sábado, 31 de outubro de 2009

Educar para os Direitos Humanos

No contexto europeu, a promoção da educação para os direitos humanos, na escola, teve início no ano de 1978, depois do Comité de Ministros do Conselho da Europa ter adoptado a Resolução (78)41 sobre «O ensino sobre os direitos humanos», na sequência de um colóquio internacional acerca desse ensino, realizado em Estrasburgo, em 1976, na sede do Conselho (Cf. Monteiro, 2001: 231). Nesta Resolução, o Comité de Ministros deixava recomendações aos Estados-membros para que privilegiassem o ensino de direitos do homem nos programas de ensino e formação, inicial e contínua, a todos os níveis (Cf. Monteiro, 2001: 231-232). Desde este momento, muito se tem dito e escrito sobre educação para os direitos humanos, entretanto com algumas críticas à mistura.
Nogueira & Silva (2001: 83) sublinham que não é suficiente “a mera defesa dos direitos humanos, como tem vindo a ser entendida, para se construir uma ideia de sociedade que continue a garantir a protecção social assumida, desde há algumas décadas, pelo Estado social”. Para José Soares (2003: 8), os direitos humanos e fundamentais “têm surgido de fora para dentro, de cima para baixo, dificilmente interiorizados ao nível individual, procurando desempenhar um papel inclusivo, aglutinador, fundamental à dimensão democrática”. O próprio direito à educação, consagrado no Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda não é uma realidade efectiva nalguns países. Privados deste direito, muitas crianças, jovens e adultos estão impossibilitados de exercer os seus direitos e deveres para com a comunidade e, desde logo, do pleno exercício da cidadania. Acontece ainda que “o direito à educação depende da vigência de outros direitos e que a educação é um requisito para o advento de um mundo mais livre e igualitário, como refere a Declaração Universal” (Martins, 2003: 78).
Com base nestas considerações, torna-se imperioso a implementação de um conjunto de práticas conducentes à interiorização, por parte do sujeito, do valor da dignidade humana e da importância do exercício dos direitos humanos, a par das responsabilidades que cada um deverá assumir para assegurá-los.
A abordagem dos direitos humanos constitui não apenas um ponto de referência, mas também um ponto de partida para um processo que vise a construção de uma cidadania mundial. António Fonseca (2001: 42) admite precisamente que “o valor fundamental da educação para a cidadania democrática reside no respeito pelos direitos humanos”. À escola cabe-lhe a tarefa de criar um ambiente de liberdade, uma cultura democrática, para que se desenvolva uma interdisciplinaridade entre direitos e valores humanos. Tal como defende Santiago Torrado (1998), todos os direitos humanos constituem o núcleo da educação democrática.
Os direitos humanos devem, sobretudo, ser vividos pelos próprios alunos. A escola deve, no seu dia-a-dia, fazer com que esses direitos sejam respeitados, um compromisso que, obviamente, deverá ser partilhado com a família e a comunidade. Da actividade pedagógica que decorre de uma educação para os direitos humanos resultarão, naturalmente, alguns efeitos desejados na formação dos alunos. Fernando Gil admite que o ensino dos direitos humanos poderá suscitar, em particular, dois efeitos: por um lado, a aprendizagem e a compreensão do “valor de cada ser humano”; por outro, “a necessidade de adoptar um compromisso humanizador nos nossos actos” (Gil, 1999: 74). Estamos de acordo com este autor quando sublinha a importância da convivência escolar e dos acontecimentos nela subjacentes, e o quão poderão contribuir para ajudar os alunos a compreender o valor do ser humano numa variedade de circunstâncias. O mesmo refere ainda que:

“A necessidade de servir-se de situações imprevistas surgiria ao reparar que a correcta compreensão dos direitos humanos não radica numa fundamentação ou explicação racional dos mesmos, mas sim em descobrir através da convivência que todos temos umas aspirações comuns de humanização” (Gil, 1999: 75).

