terça-feira, 28 de setembro de 2021

Regionalização (in)adiável

Há pelo menos três décadas que se discute o tema da regionalização. Prevista na Constituição desde de 1976, esta reforma tem sido sucessivamente adiada por sucessivos governos. Em 1991, durante o governo de Cavaco Silva, era aprovada a Lei-quadro das Regiões Administrativas (Lei nº 56/91, de 21 de Agosto), que abria portas ao processo, com a definição dos órgãos de poder a criar em cada região (Juntas Regionais e Assembleias Regionais), das respectivas competências e atribuições, da forma como as regiões iriam ser instituídas, e do regime eleitoral das futuras regiões, ficando apenas por definir o seu número e a sua delimitação. A partir de meados da década de 1990 a discussão em torno da regionalização intensificou-se. E é em 1997, aquando da revisão constitucional desse ano, que ficou definido que a criação das regiões em Portugal teria de passar, obrigatoriamente, por um referendo. Nesse mesmo ano são apresentadas duas propostas (mapas de regiões), uma do PS e outra do PCP e PEV, que acabariam por chegar a um entendimento, depois de cedências de ambas as partes. Da proposta conjunta resultaria a Lei da Criação das Regiões Administrativas (Lei 19/98, de 28 de Agosto). Do outro lado, PSD e CDS não apresentaram qualquer proposta, partidos que se bateram contra a regionalização, não fossem os seus respectivos líderes de então, Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas, assumidos anti-regionalistas, mesmo contra a opinião de destacadas figuras dos seus partidos, em particular do PSD. A data escolhida para a consulta popular foi o dia 8 de Novembro de 2008. Até lá cerraram-se fileiras entre aqueles que eram a favor e os que eram contra a regionalização. A campanha para o referendo ficou marcada, entre outras diligências, por muita desinformação e jogadas de bastidores. Venceria o “Não”, com 60%, contra os 34% do “Sim”. Com os “soluços” dos governos que se seguiram e os bloqueios dos partidos do chamado arco de governação (PS, PSD e CDS), certo é que a regionalização mantem-se, ainda hoje, um projecto adiado.
De momento, a questão que se tem discutido, com alguma frequência, é da descentralização. Inscrita no programa do executivo de António Costa, o processo tem sofrido atrasos sucessivos, levando os autarcas a manifestações de descontentamento. Entre outros quesitos, reclamam os “envelopes” (€) que não chegam para suportar os custos das novas competências. O executivo previa aprovar até Junho de 2021 as novas competências a descentralizar para as entidades intermunicipais, municípios e freguesias no ciclo autárquico 2021-2025, mas ainda nem sequer a primeira fase da transferência de funções foi fechada, sabendo-se que se irá prolongar-se até 2022.
No recente congresso do partido socialista António Costa reintroduziu a regionalização na agenda, apontando para a próxima legislatura uma discussão sobre o tema. Na moção ali apresentada, o secretário-geral do PS comprometeu-se a “proceder à avaliação, no final de 2024, do impacto das transformações relacionadas com os processos de descentralização autárquica”, para então, e depois de feito um balanço, “promover um debate público nacional alargado sobre concretização da regionalização nos termos da Constituição”. O mesmo repetiria, dias depois, numa entrevista à TVi (a 6 de Setembro).
Portanto, antes de 2025 seguramente que não haverá regionalização. Até lá continuaremos a viver num país inclinado para o litoral, com o ralo situado na capital, enquanto o interior definha a olhos vistos. É caso para lembrar palavras sábias e tão actuais de Eça de Queirós: “A centralização, pois, chamando toda a vida política do país ao centro, à capital, à cabeça da Nação, cria, por assim dizer, um estado pletórico e apopléctico, em que é o centro que tem todo o sangue, todo o vigor, e as extremidades, onde não chega a circulação necessária para que elas se conservem num calor benéfico e saudável, arrefecem, e, em breve, definham, ficando como organismos mortos (…)” (da obra “O conde d´Abranhos”).