sábado, 25 de janeiro de 2020

Que Deus nos preserve dos sãos!

Assim exclamava Michael Palin, do grupo de comediantes britânicos Monty Phyton, numa entrevista dada à RTP em Dezembro de 2017. Dizia-o a propósito da importância do humor, e bem entendido da sátira, na análise sobre a variedade de temas políticos e sociais sobre os quais podemos reflectir e escarnecer. Asseverava que “rir tão-só do absurdo geral do mundo é muito importante”. O humorista assentia que esta era uma forma de manter a sanidade, e que, aliás, nunca fora tão são, precisamente por considerar que se encontrava do lado errado da sanidade, seguro de ser um sítio bom para se estar! 
Creio que por vezes, ou até numa boa parte delas, deveríamos recorrer a este estilo nonsense para melhor desmontar o que se passa em nosso redor, seja a nível global, seja a um nível mais próximo das nossas vivências. Visto bem, muito do que recorrentemente se designa ou se supõe de “normal” é, quantas vezes, feito de inúmeras anormalidades ou incoerências, e por isso propício à chacota. Que muitos dos que são tidos ou se apresentam como “sãos” personificam eles próprios a insanidade. Veja-se, aquele que mais popularizou a expressão faknews é, tão-só, o que mais tem contribuído para o seu fabrico e disseminação, fielmente seguido por outras “cópias”. Mas não é sobre Trump, nem os seus admiradores que pretendo falar. O próprio Michael Palin reconhece ter dificuldades em entender esse jogral, e que o humor não consegue ajudá-lo. Talvez por estarmos perante uma figura imprevisível. Convirá, sim, reflectir sobre a facilidade com que hoje, mais do que nunca, se manipula a realidade, se oculta a verdade, se deturpa o sentido das coisas, seja por motivos ignóbeis, seja com o propósito de obter proveito próprio ou simplesmente para manter um status quo que convém aos detentores do poder, ao mesmo tempo que assistimos à letargia que perpassa em muitas sociedades perante este fenómeno tão real. 
A contribuir para esta situação estarão naturalmente, entre outros, os conteúdos que circulam sem filtragem nas redes sociais, o lixo televisivo (qual circo romano!), a imprensa sensacionalista e a política de casos. Em qualquer das situações, o mais comum dos mortais parece mais preocupado com o folhetim que possa despontar dos casos explorados e menos com a veracidade dos factos. Uma educação cívica, com particular incidência na educação para os media, ganha aqui elevada importância, sendo determinante para desenvolver competências de leitura, análise e reflexão sobre esse mediatismo que faz parte, para bem ou para mal, das nossas vidas. É então aqui que volto à importância do humor que, quando criativo (logo, inteligente), consegue por vezes ser mais lúcido, desconcertante (sobretudo para com os “prevaricadores”) e eficaz, no momento das cogitações que façamos sobre muito do que acontece em nosso redor. 
Ainda que por vezes transgressor da dita “boa moral” ou “bons costumes”, só mesmo o humor para pôr a nu muito do ridículo, da leviandade e do artifício de muitos discursos (com ou sem mensagens subliminares), actos ou deliberações tomados por certos “sãos”, como alguns decisores políticos ou quaisquer outros agentes ou personagens que possam influenciar as nossas vidas. O mesmo se poderá dizer da gigantesca máquina burocrática do Estado, tantas vezes bem ilustrada por diversos cartoons. Só para dar um exemplo elucidativo, que por motivos profissionais me é bastante familiar, hoje a administração e gestão das escolas está subjugada a uma panóplia de procedimentos, orientações e papelada que representa um terreno fértil para zombar ou, como dizia Michael Palin, “rir do absurdo”. 
Aqui chegados, só poderia estar de acordo que só mesmo o humor nos poderá ajudar para que não percamos a sanidade. Eu, por mim, e na esteira de Michael Palin, prefiro manter-me no lado errado dela!