segunda-feira, 20 de abril de 2020

O tempo em tempo de confinamento


“A leitura é a mais nobre das distracções”


Marcel Proust


As notícias que têm polvilhado ad nauseam os noticiários televisivos e a imprensa escrita, providos de uma falange de comentadores, têm sido, grosso modo, acerca das estatísticas da COVID -19 (infectados, mortos e recuperados), do seu impacto económico e social nos países afectados, do ansiado regresso a uma normalidade incógnita, e da contenda no seio da União Europeia entre norte e sul, a respeito dos impreteríveis apoios financeiros para acudir aos danos provocados pela pandemia. Num segundo nível seguem-se as notícias, mais ou menos especializadas, sobre as consequências do isolamento social nas pessoas confinadas, especialmente ao nível da saúde mental. Chegados aqui, chamou-me a atenção as formas encontradas por muita gente para ocupar o tempo em tempo de confinamento.
Não sendo eu um usuário das redes sociais, simplesmente porque não estou inscrito em qualquer uma delas, o que vou sabendo acerca destas formas de ‘socialização’ virtual é apreendido através do que vou vendo na televisão ou Internet. É impressionante a forma criativa como algumas almas ocupam o seu tempo! Assistimos a residências transformadas em ginásios, palcos, passarelas, circos, tribunas, etc., onde ainda se revelam dotes de culinária e outras lides domésticas, boa parte destas, acredito eu, por quem nunca lhes deu a devida atenção. Se nalguns casos até reconheço imaginação por parte dos protagonistas, noutros apenas sobressai o ridículo. Para muitos, tudo parece contar para uns momentos de celebridade!
Num país que continua a revelar défices preocupantes ao nível da leitura e da literacia, surpreende (e não!) que parte desse tempo, para quem dispõe dele obviamente, não seja utilizado para mergulhar nas páginas de um livro. Quem diz um livro, diz uma revista ou um jornal, seja em suporte de papel ou digital.
Ler é viajar e, deste modo, conhecer outras geografias, outros lugares, outros povos, outras culturas, outros costumes. É conectarmo-nos com o autor e/ou as personagens de um livro. É um exercício de autoconhecimento, de descoberta de outras realidades ou perspectivas diferentes das nossas. Dizia Fernando Pessoa, “Ler é sonhar pela mão de outrem”. É um lugar onde nos reencontramos e nos podemos redefinir. Ler é informarmo-nos, rebatendo assim a manipulação que decorre da desinformação que grassa nalguns órgãos de comunicação social, mas particularmente em fóruns e nas redes sociais. É também prepararmo-nos melhor para o exercício da cidadania. É isto e muito mais.
Dou o exemplo da leitura, como poderia dar outros, também eles passíveis de se darem dentro de portas, recorrendo à televisão ou Internet, nomeadamente, o chamado cinema em casa, as visitas virtuais a museus, concertos, artes plásticas, etc. Tantas são as formas de ocupar o tempo de forma inteligente, culta, informada e agradável. Basta para tal, vontade!