A juntar aos efeitos educativos resultantes do ensino dos direitos humanos, e aos aspectos em que deverão incidir[1], Fernando Gil apresenta um conjunto de propostas de acções educativas, com o objectivo de desenvolver uma formação em direitos humanos nos diferentes níveis de ensino, desde a educação infantil ao ensino superior.[2]
Em Dezembro de 2004, a ONU comemorou o Dia Internacional dos Direitos Humanos, assinalando o fim da Década das Nações Unidas para a Educação no Domínio dos Direitos Humanos (1995-2004). Para que se desse uma sequência ao trabalho que se tem vindo a desenvolver neste capítulo, aproveitou-se o momento para lançar o Programa Mundial sobre a Educação no Domínio dos Direitos Humanos. A primeira fase, a decorrida entre 2005 e 2007, foi dedicada à educação no domínio dos Direitos Humanos na educação básica e secundária. A comunicação do então secretário-geral das nações Unidas, Kofi Annan, apontou claramente para a necessidade de o mundo imprimir mais esforços para informar as novas gerações sobre os seus direitos, de modo a que todas as pessoas, sem excepções, aprendam a respeitar a dignidade dos outros e a garantir esse respeito em todas as sociedades:

“O Dia Internacional dos Direitos Humanos recorda-nos, todos os anos, os problemas de direitos humanos que subsistem nas nossas comunidades e no mundo e os enormes esforços que há ainda a fazer para que os direitos humanos sejam uma realidade.
A educação em matéria de direitos humanos constitui uma parte essencial desses esforços graças aos quais se pretende que as novas gerações conheçam os seus direitos e disponham de meios para os exercer e defender. (…)
A educação no domínio dos direitos humanos é muito mais do que uma simples lição na escola ou do que um tema de um dia; é um processo que visa dar às pessoas os instrumentos de que precisam para viver em segurança e com dignidade (…)”.
[3]


[1] Fernando Gil defende que para que o aluno aprenda a perceber o valor do ser humano e se comprometa a humanizar os efeitos pessoais e sociais dos seus actos, a actividade pedagógica deverá permitir que desenvolva os seguintes aspectos:
· Conhecer a Declaração dos direitos do homem e a Convenção Internacional dos direitos da criança.
· Conhecer os conceitos da condição humana e da dignidade humana.
· Desenvolver o raciocínio deliberativo.
· Desenvolver a capacidade de valorizar mais o direito à autodeterminação dos sujeitos que o direito à autodeterminação de qualquer comunidade ou grupo social.
· Desenvolver a capacidade de colocar-se no lugar dos demais.
· Desenvolver o conhecimento do princípio de interdependência humana.
· Desenvolver a capacidade de respeitar outras culturas e costumes diferentes dos seus.
· Desenvolver aptidões de comunicação interpessoal e de solução não violenta de problemas.
· Desenvolver a capacidade de atender à dimensão especificamente pessoal dos sujeitos.
· Desenvolver a capacidade de perceber consequências sociais e pessoais nos nossos comportamentos.
Cf. Gil (1999: 76).
[2] Sobre as referidas propostas de acções educativas, Cf. GIL (1999: 77-89).
[3] Mensagem de Kofi Annan, por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de Dezembro).

BIBLIOGRAFIA

MONTEIRO, Agostinho (2001). Educação da Europa e a aprendizagem da democracia. Porto: Edições Asa.
NOGUEIRA, Conceição & SILVA, Isabel (2001). Cidadania: construção de novas práticas em contexto educativo. Porto: Edições Asa.
SOARES, José (2003). Como abordar a cidadania na escola. Porto: Areal Editores.
MARTINS, Ernesto (2003). “As implicações curriculares da educação para a cidadania”. In Educare Educere, Ano IX, nº 14. Escola Superior de Educação de Castelo Branco, pp. 69-91.
FONSECA, António (2001). Educar para a cidadania. Motivações, princípios e metodologias. Porto: Porto Editora.
TORRADO, Santiago (1998). Ciudadanía sin fronteras – Como pensar y aplicar una educación en valores. Bilbao: Editorial Descleé de Brouwer.
GIL, Fernando (1999). “La enseñanza de los derechos humanos”. In Bárcena, Fernando; Gil Fernando & Jover, Gonzalo. La escuela de la ciudadanía: Educación, ética y política. Bilbao: Editorial Descleé de Brouwer, pp. 71-103.
ANNAN, Kofi (2004). Mensagem por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de Dezembro).
In www.runic-europe.org/portuguese/humanrightsday122004.html.