ou bancos, em partidos políticos que defendem a cartilha atrás referida, ou ainda no exercício de cargos em entidades como o FMI ou o BCE, depois de um tirocínio em governos nacionais!
A juntar ao caldeirão, temos a ascensão de partidos nacionalistas, xenófobos e da extrema-direita, que paulatinamente vão ganhando espaço na cena política, como o demonstram as conquistas eleitorais para parlamentos regionais e nacionais, que se vão registando nalguns países europeus. Chegados ao poder, logo se apressam não só a limitar liberdades cívicas e de expressão dos seus próprios cidadãos, como a criar leis anti-emigração, como o caso da Hungria.

Parece que assistimos a um período da História que nos é familiar e não muito distante: o renascer do espectro dos nacionalismos… E enquanto a lançadeira vai e vem neste tear político, o problema dos refugiados vai assumindo contornos de tragédia humana. E assim vai esta Europa “à la carte”!