domingo, 18 de junho de 2023

Presos na rede

No passado dia 30 de Maio era tornado público um estudo sobre o impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens portugueses, dando conta de que 86% se assumiam viciados nestas plataformas, sendo que 90% já as utilizavam desde os 13 anos. O estudo foi levado a cabo pela Dove em Portugal, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Brasil, Estados Unidos, Canadá, tendo sido inquiridos 1.200 jovens e pais em Portugal. Mais preocupante é o facto de 80% dos jovens preferirem comunicar pelas redes sociais, em vez de o fazer pessoalmente. Comentando estes dados à Agência Lusa (30/05/2023), Eduardo Sá, psicólogo e porta-voz do estudo, reconhece que “[o impacto] que as redes sociais têm, muitas vezes, na deformação dos adolescentes, acaba por ser uma espécie de droga (…) e com o assentimento dos pais, com consequências que, nalguns casos, são manifestamente graves.”
Entretanto, foi lançada uma petição pública, que já ultrapassou as 17.000 assinaturas, com o título “Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphone!”, que pretende dar entrada na Assembleia da República. Como é referido no seu texto, o que se pretende é uma revisão do actual estatuto do aluno quanto ao uso de telemóveis smartphones nas escolas, a partir do 2º ciclo, a favor da socialização das crianças nos recreios, ou seja, que conversem cara-a-cara, que brinquem e para que diminuam os casos de cyberbulling e contacto com conteúdos impróprios para a sua idade.
Para o pediatra Mário Cordeiro, o uso excessivo do smartphone pode representar o princípio de algo mais grave, e explica-o: “Quando uma criança deixa de se interessar pelas aulas e pela aprendizagem, fica sem saber que, para aprender, é preciso tempo, treino, paciência, técnica e trabalho, e começa a pensar que pode viver sem os outros”. O pediatra refere ainda que a redução da criatividade é uma consequência de deixar de brincar (Revista Sábado, 1/06/2023). Também o psiquiatra Augusto Cury alerta para as consequências que está a ter o uso excessivo de videojogos e das redes sociais por parte das crianças, que está a prejudicá-los, tornando-os imaturos, impacientes e sem saber lidar com as frustrações. Numa entrevista à revista Sábado (4/05/2023), Cury defende a redução dos estímulos, que causam uma intoxicação digital, pois, como diz, “se não o fizermos não vamos ter uma geração de jovens mentalmente saudáveis”. Recomenda que as crianças se envolvam noutras actividades, tais como: tocar um instrumento, ler bons livros, aprender a pintar, a cuidar de plantas, a fazer desporto, etc. Aquilo que ele considera “actividades lentas”, para ajudar a desacelerar a mente e para gerar a interiorização.
É uma triste e inquietante realidade, esta de ver os jovens presos a um ecrã, seduzidos por influencers, completamente alienados, rendidos à grosseria e à trivialidade que grassa no mundo virtual. Daqui resulta a redução da sua capacidade de imaginação, a sua curiosidade e sentido crítico em relação ao seu entorno social. Juntemos ainda um decréscimo nas competências de leitura e escrita. Hoje-em-dia ler um pequeno parágrafo ou uma simples frase escrita por um aluno tornou-se um hercúleo exercício de decifração para o professor. E perante esta realidade, qual tem sido a reposta da Escola? Sobre esta, Mafalda dos Anjos vê com desconfiança o processo de digitalização a que vem sendo sujeita nos últimos anos. Sublinha que, “O problema está em fazer do digital o principal recurso de ensino, com a prevista digitalização dos manuais escolares e dos testes de avaliação, o que inevitavelmente leva a que as crianças passem a estar ainda mais horas em frente a ecrãs do que aquelas que já passam fora da escola.” Por isso recomenda: “Neste mundo digital, as escolas têm de apostar naquilo que nos distingue verdadeiramente das máquinas. (…) O ensino deve estimular a interacção humana, a criatividade, a empatia, a experiência. A sua tarefa principal (…) [será] criar cidadãos que reflictam, que relacionem, que acrescentem, que idealizem, que se mexam.” (Visão, 19/05/2023). E porque de certa forma estamos a pensar o futuro, termino fazendo uma alusão a algumas das inquietações de Yuval Noah Harari, que nos dá que pensar. No mês passado, o historiador esteve em Lisboa para uma conferência intitulada “Humanidade, não é assim tão simples”, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde alertou para os perigos da inteligência artificial para o ser humano e a sociedade. Numa entrevista ao Expresso, respondendo à pergunta, “Não sabendo que profissões vão existir, o que é que a escola deve ensinar no presente?”, Harari respondeu que “A competência mais importante é como continuar a aprender ao longo de toda a vida e ter uma mente flexível. As escolas não têm de dar informação às crianças porque elas estão inundadas em informação. Mas têm de ensiná-las a distinguir entre fontes de informação credíveis e não credíveis.” (Expresso, 26/05/2023). Este parece-me um bom ponto de partida.